Mais para cada um de nós sentir na pele,
do que para “extrapolar” repetidamente. Não havia necessidade.
Aqui que ninguém nos ouve
Para lá, e para
cá, de Badajoz, ninguém ouve o prof. Marcelo, ninguém ouve os governantes,
ninguém ouve os vultos da oposição, ninguém ouve os 950 comentadores que se
atropelam nas televisões.
ALBERTO GONÇALVES
Colunista do Observador
OBSERVADOR, 01
mar. 2025, 00:201
Há três semanas participei, com André Azevedo Alves e Jaime
Nogueira Pinto, num jantar-palestra
(acho que é a expressão em uso) organizado pela Oficina
da Liberdade e realizado no Clube de Leça,
um espaço privado que fica, sem grandes surpresas, em Leça
da Palmeira. A sala encheu-se de pagantes, que rondaram salvo o erro
os duzentos. Cerca de cem interessados já não conseguiram lugar. Pelos padrões
nacionais, a noite foi uma espécie de
sucesso, em parte graças aos outros dois oradores mas sobretudo graças ao tema: Trump.
Na minha intervenção final, toquei no assunto e notei que aquela
pequena multidão estava ali porque, gostando ou não do presidente americano (e
estavam ali pessoas que o abominam), Trump importa – e não estou a falar do
aumento das tarifas. Independentemente dos convidados, duvido que uma
sessão similar, e gratuita, dedicada ao dr. Montenegro ou ao prof. Marcelo
enchesse uma cabine telefónica. As
sumidades da política nacional nem aos portugueses importam. O que é nacional
não só não é bom como é irrelevante. E se a irrelevância é cada vez maior, a
falta de noção dessa irrelevância é cada vez mais ridícula.
Com embaraçosa regularidade, eventos microscópicos trazem à
superfície o brutal contraste entre o que significamos e o que julgamos ou
fingimos significar no mundo. Há dias, Paulo
Rangel, que talvez 70% dos portugueses saibam que é ministro dos Negócios
Estrangeiros, “advertiu” (rezava a notícia da Lusa) os EUA de que a União
Europeia “tem uma palavra a dizer nas negociações sobre a Ucrânia”.
Suspeito que, na mansão de Mar-a-Lago, alguém perdeu o sono. Entretanto, o dr. Montenegro já ligou a Zelensky para
“reiterar” (volto a citar) o “firme apoio” de Portugal à causa ucraniana.
Após três anos, Zelensky pôde enfim relaxar.
Convém ressalvar que o actual governo até é comparativamente modesto
nestes exercícios de desprezo pela realidade. Se vamos falar de deslumbramento,
que fale Sua Santidade, o presidente da República. Esta semana, recém-chegado
do Brasil e da enésima demonstração de
reverência ao sr. Lula, o prof. Marcelo resolveu aproveitar as mudanças na
selecção de jornalistas admitidos na Casa Branca para explicar que a América
está a resvalar para uma ditadura.
Por acaso, ignorância ou desleixo, o prof. Marcelo não explicou que a
administração Biden “cancelara” 400 e tal jornalistas. O prof. Marcelo não
explicou que a associação antes responsável pela escolha, a WHCA, conspirou para ocultar dos cidadãos o declínio mental de
Biden e impor uma ortodoxia informativa enviesada para o lado que se adivinha.
O prof. Marcelo não explicou de que modo é que legitimar a arbitrariedade do
poder através de não sei quantos estados de emergência se distingue de uma
medida dictatorial. Essas minúcias, somadas ao beija-mão a Fidel no início dos
seus mandatos e às incontáveis vergonhas da década seguinte, não o impediram
de, pousado numa cátedra imaginária, se aliviar de considerações acerca do
arquétipo democrático que ele imagina representar. Não satisfeito, 24 horas depois questionou, com a
responsabilidade que o define, a “legitimidade jurídica” de Trump “para atacar
a soberania de parceiros” (?). Suponho que o prof. Marcelo se encontra
genuinamente convencido de que tem lições a dar à humanidade, mesmo que a
plateia não ultrapasse o punhado de infelizes forçados a aturá-lo.
A sorte é que ninguém o ouve. Para lá, e para cá, de Badajoz, ninguém
ouve o prof. Marcelo, ninguém ouve os governantes, ninguém ouve os vultos
da oposição, ninguém ouve os 950 comentadores que se atropelam nos estúdios
televisivos a fim de autopsiar a “actualidade”, ninguém ouve, e é pena, o
anónimo que num T2 do Cacém critica sem piedade o desconchavo destes tempos. A
insignificância portuguesa é tão grandiosa que, à semelhança dos imigrantes
ilegais, não se deixa condicionar por fronteiras: dois Antónios, Guterres e
Costa, continuam insignificantes ainda que elevados a cargos internacionais de
“prestígio”. O primeiro, que desabafa no Conselho dos Direitos Humanos para
emissários de Cuba e do Sudão, é o porta-voz oficioso da Pequena Greta,
a activista do “clima” e do Hamas; o segundo, que despeja platitudes em
dialectos indecifráveis, é respeitado por Ana Gomes e pelo dr. Rangel. A
influência global de ambos rivaliza com a do anónimo do Cacém.
É por isto que a visita de Macron, uma pausa de férias, foi o que foi.
Mal viram um arremedo de estadista, o PR cobriu-o de beijos, o ainda PM
passeou-o de mãos dadas, e não me admiraria que, no Porto, além das chaves da
cidade, da varanda dos Aliados e de um “tratado de amizade”, Rui Moreira
tivesse pedido o francês em casamento. Aparece por aí um estrangeiro
“importante” (pelos padrões europeus, calma) e a nossa relevância de
plástico desfaz-se em cacos e ternuras. Somos assim pequenitos e isso nem é
novidade ou grande problema. É apenas esquisita a crescente ilusão contrária,
a teimosia numa existência ideal e nunca vivida. É impossível levar a sério quem se esforça tão desastrada e
infantilmente para ser levado a sério, axioma que vale para as excelências
caseiras e, pela ordem natural das coisas, para o país em peso. O peso que não
temos, aqui que ninguém nos ouve.
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COMENTÁRIOS (de 20):
Maria Paula Silva: Tinha visto há um bom
bocado o video da visita do Zelensky à Casa Branca e ainda estou banzada com a
agressividade que tudo aquilo transpirava. Nem sei o que pense. Adiante.
Macron. Continuamos a ser uns pirosos, convencidos de
que não somos provincianos e tudo aquilo era "super romântico". Os
beijos e as mãos dadas deixaram-me embevecida. Gosto de ver esta política
actual, é muito semelhante a uma peça de teatro. Continuamos a fazer figuras de
par vos perante os estrangeiros, deve ser por isso que incrementámos o turismo
e escancarámos as portas à imigração. Não gosto de pagar o ordenado a esta
gente, vocês não sei. AG: Parabéns, o texto é muito bom com algumas frases
magistrais.
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