domingo, 7 de maio de 2023

Assim seja!


Mas não é forçoso que seja a voz da Igreja a impor as normas, embora a fonte bíblica seja causadora sempre, do nosso espanto. Também os clássicos – não falo nos Petrónios – mas em todos aqueles que ensinaram a ponderar, com as suas máximas e os seus ideais, ou os que criaram figuras que seguiram os valores respeitáveis – e mesmo os que os não seguiram – salientando os contrastes e as consequências – estas últimas nem sempre seguindo parâmetros de justiça, mas servindo na mesma de lição. Não, não é forçoso que seja só a voz da igreja a impor as regras. Mas quem as seguir, afinal, não fica mal servido.

O Papa Francisco e a ideologia de género

É real o perigo da imposição, na Europa, de uma nova ideologia totalitária, como a ideologia de género, sem fundamento científico, nem legitimidade democrática.

P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA Colunista

OBSERVADOR0 6 mai. 2023, 00:1713

Depois de um Papa globetrotter, como foi São João Paulo II, e de um antecessor mais caseiro, como Bento XVI – que, contudo, não deixou de nos visitar, para recordar a perenidade da mensagem de Fátima – o actual pontífice tem sido bastante comedido no que diz respeito a viagens papais, sobretudo na velha Europa. Com efeito, o Papa privilegia as terras de missão, para além das fronteiras tradicionais da Cristandade. Não obstante esta sua preferência, Francisco esteve na Hungria no final de Abril e já confirmou a sua segunda vinda a Portugal, para as Jornadas Mundiais da Juventude.

A Hungria era, de certo modo, um destino improvável para uma viagem pontifícia, tendo em conta não apenas a sua história imperial, mas também o seu actual governo, conotado com a extrema-direita. Tanto a Hungria como a Polónia têm sido alvo de perseguição pela União Europeia, pela sua resistência às directivas contra os princípios e valores cristãos. Por outro lado, o governo magiar tem mantido uma atitude crítica em relação à política comunitária em relação aos refugiados oriundos de África e do Médio Oriente.

Budapeste, a capital da Hungria, foi o palco em que o Papa Francisco relançou o propósito de uma Europa unida e solidária. Como é sabido, a União Europeia nasceu como um projecto cristão de solidariedade continental, para que a união das nações europeias ultrapassasse as rivalidades entre as potências continentais que, no século passado, provocaram duas guerras mundiais. Se este era, na sua origem, o projecto europeu, depois foi descaracterizado, por pressão de uma agenda libertária, que impediu a óbvia menção do Cristianismo, no prólogo da sua malograda Constituição.

Foi neste contexto de crise do ideal europeu que, no passado 28 de Abril, o Papa Francisco, no ex-mosteiro carmelita de Budapeste, se referiu à União Europeia: “Nesta conjuntura histórica, a Europa é fundamental. Graças à sua história, representa a memória da humanidade e, por isso, está chamada a desempenhar o papel que lhe corresponde: unir os distantes, acolher no seu seio os povos e não deixar ninguém para sempre inimigo. Por conseguinte é essencial reencontrar a alma europeia: o entusiasmo e o sonho dos pais fundadores, estadistas que souberam olhar para além do seu tempo, das fronteiras nacionais e das necessidades imediatas, gerando diplomacias capazes de restabelecer a unidade, não de ampliar as rupturas”.

A este propósito, foi particularmente inspiradora a alusão de Francisco aos pais fundadores da União Europeia: “Penso nas palavras ditas por Alcides de Gasperi, numa mesa redonda onde se encontravam também Schuman e Adenauer: ‘É para bem dela mesma, e não para a opor a outros, que defendemos a Europa unida (…); trabalhamos pela unidade, não pela divisão’ (Intervenção na Mesa Redonda da Europa, Roma, 13/10/1953). E penso ainda em quanto disse Schuman: ‘O contributo que uma Europa organizada e viva pode oferecer à civilização é indispensável para a manutenção de relações pacíficas’, pois – continua ele, com palavras memoráveis – ‘a paz mundial só poderá ser salvaguardada com esforços criativos, proporcionais aos perigos que a ameaçam’ (Declaração de Schuman, 09/5/1950).”

Ultrapassados definitivamente – espera-se! – os perigos totalitários fascista-nazi e comunista, Francisco propõe uma Europa unida, mas na diversidade das várias culturas e mentalidades dos seus povos, contra qualquer tentação uniformista.

Como disse o Papa, “a Europa dos 27, construída para criar pontes entre as nações, precisa da contribuição de todos sem diminuir a singularidade de ninguém. A este propósito, preconizava um pai fundador: ‘A Europa existirá e nada se perderá daquilo que fez a glória e a felicidade de cada nação. É precisamente numa sociedade mais ampla, numa harmonia mais forte, que o indivíduo se pode afirmar’ (Intervenção cit.). Há necessidade desta harmonia: dum conjunto que não amachuque as partes, e de partes que se sintam bem integradas no conjunto, mas conservando a identidade própria. Significativo a este respeito é o que se afirma na Constituição húngara: ‘A liberdade individual só se pode desenvolver na colaboração com os outros’; e ainda: ‘consideramos que a nossa cultura nacional seja um rico contributo para a multicolorida unidade europeia’.”

A Europa corre o perigo de um novo totalitarismo, fundado na ideologia de género, que carece de fundamento científico, bem como de legitimidade democrática. Neste sentido, não podiam ter sido mais certeiras e pertinentes as palavras do Santo Padre: “Penso, pois, numa Europa que não seja refém das partes, tornando-se presa de populismos autorreferenciais, mas também que não se transforme numa realidade fluida, gasosa, numa espécie de supranacionalismo abstracto, alheio à vida dos povos. Tal é o caminho nefasto das ‘colonizações ideológicas’, que eliminam as diferenças, como no caso da chamada cultura do género, ou então antepõem à realidade da vida conceitos redutores de liberdade quando, por exemplo, se alardeia como conquista um insensato ‘direito ao aborto’, que é sempre uma trágica derrota.

Contra este neocolonialismo ideológico, Francisco propõe uma Europa livre e humanista: “como é belo construir uma Europa centrada na pessoa e nos povos, onde haja políticas eficientes para a natalidade e a família cuidadosamente implementadas como neste país (na Europa, há nações cuja idade média é de 46-48 anos!), onde nações diversas sejam uma família em que se preserva o crescimento e a singularidade de cada um. A ponte mais famosa de Budapeste – a das correntes – ajuda-nos a imaginar uma Europa parecida, formada por muitos e grandes anéis diferentes, cuja solidez depende da firmeza dos vínculos estabelecidos entre si. Para isso muito contribui a fé cristã, podendo a Hungria servir de ‘construtora de pontes’ graças ao seu específico caráter ecuménico: aqui convivem, sem antagonismos, diferentes Confissões (…), colaborando respeitosamente, com espírito construtivo.”

A primitiva evangelização da Europa foi obra dos santos e assim deve ser a sua reevangelização. A lei fundamental da Hungria é expressiva do compromisso cristão para com os mais necessitados, porque a Constituição expressamente afirma: “Declaramos como obrigação a assistência aos necessitados e aos pobres”. Contudo, um tal propósito só é realizável se houver uma “continuação da história de santidade húngara”, fundada por Santo Estêvão, seu “primeiro Rei, que estabeleceu os alicerces da convivência comum”, a quem deu continuidade “uma Princesa que eleva o edifício para uma pureza ainda maior. É Santa Isabel, cujo testemunho se estendeu a todas as latitudes. Esta filha da vossa terra morreu aos 24 anos, depois de ter renunciado aos seus bens distribuindo tudo pelos pobres. Dedicou-se até ao fim ao cuidado dos doentes no hospital que fizera construir: trata-se duma joia resplandecente de Evangelho.”

Grata é para nós, portugueses, esta referência a Santa Isabel da Hungria, tia-avó da nossa homónima Rainha Santa, também modelo das virtudes cristãs e daquela solidariedade social que é timbre da verdadeira piedade: “Quem se professa cristão, impelido pelo exemplo das testemunhas da fé, é chamado principalmente a dar testemunho e a caminhar com todos, cultivando um humanismo inspirado pelo Evangelho e que se orienta sobre duas linhas fundamentais: reconhecer-se filho amado do Pai e amar a cada um como irmão.

PAPA FRANCISCO   IGREJA CATÓLICA   RELIGIÃO   SOCIEDADE    EUROPAMUNDO   HUNGRIAIDENTIDADE DE GÉNERO

COMENTÁRIOS:

João Floriano: O discurso do Papa Francisco na Hungria é notável sobre o papel que cabe à Europa, mais de 70 anos após a Declaração de Schumann um dos fundadores e construtores do maior projecto europeu de sempre. Em 1950 era uma Europa diferente ainda débil pela Guerra Mundial II, mas revigorada na esperança, na recuperação da liberdade. A Europa tinha sonhos, tinha projectos que podia concretizar. Hoje a Europa é muito diferente. Enfrenta perigos de Leste tanto de ordem económica como de ordem militar, as suas fronteiras estão apinhadas de gente que quer entrar sem muitas vezes haver recursos e condições que permitam recebê-los condignamente. Muitos dos que entraram, aqui vivem e aqui nasceram odeiam o projecto europeu e fazem o que podem para o destruir. Acrescentem-se os novos costumes, o facilitismo com que se interrompe a gravidez, a leveza de apreciação de coisas tão complexas como a eutanásia, a confusão sobre identidade e género com que se dão nós nas ideias de jovens e crianças frágeis, a generalização do uso de drogas, o wokismo e de um modo geral um grande número de atitudes sancionadas pela superioridade das liberdades individuais e  direitos «humanos» que de humanidade pouco têm, e aqui temos a nova Europa esmagada pelo peso dos desafios à sua sobrevivência e importância mundial. Francisco espera que os perigos do fascismo, do nazismo, do comunismo sejam definitivamente ultrapassados. Não é isso que estamos a ver. Putin evocou os fascistas e nazis ucranianos para invadir  um país soberano.  Normalizou-se e banalizou-se a utilização de acusações de fascismo e nazismo a quem discorda politicamente. Onde o papa vê um símbolo de união e cooperação ( a ponte das Correntes em Budapeste), os mais pessimistas poderão ver o símbolo de uma nova velha Europa presa e acorrentada.            M C:  Só uma nota, a agora chamada UE não tem apenas raízes nos democratas cristãos europeus do pós guerra. Também foram importantes os socialistas e várias sensibilidades liberais. Sem esses contributos a UE não teria sido possível. Os democratas cristão eram a condição necessária mas não suficiente... Agora, a Igreja que sempre acarinhou o projecto europeu passou a vê-lo de forma mais crítica depois da questão Buttiglione e das raízes cristã da Europa. A ideologia de género marca ainda mais este afastamento. Será que a UE é viável sem o apadrinhamento da Igreja? No curto prazo as ameaças russas deram novo alento ao projecto mas será suficiente no longo prazo?              bento guerra: Fez-me lembrar uma história que se contava, quando foram dizer ao Mao Tse Tung que o Papa estava furioso com ele, ao que ele perguntou" de quantas divisões dispõe esse Papa?"

Pedra Nussapato: Eis uma falácia frequente que pretende desvirtuar a chamada "cultura" ou "ideologia" de género: a de que o seu objectivo é eliminar as diferenças, quando na verdade na sua essência defende que deve haver liberdade de expressão e integração de quem se sente diferente. Para lá desta ideia essencial, há muita adulteração ou aproveitamento por parte de quem é contra ou a favor desta "ideologia".            Coronavirus corona > Pedra Nussapato: quando na verdade na sua essência defende de que deve haver liberdade de expressão e integração "Estudante é expulso de escola nos EUA por usar uma t-shirt com a frase: “Só há dois géneros (Observador, 5 de maio de 2023). Nada como expulsar quem tenha ideias diferentes para defender a liberdade de expressão.                Vitor Batista > Pedra Nussapato: Nada como decapitar quem não pensa como nós! O totalitarismo é a essência da "ideologia "do género: pensa como eu e não te atrevas do contrário. 

Pedra Nussapato > Coronavirus corona:  Extracto, daí o meu comentário (leia com atenção) Coronavirus corona > Pedra Nussapato: Pois, o problema é que fica tudo "Para lá desta ideia essencial".E o essencial passa a ser aquilo que acha acessório: adulteração, aproveitamento, manipulação ideológica e um propósito tenebroso.              Joaquim Almeida > Pedra Nussapato: Tem de informar-se melhor e verá as contradições da coisa. Digo: da charlatanice.              Alberto Pereira: Bem haja Padre Gonçalo por este excelente artigo!                   Daniel Salgado Santos: Muito bem. Excelente artigo de opinião... com sempre

Ana Silva: Excelente artigo. Obrigada.                   Coronavirus corona: Faço uma sugestão aos leitores. Antes de lerem este artigo, leiam os artigos de Jaime Nogueira Pinto o de João Pedro Marques. Isto para que percebamos os perigos - reais e concretos - que pairam sob as nossas cabeças. Há escapatória? Há solução? Há. Leiam este artigo. Aos pais recentes, com filhos de tenra idade: batizai-os, levai-os à catequese, ide à missa ao domingo (aos outros cristãos não católicos, aos vossos locais de culto), acompanhai a educação que lhes dão nas escolas. Não passem procuração a outros para que os eduquem no vosso lugar.  Deixo um trecho da homilia do bispo C. von Galen na igreja de  São Lamberto (Alemanha) no verão de 1941:

"Somos a bigorna, não o martelo. Mas pergunte ao ferreiro e ouvirá o que ele diz: o objecto forjado na bigorna recebe a sua forma não só do martelo, mas também da bigorna. A bigorna não pode e não precisa de atacar: ela só deve ser firme, sólida! Se for suficientemente forte, firme e sólida, a bigorna geralmente dura mais que o martelo. Por duros que sejam os golpes do martelo, a bigorna permanece firme e silenciosamente no lugar e continuará por muito tempo a moldar os objectos forjados em cima dela.O que está a ser forjado nestes dias entre o martelo e a bigorna são os nossos jovens — a nova geração, ainda informe, ainda capaz de ser moldada, ainda maleável. Não podemos protegê-los das marteladas da incredulidade, da hostilidade ao cristianismo, das falsas doutrinas e da falsa ética. O que é instilado neles nas reuniões dessas organizações de juventude, de que nos dizem que eles aderiram voluntariamente e com o consentimento dos pais? O que ouvem nas escolas que os filhos são obrigados a frequentar sem levar em conta os desejos de seus pais? O que leem nos novos livros escolares? Pais cristãos, peçam aos vossos filhos para vos mostrar os seus livros, principalmente os de história usados nas escolas secundárias. Somos a bigorna, não o martelo! Infelizmente vocês não podem proteger os vossos filhos, o metal nobre, mas ainda destemperado e cru, das marteladas da hostilidade contra a fé e contra a Igreja. Mas a bigorna também desempenha um papel na moldagem. Deixe a sua casa de família, a sua devoção e amor paternal, a sua vida cristã exemplar serem a forte, firme, sólida e inquebrantável bigorna que absorve a força dos golpes hostis, que continuamente reforça e fortifica a capacidade ainda fraca dos jovens na sagrada resolução de não se permitirem ser desviados do rumo que leva a Deus. Obedeçam sempre, sem qualquer dúvida, à voz da consciência. Sejam fortes, permaneçam firmes, imperturbáveis! Como a bigorna sob os golpes do martelo! Pode ser que a obediência ao nosso Deus e a fidelidade à nossa consciência custem a mim ou a qualquer de vocês a vida, a liberdade ou a moradia. Mas ‘antes morrer do que pecar!’."                   Serranos Rebelos: Grande, grande, grande!

 

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