Desinteressadas, no caso de uma Europa distante ainda de um apoio mais real
a uma Ucrânia sozinha a defender-se, e provavelmente a servir de tampão a essa
Europa, por enquanto, limitada ao seu apoio bélico e pecuniário, sem grandes intromissões
ainda, temerosa de encaminhamento para uma terceira guerra, para mais, num
bloco europeu espartilhado em espaços orgulhosamente independentes. Não é esse
o caso americano, unificado e extensamente apoiado numa comum língua
altissonantemente universal, que não se inibiu a acudir aos europeus e
asiáticos, poderosa e camarada, por várias vezes no seu percurso histórico,
mas, se ontem o fez, exige hoje contrapartidas sólidas, em retaliação pelo
auxílio anterior, numa Ucrânia que pede mais auxílio ainda, provavelmente
desencantada com a acção simpática mas timorata dessa Europa espartilhada e retraída.
É de maquiavelismos comportamentais desses ditadores do mundo, Putin e
sobretudo, Trump e o seu antecessor Kissinger - menos ignaro este, contudo, que
o seu sucessor - que trata a crónica de Miguel
Miranda, na perspectiva dessa
terceira guerra mundial de que se fala, embora entre nós, cá, sejam
outras as guerrinhas altissonantes da nossa habitual parcimónia mental, sem
conserto.
Maquiavel na Sala Oval
Os dirigentes europeus têm de se mover rapidamente em duas direcções
complementares: para mais perto dos cidadãos, e para junto dos grandes
decisores políticos do mundo.
MIGUEL MIRANDA Geofísico,
antigo presidente do IPMA
OBSERVADOR, 05
mar. 2025
O uso da designação Realpolitik tornou-se popular quando
utilizada por Kissinger, e entendida como uma estratégia de segurança e
negociação internacional baseada na defesa do interesse nacional dos Estados
Unidos e na procura da maximização do seu poder militar e económico. Nela tudo
são transações. Não existem ideais ou valores, nem
gratidão ou memória, mas apenas o confronto entre interesses próprios. Li
há pouco tempo que a palavra Realpolitik foi
cunhada por Ludwig
von Rochau em 1853, mas a ideia já estava magnificamente expressa no
Príncipe de Nicolau Maquiavel.
Kissinger foi um
grande pensador da política internacional e os seus escritos são de uma enorme
inteligência. Contudo,
a sua acção política nunca esteve ao nível da profundidade ideológica, e foi
sempre entremeada por controvérsia, exactamente pelo facto de ser
guiada apenas pela primazia do interesse norte-americano, com relativização das
consequências para outros. Um dos momentos pouco felizes, e que muito
diz a Portugal, foi quando deu
luz verde à invasão de Timor
porque entendia a Indonésia como um aliado prioritário.
Se recordarmos a voz de Henry
Kissinger ao
fim dos primeiros cem dias da invasão, lembrar-nos-emos que defendeu a
necessidade de um acordo rápido, onde a Ucrânia deveria entregar uma parte do
seu território, e assumir-se como uma região-tampão encostada à frente de
expansão russa. Os meses
seguintes, mercê de uma grande coragem dos ucranianos e dos seus dirigentes,
viram o falhanço do avanço fulminante anunciado por Putin para chegar a Kiev em
dois dias. Assistiram ao apogeu do grupo paramilitar Wagner na
frente de batalha, e ao colapso com a morte de Yevgeny Prigozhin num controverso acidente de avião na
Rússia. Mais tarde, a chegada de batalhões da Coreia do Norte,
reforçou a ideia de dificuldades russas na progressão. Tal deixou florescer a
ideia de que era possível derrotar a Rússia no seu terreno e recuperar a
totalidade do território da Ucrânia. Esta ambição foi muito ampliada pela
União Europeia que foi sempre fornecendo apoio militar, mas cujos soldados
nunca pisaram o campo da batalha. E que contou sempre com o respaldo americano.
As imagens de Zelensky à saída da reunião na sala oval transmitem
melhor do que ninguém a dureza
da “política real”. Uma
negociação onde estão ausentes princípios de solidariedade, ou valores, é
necessariamente difícil, mas não tem de ser ríspida e agressiva. Imaginamos sempre o príncipe de Maquiavel a
sussurrar em corredores luxuosos mal iluminados ou em discursos cheios de
cinismo e afirmações de múltiplos sentidos. Contudo,
os actuais Príncipes da Sala Oval têm um estilo negocial duro, e muitas vezes
têm colocado o presidente da Ucrânia entre a espada e a parede. Para quem está diariamente na guerra, e
vê morrer os seus às mãos de invasores, tal é de uma enorme violência. Ver os governos de Putin e Zelensky tratados ao mesmo
nível não pode ser fácil de aceitar para quem conhece o regime russo e
acompanhou o destino trágico da sua tímida oposição. Discutir a legitimidade democrática do presidente
ucraniano e erguer regimes autocráticos à condição de parceiro, apenas serve
para amesquinhar.
Um dos pontos de discórdia reside na
proposta americana de exigir como contrapartida do apoio em material militar o acesso a recursos minerais da Ucrânia. Este tipo de acordo não é de forma alguma inédito no
mundo em que vivemos porque, ao fim do dia, as necessidades básicas são as de
alimentar as pessoas e a indústria. Uma aproximação “realista” do ponto de
vista da administração americana para o fazer poderá sempre ser o de obter
acesso a matérias-primas de qualquer um dos lados da guerra. Outro ponto de discórdia, e provavelmente o mais
importante, repousa na exigência de cessar-fogo imediato, com a
integração na Rússia dos territórios por esta ocupados. Os dois
pontos estão interligados.
Nenhuma guerra se pode arrastar
eternamente, e Zelensky tem de medir o que causa mais repúdio aos ucranianos,
se uma cedência ao poder russo ou o cansaço de uma guerra que, para além da
retórica política, não tem condições para ganhar na totalidade. A coragem
ucraniana é quase inimaginável face ao inimigo e é clara a recusa de viver
debaixo de um poder que não conhece limites. Mas o apoio financeiro e militar que a Ucrânia
necessita é de grande dimensão, tanto para os Estados Unidos como para a
Europa, e é excêntrico aos interesses estratégicos norte-americanos, muito
centrados no Pacífico, goste-se ou não. Esse apoio nunca será ilimitado nem
incondicional.
Tivesse Kissinger razão, ou não, o
rio imparável do tempo já passou por essa ponte, e é da situação actual que
temos de partir. Tivesse a União Europeia outro tipo
de recursos de defesa, integrado já a sua capacidade militar, inclusivamente
nuclear, e estabelecido mecanismos de coordenação e acção com as grandes
democracias do mundo, seria esta uma situação em que poderia assumir um papel
fundamental na história do mundo. E Portugal, apesar da sua reduzida dimensão, poderia
também ter um papel, em ligação com países que lhe são próximos e que contam no
xadrez mundial, como o Brasil, a India, ou mesmo Angola, mas sempre na perspectiva
de cada um destes países estar fundamentalmente interessado em defender os seus
próprios interesses. Todos temos de pensar um pouco como
Kissinger lembrando-nos que Maquiavel tem má imprensa, mas tem uma parte da
razão.
A situação de impasse a que se chegou
pode ser uma oportunidade para a Europa. Não nos falta capacidade de inovação e de organização
produtiva, nem temos qualquer limitação que provenha da dimensão, da capacidade
técnico-científica ou industrial. Os dirigentes europeus têm de se mover rapidamente em
duas direcções complementares: para mais
perto dos cidadãos, e para junto dos grandes decisores políticos do mundo. Sem medo de aumentar o escrutínio que os
cidadãos devem ter dos organismos comunitários, e sem as peripécias ridículas
de saber quem mais representa a Europa, se a Comissão se o Conselho. Sem radicalismos que aprofundem a divisão entre a
Europa e os Estados Unidos.
A guerra da Ucrânia trava-se às
portas da Europa. E
temos razão para estar preocupados porque o papel da Comissão Europeia parece
esgotado. Não tem sequer competências em matéria de segurança externa. Outros actores surgem para ocupar o
espaço que a Comissão não pode nem consegue ocupar, sejam eles Emmanuel Macron,
Giorgia Meloni, ou mesmo Keir Starmer. Talvez Friedrich Merz. Numa altura em
que novas lideranças são tão necessárias, a leitura do livro Liderança de Kissinger, publicado aos noventa e nove
anos de idade, é iluminante, mas não optimista.
Para já, terá a iniciativa
quem for capaz de a ter, mas os
países europeus com capacidade militar real devem coordenar-se ou, se já o
estiverem a fazer, devem transmitir essa mensagem aos europeus.
Falta agora aquele salto quântico que permitirá enterrar de vez os fantasmas do
passado, que ainda dividem as nações europeias, e entrar numa nova era. Diz-se
que a necessidade faz o engenho. Talvez a guerra faça a Europa.
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO UNIÃO
EUROPEIA
COMENTÁRIOS (DE 18):
João Floriano: «Ver os governos de Putin e Zelensky tratados ao mesmo nível
não pode ser fácil de aceitar.» O pior é que Trump trata Putin a pão de
ló e recusa-se a considerá-lo um invasor. Dá-me um nó na alma ver trumpa a
votar ao lado do norte coreano e do ayatolla do Irão. Só falta ir dar um abraço
a Maduro. Américo
Silva: Macron e Starmer parece que
querem fundar a associação europeia contra a paz na Ucrânia, para o que vão
fomentar imperiais forças armadas na Europa, talvez compostas por soldados
industânicos e africanos. Maria
Emília Ranhada Santos: A diferença é que Trump quer a
paz na Ucrânia e os lideres europeus querem guerra, para matar mais gente e
venderem armas, enquanto eles, esses mesmos líderes diabólicos nos vão tratando
da saúde! O que têm feito os líderes da Europa por nós europeus? Que leis
têm eles obrigado os governos das nações a adoptar? Como chegámos ao fundo do
poço? Quem controla a CS? Trump é mau porque os esquerdistas da liderança
europeia, os globalistas da massa, fazem passar essa narrativa porque é a que
lhes agrada a eles! Uma falsa narrativa mas que leva a Europa para o seu fim,
porque eles assim o desejam! Para imporem a NOM que Trump não permite no país
dele, porque a NOM é uma ditadura da pior espécie, pior que o pior dos
comunismos, eles enganam-nos com a CS, dizendo tudo ao contrário e acusando a
direita de tudo e mais alguma coisa! Mas será que alguns portugueses estão
cegos surdos e mudos e acolhem os projectos demoníacos dos globalistas, ou não
entendem o que isso é? Trump tem defeitos mas luta pela democracia nos EUA e os
líderes europeus, não lutam por isso, mas sim pela ditadura onde eles serão os
imperadores e nós os escravos! Abramos os olhos! Não chega para desacreditarmos
neles, a perversa cultura woke? As fronteiras abertas sem controle, as nossas
cidades desmanteladas feitas em lixeiras pior do que nos países mais atrasados
do mundo? Os assassinatos diariamente nas nossas ruas? As violações, a
desautorização das autoridades, a falta de moral e ética? A irresponsabilidade
dos governantes em relação às prioridades? Enfim! Só cérebros lavados e
expurgados podem querer continuar com este sistema corrupto e maldoso que é a
ONU e a UE e o resto das organizações por eles inventadas para nos empobrecerem
cada vez mais!
Isabel Gomes: Que artigo mais ignorante. 🤣 GateKeeper: Top 5. HKissinger foi, na verdade, um pragmático genial e um
diplomata exemplar. E é penoso para nós constatar a actual mediocridade pateta
das e dos demagogos actuais, infelizmente ainda com acesso aos
"poderes" e, sobretudo ao nosso dinheiro. A Real Politik foi sempre a
base e o esteio verdadeiros da História da Humanidade, assim como as Guerras.
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