segunda-feira, 30 de junho de 2025

Na sombra

 

Trabalha-se com mais eficácia, por via da frescura.

O truque que o PCP usa há 75 anos já não resulta

A CGTP organizou uma manifestação a pedir o fim da NATO. Fica a dúvida: o que é que uma central sindical tem a ver com a NATO? Vocês respondem: nada. Eu respondo: tudo.

MIGUEL PINHEIRO Director executivo do OBSERVADOR

OBSERVADOR,28 jun. 2025, 00:2180

Esta semana, ficámos a saber que a CGTP quer “a Paz”. Atenção: não quer “a paz”, em minúscula, porque isso seria uma demonstração de fraqueza reivindicativa — quer “a Paz”, em maiúscula, porque na vida todos temos de ser ambiciosos. Foi, então, com maiúscula que “a Paz” apareceu num dos cartazes empunhados por um jovem na manifestação organizada há dias, de forma conjunta, pela CGTP e por uma entidade denominada Conselho Português para a Paz e Cooperação, sob o original lema “Paz Sim! NATO Não!”.

Na convocatória emitida pela CGTP, explica-se que “a guerra é cada vez mais intensa em diversos pontos do mundo”, revela-se que “a União Europeia aposta na continuação dos conflitos”, gesticula-se contra o “discurso belicista” e vocifera-se contra a “escalada militarista”. O “Grande Satã” desta manifestação foi, como já se percebeu, a NATO. Dinis Lourenço, orgulhoso membro do conselho nacional da CGTP, denunciou que esta aparentemente odiosa organização tem sido “um factor de desestabilização e de ingerência por todo o mundo”.

Algumas almas mais delicadas poderão olhar para tudo isto com perplexidade. Por um lado, a NATO não interfere nas relações laborais, não dita o valor do salário mínimo, nem se senta no Conselho Económico e Social. Por outro lado, os patrões portugueses não têm a capacidade de influenciar o “militarismo” da NATO, ou a falta dele. Sendo assim, sobra a pergunta palpitante: o que é que uma central sindical tem a ver com a NATO? Vocês respondem: nada. Eu respondo: tudo.

Esta história é muito velha — é a história de um truque que o PCP aplica com diligência e disciplina há 75 anos. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, a União Soviética começou a preparar o seu confronto particular com o Ocidente. Para enfraquecer a unidade das opiniões públicas na Europa e nos Estados Unidos, Moscovo ordenou aos partidos comunistas locais que criassem e dinamizassem movimentos “pela Paz”. Era uma “causa” que podia juntar toda a gente: novos e velhos, gordos e magros, cabeludos e carecas — e, mais importante do que isso, comunistas e não comunistas. Afinal, quem, no seu perfeito juízo, poderia ser contra “a Paz”? Quem, excepto um incorrigível fascista, poderia ser contra as flores e as pombinhas? Ninguém, claro — e esse era o ponto. Os cartazes exigiam “a Paz”, mas, na verdade, o que esses movimentos pretendiam era pressionar pela desmilitarização dos países ocidentais para que eles ficassem incapacitados de resistir à expansão da União Soviética.

A táctica foi a mesma em todo o lado — incluindo em Portugal. Para tentar juntar o máximo de pessoas possível à volta desta “causa”, incluindo os muito apropriadamente chamados “idiotas úteis”, foram criadas organizações de fachada que eram, na realidade, comandadas de forma ventríloqua pelo PCP. Em agosto de 1950, os comunistas portugueses ergueram a primeira Comissão Central da Comissão Nacional para a Defesa da Paz. Depois do 25 de Abril, surgiu, funcionando da mesma forma telecomandada, o Conselho Português para a Paz e Cooperação. O truque era sempre o mesmo: o PCP mandava, mas não aparecia.

Apesar de tudo, as pistas estão lá. Se perdermos um minuto a olhar para os órgãos sociais do Conselho Português para a Paz e Cooperação, percebemos que a presidente da direcção nacional é Ilda Figueiredofoi candidata autárquica pelo PCP às câmaras do Porto, Gaia e Viana do Castelo; foi eurodeputada; e pertenceu ao comité central do partido. Percebemos que uma das vice-presidentes é Deolinda Machadofoi candidata pelo PCP a autarquias e ao Parlamento. Percebemos que uma das vogais é Ana Sofia Calado — foi candidata à Assembleia da República pelo Partido Ecologista Os Verdes, outra organização benemérita que não sobreviveria sem o oxigénio comunista. E percebemos que na direcção nacional se encontra Isabel Camarinha — ex-secretária-geral da CGTP.

E assim se completa o círculo: Isabel Camarinha é militante do PCP; depois ocupa a liderança da CGTP; a seguir, aparece na direcção do Conselho Português para a Paz e Cooperação; e agora organiza a manifestação desta semana, que juntou, de forma harmoniosa, precisamente a CGTP e o Conselho Português para a Paz e Cooperação. Um espírito incauto que tenha lido as notícias sobre este protesto viu as referências à CGTP e ao Conselho Português para a Paz e Cooperação, mas não encontrou nunca qualquer vaga indicação relativa ao PCP, que é o principal interessado numa manifestação que serve inteiramente os seus propósitos políticos.

É tudo uma grande ilusão, especialmente útil quando, como agora, os comunistas perdem força eleitoral. Parece que são muitos, mas na verdade são sempre os mesmos. Só espanta que o PCP ache que, ao fim de 75 anos, continuamos a cair em histórias da carochinha.

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COMENTÁRIOS (de 80)

 Carlos Ferreira: Pois... cada vez são menos mas ainda há quem acredite. Mas o problema maior não é esse, mas sim o controle dos sindicatos dos funcionários públicos e das empresas estatais e o impacto desmesurado que isso tem na vida quotidiana, principalmente dos mais frágeis, que o PCP se vangloria de proteger.                Jorge Barbosa: A CGTP tem tudo a ver com a NATO tão só porque a CGTP não é um sindicato mas sim, é o "braço armado" do PCP. Daí que antes de "pensar" nos trabalhadores para depois os servir, "pense" isso sim no PCP, para depois saber como usar os trabalhadores para servir o comité do partido comunista                Df: Mete dó. E desprezo. Dantes ainda diziam que estavam a defender o comunismo e a URSS. Diziam que serviam um ideal comunista qualquer. Afinal era mentira, como se vê hoje, quando passaram a defender os interesses de um império colonial estrangeiro. PCP e CGTP são agora serviçais do império nacionalista fascizante de Putin. Não havendo ideal comunista envolvido, a única explicação é que lhes pagam. Daí o desprezo que merecem.                Ruço Cascais: Muito bem Sr. Miguel Pinheiro. Depois desta sessão de strip aos comunistas, estes, só mesmo com as mãozinhas conseguem esconder as miudezas, já que ficaram mais nus que o Tarzan. No outro dia dei com a explicação comunista para o fim das eleições democráticas mal se apanhem no poder. Defendem que depois do povo conquistar o poder não podem existir actos eleitorais que coloquem em causa o poder do povo. Ou seja, uma vitória comunista num regime democrático representa o fim desse regime. Mas os comunistas em Portugal além de promoverem a Paz no mundo com letra grande com a submissão total dos ucranianos às mãos dos russos e o fim da NATO, promovem também o porreirismo. Raimundo é um gajo porreiro e António Costa viu no Jeropiga um tipo porreiro. Na última campanha eleitoral foi unânime pela CS a classificação de gajo porreiro ao Raimundo. Curiosamente este porreirismo não se aplica aos neo-comunas do BE. Nem a Paz. Os bloquistas querem porrada e amargura. A grande diferença entre comunas e neo-comunas; uns são porreiros e querem paz, os outros querem azedura e porrada.           Mario Figueiredo > Manuel Gonçalves: E porque é que a Europa há-de querer ter boas relações com a Rússia se o custo para isso é desmantelar a única organização de defesa a que pertence? Não haveria a Rússia, historicamente imperialista, de querer ter boas relações com a Europa sem impor sobre nós condições para a nossa política de defesa? Estou um bocado confuso com a sua lógica suicida...                  Ricardo Ribeiro: Pois, eu sou a favor da "guerra" contra esta ideologia retrógrada e maliciosa...isto inclui todos os seus tentáculos desde CGTP's a essas comissões e associações encapuzadas e envernizadas pelo comunismo...A luta continua Pcp no olho da rua (já faltou mais...)!                    Manuel Martins: Concordo com a análise, e poucos já engolem as patranhas da cassete do PCP ou da cgtp. A questão é que ambos vendem um produto muito apreciado por muitos reformados e funcionários públicos: para os reformados, convívios com bandeiras,  cantigas, bifanas e cerveja nas ruas, ao sábados (as manifestações), e dias de folga às 6as feiras (as greves), para os segundos...                  Francisco Ramos: Como é que ainda há neste país, alguém a prestar atenção ao que diz o PCP? Deixem-no morrer por asfixia.                       Álvaro Venâncio: Exactamente verdade, é mesmo assim: os estalinistas-fascizantes do PCP continuam na sua constante e acérrima luta pela destruição da LIBERDADE, do OCIDENTE, da NATO, da EU, das DEMOCRACIAS LIBERAIS. Comunismo nunca mais! Viva o 25 de Abril! Viva o Ocidente! VIVA A NATO! Obrigado MIGUEL PINHEIRO!                    Balmat: Caro MP ao longo dos anos quantos jornalistas na CS têm tido a isenção de confrontar o PCP. É ler o artigo da HM sobre a cobertura do Jornal Público on line sobre a morte do ex membro das FP 25 Abril.                Filipe Costa: Pois, mas eu não percebo porque há otários a descontar quotas para a CGTP, alguma vez a CGTP os defendeu? A CGTP usa os trabalhadores a seu belo prazer e ainda cobra quotas aos palermas. Fernando ce: Muito bem. Os comunistas chegaram ao ponto de, na entrada dos limites das autarquias que dirigiam, escrevem em placas algo como “concelho livre de armas nucleares” …com uma pomba e um ramo de oliveira…      Carlos Real: Falar dos comunistas ou mesmo da CGTP é cada vez mais revisitar os dinossauros no campo jurássico da Lourinhã. Mesmo a presença lusa na Nato é irrelevante, porque nunca será posta em causa. O que conta é saber o papel dos EUA, e se estarão disponíveis a defender o mundo ocidental. A Europa militar perdeu o comboio, e muito dificilmente o apanhará face ao desenvolvimento da China e dos EUA. Quanto ao esforço dos 5% os europeus fingem que estão muito preocupados. Só posso tristemente rir, quando vejo uma ilha chamada Japão gastar 7% do PIB na defesa. Até fico com os olhos em bico.                  Hugo Silva > Mario Figueiredo: Lógica comunista...                  José B Dias: Faço sempre o mesmo exercício para melhor conhecer os interesses por trás das mais diversas entidades que por aqui e ali surgem, sempre com nomes sonantes em estrangeiro, a defender estudos e a publicitar relatórios ou a fazer acusações. Por norma confirmam-se as suspeitas iniciais de falta de independência e isenção...          Paul C. Rosado: Disse quase tudo. Faltou falar da presença da CGTP nas manifestações de apoio aos árabes ocupantes da Palestina. Toda a gente sabe que na cultura islâmica os trabalhadores estão cheios de direitos e vivem muito bem! Lá, na China, na Rússia, Cuba e Coreia do Norte. Tudo paraísos para os trabalhadores.     maria santos: É com esta gente que o PS conta para estar no poder governativo. Como nos governos de António Costa. Não esquecer.                   pedro dragone: Os comunas sempre foram uns especialistas na arte do disfarce. Técnicas do KGB ensinadas aos partidas-irmãos, por todo o mundo. Depois do susto do 25 de Novembro em que foram poupados às balas das G3, decidiram entrar numa espécie de "clandestinidade simbólica" em que a velha simbologia comunista, a foice e o martelo e a cor vermelha são substituídas por novos símbolos e cores para poderem entrar no jogo da "democracia burguesa" (a expressão é deles) sem afastarem eleitores, com o receio dos comunistas, e captarem novos militantes e simpatizantes. Assim, inventaram o partido os Verdes (que melhor cor para contrabalançar o vermelho?) e formaram a CDU (coligação PCP-Verdes) para concorrerem a eleições. Com bandeira azulinha, pois então, e umas setas a imitarem os partidos "burgueses" como o CDS, etc. E assim ficaram até hoje, disfarçados de democratas, a concorrerem a eleições da "democracia burguesa", sempre na esperança de que, um dia, chegariam ao poder e, como lhes ensinou o camarada Lenine, tomá-lo por dento e implantar a "democracia popular", onde não existe essa coisa burguesa do voto, pois o povo, representado pelas elites comunistas esclarecidas já estaria no poder.                     C Costa: A comunicação social em Portugal usa o acrónimo NATO quando, pela ordem das palavras em português, devia ser OTAN, como, aliás, se lê nos jornais espanhóis e franceses. Não se prestigia assim a língua portuguesa.         Glorioso SLB: E os movimentos pró-palestina, anti-troika, pró-homossexualismo, tb ñ são os mesmos?              Maria Alva: A excelente autobiografia da Zita Seabra explica e exemplifica isso muito bem.              Joaquim Rodrigues: Diz Miguel Pinheiro: "Um espírito incauto que tenha lido as notícias sobre este protesto viu as referências à CGTP e ao Conselho Português para a Paz e Cooperação, mas não encontrou nunca qualquer vaga indicação relativa ao PCP, que é o principal interessado numa manifestação que serve inteiramente os seus propósitos políticos." É verdade o que diz o Miguel Pinheiro se acrescentarmos que os "propósitos políticos" do PCP são, unicamente, os de defesa e apoio ao Putin, contra os Ucranianos, que estão a dar o peito às balas, em nossa defesa e em defesa do mundo ocidental.               Luis Santos: Só faltou falar no controlo e influência que o PCP tem na comunicação social.                  Jose Bastos: Absolutamente correcto toda a minha concordância Mas nós mais velhos vivemos o PREC vergonhoso criminoso com os comunistas sempre por trás Apenas chamar OTAN E não NATO               Manuel Ferreira21: Não podemos desmobilizar. Aproveitam-se da ingenuidade das pessoas e vendem ilusões, sempre ao serviço do comunismo.                    Manuel Lisboa: Correctíssimo. De facto espanta e nada alcança o partido comunista português, hoje em dia, com esse mal disfarçado e estafado frentismo. Os comunistas portugueses vão de eleição em eleição até à derrota final. Fica-lhes os edifícios e um passado interessante, mal conhecido e, até ao momento, mal contado. Todavia e debaixo do aparente manto diáfano do pacifismo, continua a ser estranhamente curiosa essa teimosia aberrante do partido comunista em defender regimes torcionários como o russo, o norte-coreano ou o venezuelano, para citar algumas das ditaduras mais gritantes e sanguinárias já, de forma expressa, apoiadas por essa vetusta agremiação política. Portanto, se os comunistas pretendem efectivamente a paz, terão que passar a defender a NATO, organização que desde a sua existência mais contribuiu para a ausência de guerras na Europa ocidental. Permitiu o desenvolvimento de democracias liberais, onde se toleram mesmo ideologias profundamente reaccionárias e contrárias às suas existências, como é comunismo.           António Louro: Felizmente estão em decadência total.                Mario Figueiredo > Hugo Silva: Iria mais longe... Lógica de comuna.                     Manuel Magalhaes: O PCP é pura arqueologia…           GateKeeper: Top 30..                       Lourenço Sousa Machado de Almeida: Mas é que continuamos mesmo a cair na história da carochinha, porque são estas mesmas organizações e este mesmo "truque" que aplicam nas manifestações pró-Palestina, que é uma forma de dizer, "contra Israel" que é o mesmo que dizer contra a civilização...ocidental, se fizerem questão!             José Paulo Castro: O truque resulta. Basta ver outros que ainda o fazem por aí. Quantos jornalistas são do BE e do Livre e dão ênfase a supostas comissões e colectivos? O PCP é que já não resulta.        Antonio Sobral Almeida > Ruço Cascais: Os neo-comunas querem azedume e porrada? Muito bem, vamos aproveitar agora que são poucos (ou "poucochinhos") e vamos lá dar porrada neles...           Maria Augusta Martins: Será que a CGTP ainda se encontra livre de armas nucleares? Bons tempos em que o Alentejo estava cheio de placas a anunciar essa condição. Isso era no tempo do general "Rolhas" presidente dessas organizações comunistas.

 

Uma história real

 

Com aparência tristemente irrealista, de tal maneira foge ao equilíbrio que a condição régia deveria pressupor. E temos pena, intimamente “rezando” pelo ex-rei sem sorte, de que se foi sempre ouvindo falar, idosos que somos… “Pobrecito!”

Poderá Juan Carlos voltar a viver em Portugal?

Texto

Exilado desde 2020 nos Emirados Árabes, a imprensa espanhola acredita que o rei emérito tenha recuperado a chamada "Operação Cascais". Terá sido visto a visitar palacetes na zona do Estoril.

OBSERVADOR, 29 jun. 2025, 10:008

Depois de seis dias em Sanxenxo, na Galiza, onde participou na regata do Troféu Xacobeo de vela, a 22 de junho Juan Carlos I deixou o aeroporto de Vigo num jacto privado rumo ao aeroporto de Cascais, uma viagem que fortaleceu os rumores que já circulam na imprensa espanhola de que o rei emérito de Espanha esteja a planear uma mudança definitiva para Portugal, depois de cinco anos a viver em Abu Dhabi. A caminhar com dificuldade, respondeu de forma directa aos questionamentos dos jornalistas sobre a sua saúde: “Estou em perfeito estado. podem dizer todas as mentiras que quiserem, mas estou óptimo. Vejam que não vou em cadeira de rodas”, disse, citado pelo El Mundo.

Juan Carlos já esteve em Sanxenxo três vezes este ano. Já as visitas a Portugal também são frequentes, e uma das mais recentes foi para o funeral de Aga Khan, em fevereiro. Em 2020, ainda antes de ser conhecida a decisão pelos Emirados Árabes, a imprensa espanhola escrevia sobre a chamada “Operação Cascais”, em que Juan Carlos estaria a receber auxílio de nomes como João Manuel Brito e Cunha, a socialite Lili Caneças e até o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que na altura chamou as notícias “um disparate”.

Juan Carlos em Lisboa em fevereiro de 2025, no funeral de Aga Khan MIGUEL A.LOPES/LUSA

Agora, fala-se que a operação poderá ter sido retomada. O recente interesse por mudar-se para Portugal,de acordo com o tabloide espanhol El Nacional, estaria relacionado como desgastado estado de saúde do rei emérito e potenciado pela escalada no conflito no Irão, que para Juan Carlos representava um perigo, já que vive num país próximo. O jornal avança ainda que o antigo rei de Espanha terá sido visto com a filha mais velha, a infanta Elena, e outros familiares, a visitar casas no Estoril. Já o Ok Diário diz mesmo que amigos próximos poderão ter disponibilizado palacetes em Cascais ou em Azeitão. Entretanto, nem a Casa Real espanhola nem o rei emérito confirmam a possível mudança.

Infância no Estoril

Juan Carlos poderá estar a procurar casa em Cascais e Estoril, onde a família viveu entre os anos 1940 e 1950, durante o exílio. O rei emérito nasceu em 1938 em Roma, mas mudou-se para a Vila Giralda, no alto do Monte Estoril, quando tinha oito anos. Foi onde conheceu Jorge Arnoso, neto do Conde de Arnoso. “Tínhamos uma vida normal de crianças dessa idade no Estoril e Cascais da época: passeios de barco na canoa do meu pai, jogos de futebol, etc. Quando o príncipe, que nós tratávamos por D Juanito, fez dez anos, houve um acordo entre o Sr. Conde de Barcelona e o Generalíssimo Franco para o Príncipe ir estudar para Espanha. A partir dessa altura nós só o víamos nas férias”, contou ao Observador em 2014.

A princesa Maria das Mercedes com os quatro filhos na casa no Estoril; Juan Carlos quando tinha 16 anos  Gamma-Keystone via Getty Images

“Quando ele vai para Espanha pela primeira vez, que era o sonho do pai, vai no Lusitânia Expresso à noite, cheio de frio, e tem todos os fidalgos e grandes de Espanha à espera e nem lhe deram um copo de água ou uma refeição quente”, diz em entrevista ao Observador em 2024 José Bouza Serrano, autor da biografia O Rei Sem Abrigo. Chegou a Espanha para estudar e terminou o bacharelato no Instituto San Isidro, em Madrid, em 1954. No ano seguinte ingressou na academia militar e depois licenciou-se em Direito Político e Internacional, Economia e Tesouro Público, na Universidade Complutense. Contudo, ao longo da adolescência o então príncipe regressou muitas vezes a Portugal.

Golf, vela, festas e uma tragédia

Bouza Serrano, que desenvolveu atividades diplomáticas em Espanha, conta que conheceu Juan Carlos no golf do Estoril quando ainda era criança.”Estava num grupo de pessoas e às tantas o Rei, que na altura era príncipe, veio e falou a uma série de pessoas e apresentaram-me.Quem também relata momentos da juventude de Juan Carlos é o príncipe Vittorio Emanuele de Sabóia, que viveu exilado em Cascais na mesma altura. “Tenho muitas coisas para contar, mas não posso. Coisas sobre Juan Carlos”, disse, na série documental O Príncipe Sem Trono, realizada por Beatrice Borromeo em 2023. “Eu estava ali! Estávamos no exílio e costumávamos atirar jarras e garrafas na praia de Cascais”, revela Vittorio Emanuele, que recorda um dos episódios trágicos da família real espanhola. “Juanito fez um grande alarido. Disparou contra o irmão e matou-o. Chamava-se Alfonsito. Não disparou diretamente contra ele, mas sim através de um armário. Eu estava lá. Foi um acidente. A 100% eh? Escondi a minha arma imediatamente. Se não, tinham-me culpado novamente.”

O funeral de Alfonso, a 2 de abril de 1956, em Cascais Getty Images

O irmão mais novo de Juan Carlos, Alfonso, morreu quando tinha 14 anos, na Vila Giralda. Também Bouza Serrano fala do episódio na biografia do monarca. “Há uma coisa que é dramática e que creio que em português nunca se tinha escrito, é que foi ele que matou o irmão. Ele tinha a arma e foi um acidente. Também me custou escrever. Lembro-me, era miúdo, lá em casa lia-se O Século, e apareceu naqueles dias, que eram feriados, uma fotografia a preto e branco, os príncipes no Estoril e a família real e tudo muito discreto, [com a informação de que era] um disparo acidental quando estavam a limpar uma arma”, conta o antigo embaixador português. Até hoje há diferentes teorias sobre o que verdadeiramente se passou. O que se sabe é que Alfonso, de 14 anos, participou numa competição no Clube de Golf a 29 de março de 1956, uma quinta-feira santa. Mais tarde, já em casa, com o irmão Juan, de 18, praticava pontaria com um revólver caliber 22 na sala de jogos no primeiro piso quando a arma disparou. O irmão mais novo do rei emérito foi enterrado num cemitério em Cascais e a arma foi lançada ao mar pelo próprio pai.

 “Fomos uma vez juntos a Alfama com um grupo de amigos, e lembro-me da princesa estar muito espantada com o à vontade do marido no meio das multidões alfacinhas.” Jorge Arnoso, amigo de infância de Juan Carlos

Aos 23 anos Juan Carlos ficou noivo da princesa Sofia da Grécia e o casal esteve alguns dias no Estoril, quando apresentou a noiva a Jorge Arnoso. Quando já eram casados, numa nova visita, o amigo do então príncipe recorda:Fomos uma vez juntos a Alfama com um grupo de amigos, e lembro-me de a princesa estar muito espantada com o à vontade do marido no meio das multidões alfacinhas.” Jorge Arnoso lembra que Juan Carlos, “durante a revolução, ainda como Príncipe de Espanha, esteve sempre atento e preocupado com o desenrolar dos acontecimentos, o que demonstra o carinho que sempre teve por Portugal.” Proclamado Rei de Espanha pouco depois, manteve sempre contacto com o seu companheiro de juventude, que o visitava em Madrid, umas duas vezes por ano, para almoçarem ou jantarem.

Aos 87 anos, Juan Carlos continua a praticar vela, desporto que conheceu ainda na infância e que desenvolveu ao longo da juventude no Clube Naval de Cascais, fundado em 1938. Em 1978, quando já era Rei de Espanha, numa visita oficial a Portugal, foi homenageado e eleito sócio comodoro honorário do clube. Em retribuição, Juan Carlos ofereceu um barco da classe olímpica de vela 470 para os treinos da Seleção Nacional de Portugal, que foi batizado pela Rainha Sofia, como mostram as imagens da reportagem da RTP da época. Já na década de 1990 o Rei ofereceu um troféu ao clube, quando foi criado o H.M. King Juan Carlos Trophy, evento da Classe Dragão. Na segunda Gold Cup, em 1998, Juan Carlos voltou a Cascais para assistir à competição, ao lado do príncipe consorte da Dinamarca, Henrik.

Juan Carlos na regata em Sanxenxo em 2022    Europa Press via Getty Images Monumentos de Cascais homenageiam os Borbón

Além da Vila Giralda, há outros monumentos em Cascais a destacar a presença dos Borbón. Em 2000 a Câmara Municipal inaugurou uma estátua em homenagem aos condes de Barcelona, pais de Juan Carlos, numa rotunda no Estoril. “Homenagem do Municipio de Cascais aos Condes de Barcelona D. Juan de Borbon e Dª Maria de las Mercedes de Borbon e seus filhos Pilar, Juan Carlos, Marguerita e Alfonso que viveram no Estoril, no período de 1946 a 1977 legando aos cascalenses perene recordação de simpatia, simplicidade e humanismo”, diz a placa que acompanha a estátua.

Já em 2022 uma parte do passeio que circunda o Casino Estoril recebeu a placa em homenagem a Margarita de Borbón. Acompanhada do marido, filhos e netos, a irmã do rei emérito participou na cerimónia de inauguração e, à revista Caras, recordou o tempo em que viveu no exílio, chamando Portugal o seu “país do coração”.Cheguei cá quando tinha sete anos, em meados do século passado. Nunca deixei de vir a Portugal e sempre que estou cá venho ao meu cantinho, de que tanto gosto. Casei-me na Igreja de Santo António do Estoril e a celebração foi no Hotel Palácio.

“Agora, guiado pela convicção de prestar o melhor serviço aos espanhóis, às suas instituições e a ti como Rei, comunico-te a minha ponderada decisão de me trasladar, nesta altura, para fora de Espanha.” - Juan Carlos I em carta a Felipe VI em 2020 sobre a decisão de autoexilar-se

A vida no exílio

Em junho de 2014 Juan Carlos abdicou a favor do filho Felipe, ao fim de 39 anos de reinado. Entretanto, foi só em agosto de 2020 que tomou a decisão de deixar o país, depois de uma onda de escândalos pessoais e fiscais. “Agora, guiado pela convicção de prestar o melhor serviço aos espanhóis, às suas instituições e a ti como Rei, comunico-te a minha ponderada decisão de me trasladar, nesta altura, para fora de Espanha.”, escreveu o rei emérito numa carta ao filho. Alguns dias depois soube-se que o destino do exílio seria Abu Dhabi.

Durante estes últimos cinco anos, o antigo monarca teve de lidar com as polémicas que vieram à tona em diferentes momentos, repescando episódios do passado que continuam a pairar sobre a reputação do antigo soberano. Em 2021 Corinna Larsen, que foi a sua amante durante anos, processou Juan Carlos, no Reino Unido, por assédio e vigilância ilegal, mas um tribunal de Londres pôs fim ao processo em 2023 por considerar que a jurisdição britânica não era adequada para julgar o caso. Já em setembro de 2024, outra amante do passado, Bárbara Rey, voltou a assombrar a vida da família real espanhola. A revista holandesa Privé publicou fotografias comprometedoras tiradas em 1994, onde o rei emérito de Espanha aparecia a beijar a actriz. A 12 de junho a estrela da televisão espanhola lançou a sua autobiografia, com excertos reveladores sobre a relação com Juan Carlos.

Juan Carlos e Corinna num evento em Madrid em 2006 Getty Images

Já os processos abertos sobre o património no estrangeiro, como os presentes recebidos pelo multimilionário mexicano Allen Sanginés-Krause ou a fortuna ocultada na ilha de Jersey, foram todos arquivados em 2022 devido à condições de inviolabilidade do monarca enquanto chefe de Estado, à prescrição dos alegados crimes e à falta de indícios em outros casos. Em maio do mesmo ano, depois do arquivamento, o antigo rei de Espanha declarou em outra carta ao filho que havia decidido fixar residência nos Emirados Árabes. “Prefiro, neste momento, por razões que são de âmbito privado e só a mim dizem respeito continuar a viver de forma permanente e estável em Abu Dhabi onde encontrei tranquilidade, especialmente neste período da minha vida. Ainda que, como é normal, voltarei com frequência a Espanha, que trago sempre no coração, para visitar a família e amigos”, escreveu. A primeira visita ao país seria alguns dias depois, na ocasião de uma regata na qual pilotou o iate Bribón. Desde então, o rei emérito viaja a Espanha com frequência, mas não fica em residências da realeza — é habitualmente recebido em casa do velejador espanhol Pedro Campos, em Sanxenxo, na Galiza.

Este amigo e outras pessoas próximas do rei, como o dono do restaurante Flanagan, em Maiorca, Miguel Arias; o advogado Jerónimo Páez e o dentista Eduardo Anitua; organizaram juntos em 2024 uma festa de aniversário em Abu Dhabi para comemorar os 86 anos de Juan Carlos. A festa, que foi acompanhada de perto por uma equipa de reportagem da revista espanhola Hola!, teve a presença de membros da família real, como as filhas Cristina e Elena, e os netos Irene, Pablo, Victoria e Felipe. Já em janeiro de 2025 a comemoração repetiu-se, com as mesmas presenças familiares e desta vez com uma videochamada dos Reis Felipe e Letizia e das netas Leonor e Sofia, directamente do Palácio de Zarzuela, Outra surpresa da festa dos 87 foi um espectáculo de drones, que criaram no céu de Abu Dhabi a figura do monarca, o escudo e a bandeira de Espanha e mensagens de felicitações, além dos fogos de artifício.

O rei sem túmulo e a visita secreta ao Escorial

Em setembro de 2024 o rei emérito visitou em segredo, junto da sua equipa de segurança, a cidade de San Lorenzo de El Escorial, onde fica a cripta real e estão enterrados os reis e as suas mães desde há quatro séculos. Contudo, o túmulo já está cheio, devido à decisão do próprio Juan Carlos de, nos anos 1990, enterrar no local os pais, os condes de Barcelona. “Se ele morre fora, têm que o trazer para o Escorial, onde não tem túmulo. Portanto, toda a família real, não tem sítio“, diz Bouza Serrano, que explica que “se [Juan Carlos] morrer vai para o “pudridero” 20 anos até que o corpo fique consumido para entrar nos maravilhosos sarcófagos de bronze, mas nem esses tem, porque eram só 26.”

"Pergunto-me, será que quando sopram ventos de mudança e de República o património nacional pode arranjar dinheiro para fazer uma nova cripta de reis do Escorial?" José Bouza Serrano, autor da biografia "O Rei sem Abrigo"

De acordo com a directora de comunicação do Grupo Escuela Internacional de Protocolo, Marina Fernández, em declarações ao El Español, “mesmo que Juan Carlos não seja reinante, ele mesmo criou um precedente ao aprovar que o seu pai, D. Juan de Borbón, fosse enterrado na cripta sem ter sido formalmente rei de Espanha”. Contudo, com o túmulo cheio, “há que se buscar outro sítio e não há nada definido. Fala-se a possibilidade de ampliar o panteão, fazer uma espécie de cripta adjacente para que caibam Juan Carlos, Sofía, e até Felipe e Letizia”, sugere a especialista. Também José Bouza Serrano questiona: “Pergunto-me, será que quando sopram ventos de mudança e de República o património nacional pode arranjar dinheiro para fazer uma nova cripta de reis do Escorial?”

Certo é que, caso não considere voltar a viver em Espanha, Portugal é um lugar ao qual o rei emérito chama casa desde a infância, além de muito mais próximo da família e dos amigos. Resta saber se, com o avançar da idade, estará mesmo a considerar regressar de vez.

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COMENTÁRIOS (de 8)

GateKeeper: E porque não?!

Cisca Impllit > GateKeeper: Também julgo que era bom para ele, para a família e para nós uma alegria que connosco se sinta bem

 

domingo, 29 de junho de 2025

Uma companhia limitada

 

Mas é um relato, afinal, objectivo nas informações, com dados históricos que apraz ler.

Os Anjos e Companhia Limitada

O dia de Portugal é uma festa civil e religiosa: é muito provável que sejamos o único país no mundo que festeja o seu Anjo da guarda.

P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA Colunista

OBSERVADOR, 28 jun. 2025, 00:1711

Os Anjos são notícia. Infelizmente, não os verdadeiros, mas uma dupla artística que usa essa denominação. No entanto, mais do que esse processo mediático, que talvez interesse outras audiências, nunca é demais referir a existência desses seres espirituais que, por sinal, estão particularmente ligados não apenas à tradição cristã, que molda a nossa identidade cultural, mas também à nossa nacionalidade.

Muitos países escolheram uma efeméride de carácter bélico para assinalar o seu dia nacional. É o caso de França, que celebra anualmente, a 14 de Julho, a tomada da Bastilha. A destruição desse presídio simboliza a Revolução Francesa, que é responsável por milhares, senão mesmo milhões, de vítimas, como se evocou na muito infeliz cerimónia de inauguração dos recentes Jogos Olímpicos de Paris.

Graças a Deus, o dia de Portugal não está associado a nenhum acontecimento violento ou fracturante, mas à egrégia memória de um dos principais vultos da nossa cultura: Luís Vaz de Camões. Tendo em conta o revisionismo histórico de alguns, talvez hoje o autor de Os Lusíadas não fosse escolhido para patrocinar o dia de Portugal, face às conotações imperialistas e colonialistas desta sua obra. No entanto, mantém-se como o principal símbolo nacional e, por isso, festeja-se o dia de Portugal na data em que se supõe que ocorreu o falecimento do poeta, cujos restos mortais, segundo se julga, se conservam no Mosteiro dos Jerónimos, que é também – a par do Mosteiro da Santa Cruz, de Coimbra, do Mosteiro da Batalha e da Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa – um dos mais importantes panteões reais de Portugal.

Se é louvável que o dia de Portugal tenha, sobretudo, uma conotação cultural e universalista, sem deixar de ser nacionalista q.b., não é menos singular que esse dia, que é sobretudo uma festa civil, mas não laica, tenha também uma correspondência religiosa. Com efeito, segundo o calendário litúrgico em vigor no nosso país, o 10 de Junho é também o dia do Anjo da guarda de Portugal. O nosso país é um caso absolutamente singular, pois o seu dia nacional tem uma componente religiosa própria. É muito provável que sejamos a única nação que, no mundo inteiro, festeja o seu Anjo custódio.

A existência de espíritos puros é uma verdade revelada que não pode ser racionalmente provada, ao contrário da existência de Deus, que pode e deve ser conhecida pela razão. A realidade dessas criaturas espirituais está amplamente documentada na Bíblia, que refere as suas duas modalidades: anjos e demónios. Ambos partilham a mesma natureza espiritual, mas enquanto os primeiros participam da visão beatífica e estão ao serviço de Deus, a quem gostosamente adoram e servem, os segundos revoltaram-se contra o seu Criador, tendo sido desde então precipitados no inferno. Nesta sua desgraçada condição, os espíritos malignos têm possibilidade de tentar os homens e, até, de lutar contra a Igreja, embora esta seja indefectível no seu todo, porque foi prometido a Pedro, o primeiro Papa, que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela (Mt 16, 18).

Se é pacífica, para os crentes, a existência dos anjos e dos demónios, também é certa, para os católicos, a realidade dos anjos ditos da guarda, que têm como missão proteger cada ser humano desde a sua concepção e até, pelo menos, à sua morte. Com efeito, referindo-se aos mais pequenos, Jesus disse que os seus anjos contemplam constantemente a Deus (Mt 18, 10), o que leva a crer que cada alma humana, uma vez criada e unida ao corpo gerado pelos seus progenitores, goza desta protecção durante todo o tempo da sua vida terrena e talvez também no purgatório se, para poder ser admitida no Céu, carecer dessa ulterior expiação.

Menos comum é, contudo, a crença nos anjos da guarda nacionais, embora o Apocalipse, o último livro do Novo Testamento, sugira que estes seres espirituais, da mesma forma como protegem indivíduos, também assumem a defesa de colectividades, nomeadamente das igrejas (Ap 2, 1 – 3, 21), entendidas não apenas como construções materiais, mas, sobretudo, como comunidades de crentes. Da mesma forma como um anjo pode guardar uma igreja, pode também ser o celestial guardião de uma comunidade nacional e, daí, a devoção ao chamado Anjo da Guarda de Portugal, antes denominado Anjo Custódio do Reino, com várias representações na iconografia religiosa nacional, nomeadamente no Museu Machado de Castro, a imagem atribuída a Diogo Pires, o Moço, e no Mosteiro da Santa Cruz, ambas em Coimbra; a da charola do Convento de Cristo, em Tomar; e a da Igreja da Misericórdia, em Évora.

Pouco se sabe sobre a origem desta devoção nacional, mas consta que o dominicano espanhol São Vicente Ferrer (1350-1419), que pregou em Portugal, ensinava que os anjos não só têm a missão de proteger os indivíduos, mas também as comunidades, como os castelos e povoações. Em 1411, na cidade espanhola de Valência já se celebrava a festa do Anjo da guarda da cidade. Atribui-se ao Frei António da Castanheira, que foi Prior de Odivelas, a primeira referência ao “Anjo Custódio de Portugal”, ou do Reino. D. Manuel I era devoto dos anjos da guarda, pelo que no seu Livro de Horas consta uma iluminura do Anjo Custódio do Reino e, conjuntamente com os prelados portugueses, pediu e obteve do Papa Júlio II, em 1504, a institucionalização da festa litúrgica do Anjo de Portugal, que o monarca lusitano fez que se celebrasse em todo o país com a maior solenidade. Por determinação do Papa Leão X, esta festa ocorria no terceiro domingo do mês de Julho. Contudo, em princípios do século passado, a memória litúrgica do Anjo de Portugal só se mantinha na sede bracarense, a arquidiocese primaz.

Um ano antes das aparições marianas de Fátima, os videntes receberam, por três vezes, a visita de um anjo. Não constam as datas exactas destas visões, talvez porque as mesmas não se destinavam a ser comemoradas, mas apenas a preparar os pastorinhos para os encontros com Nossa Senhora. Sabe-se, no entanto, que as três aparições angélicas tiveram lugar na primavera, verão e outono de 1916, respectivamente. Estava então em curso a primeira Guerra Mundial, em que participaram soldados portugueses e, por isso, na segunda aparição, o mensageiro celestial pediu às crianças que oferecessem “orações e sacrifícios”: “Atraí assim sobre a vossa pátria a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal.”Nada consta quanto à identidade do Anjo aparecido antes, nem do que, mais tarde, lhes dará a comunhão, pelo que não é possível saber se se tratava do mesmo Anjo, nem que este fosse o Anjo de Portugal.

A projecção mundial das aparições de Fátima beneficiou a devoção ao Anjo de Portugal, cuja festa litúrgica, por decreto de 1952, do Papa Pio XII, ocorre todos os anos a 10 de Junho. Que o Santo Anjo da guarda de Portugal nos proteja do inimigo infernal e nos defenda de todo o mal!

IGREJA CATÓLICA      RELIGIÃO

COMENTÁRIOS (de 11)

Lily Lx: Que assim seja! Belíssimo artigo.                       ummilhãoequinhentosmilfascistas nãofascistas: Artigo hilariante, mas pronto ficamos a saber que é sempre possível uns tais anjos apanharem uma boleia do Camões. PQP.                       José Bento: Esqueceu apenas o mosteiro de Alcobaça como panteão real... um dos mais belos, no meu entender.                    Manuel Lisboa: Crónica bonita. E concordo em absoluto que o Dia de Portugal celebre como figura principal o indelével Luís Vaz de Camões, símbolo da Língua e Cultura Portuguesas.              S N: Muito interessante e instrutivo sobre temas (acho eu) pouco conhecidos                   Coronavirus corona: "A existência de espíritos puros é uma verdade revelada que não pode ser racionalmente provada, ao contrário da existência de Deus, que pode e deve ser conhecida pela razão" Uma frase inteligente e que, por essa razão, vai criar urticária intelectual nalguns leitores.          António Dias: Quem eu sou até a mim me repugna. Não fosse ter sido tocado, sabe-se lá porquê, palavra com sentido alguma vez sairia da minha boca. A preguiça era o meu leme, o branco a minha cor e o silêncio a minha música. Talvez por necessidade, o abandono a que a seara estava dada, me foi dado um anjo que um dia ainda conhecerei. Que coisa mais amorfa, terá dito na distribuição, apetências nenhumas, inteligente é melhor não falar, só ele sabe a sinceridade de querer compreender e a ausência total de entendimento que me revestia. Não há mundo sem anjos, e eles vêm aos pares, sem polaridade não há corrente, pastaríamos todos. Pois o vida é feita de derrotas e vitórias, as vitórias são derrotas e as derrotas são vitórias. E no meio de tudo isto que valho eu realmente? Não fosse trabalho árduo (que eu não pago, mas me é generosamente cedido), bem eu pastava. Para melhor, pois a força não tem reverso, correria como louco atrás de coisas que têm como natureza não alcançar coisa nenhuma. Naturalmente alienados assim somos, agarrando um mote, sugerindo um mote, ninguém pode fugir dele, assim agarrados os vemos defendendo motes com todas as suas forças, porque deles não têm a mínima possibilidade de fugir. Não é maldade, é alienação. Se não se tem uns trocos amealhados, qualquer coisinha onde o anjo possa negociar mais alto, continuaremos eternos escravos.