Mas não é forçoso que seja a voz da
Igreja a impor as normas, embora a fonte bíblica seja causadora sempre, do
nosso espanto. Também os clássicos – não falo nos Petrónios – mas em todos
aqueles que ensinaram a ponderar, com as suas máximas e os seus ideais, ou os
que criaram figuras que seguiram os valores respeitáveis – e mesmo os que os
não seguiram – salientando os contrastes e as consequências – estas últimas nem
sempre seguindo parâmetros de justiça, mas servindo na mesma de lição. Não, não
é forçoso que seja só a voz da igreja a impor as regras. Mas quem as seguir,
afinal, não fica mal servido.
O Papa Francisco e a ideologia de género
É real o perigo da imposição, na
Europa, de uma nova ideologia totalitária, como a ideologia de género, sem
fundamento científico, nem legitimidade democrática.
P. GONÇALO
PORTOCARRERO DE ALMADA Colunista
OBSERVADOR0 6 mai.
2023, 00:1713
Depois
de um Papa globetrotter, como foi São João Paulo II, e de um antecessor mais
caseiro, como Bento XVI – que, contudo, não deixou de nos visitar, para
recordar a perenidade da mensagem de Fátima – o actual pontífice tem sido
bastante comedido no que diz respeito a viagens papais, sobretudo na velha
Europa. Com efeito, o Papa privilegia as terras de missão,
para além das fronteiras tradicionais da Cristandade. Não obstante esta sua
preferência, Francisco esteve na Hungria no final de Abril e já confirmou a sua
segunda vinda a Portugal, para as Jornadas Mundiais da Juventude.
A
Hungria era, de certo modo, um destino improvável para uma viagem pontifícia,
tendo em conta não apenas a sua história imperial, mas também o seu actual
governo, conotado com a extrema-direita. Tanto
a Hungria como a Polónia têm sido alvo de perseguição pela União Europeia, pela
sua resistência às directivas contra os princípios e valores cristãos. Por
outro lado, o governo magiar tem mantido uma atitude crítica em relação à
política comunitária em relação aos refugiados oriundos de África e do Médio
Oriente.
Budapeste, a capital da Hungria, foi o palco em que o Papa
Francisco relançou o propósito de uma Europa unida e solidária. Como é sabido, a União Europeia nasceu como um
projecto cristão de solidariedade continental, para que a união das nações
europeias ultrapassasse as rivalidades entre as potências continentais que, no
século passado, provocaram duas guerras mundiais. Se este era, na sua
origem, o projecto europeu, depois foi descaracterizado, por pressão de uma
agenda libertária, que impediu a óbvia menção do Cristianismo, no prólogo da
sua malograda Constituição.
Foi
neste contexto de crise do ideal europeu que, no passado 28 de Abril, o Papa
Francisco, no ex-mosteiro carmelita de Budapeste, se referiu à União Europeia: “Nesta conjuntura histórica, a Europa é
fundamental. Graças à sua história, representa a memória da
humanidade e, por isso, está chamada a desempenhar o papel que lhe corresponde:
unir os distantes, acolher no seu seio os povos e não deixar ninguém para sempre
inimigo. Por conseguinte é essencial reencontrar
a alma europeia: o entusiasmo e o sonho dos pais fundadores, estadistas que
souberam olhar para além do seu tempo, das fronteiras nacionais e das
necessidades imediatas, gerando diplomacias capazes de restabelecer a unidade,
não de ampliar as rupturas”.
A
este propósito, foi particularmente inspiradora a alusão de Francisco aos pais
fundadores da União Europeia:
“Penso nas palavras ditas por Alcides de Gasperi, numa mesa redonda onde se
encontravam também Schuman e Adenauer: ‘É para bem dela mesma, e não para a
opor a outros, que defendemos a Europa unida (…); trabalhamos pela unidade, não
pela divisão’ (Intervenção na Mesa Redonda da Europa, Roma, 13/10/1953). E
penso ainda em quanto disse Schuman: ‘O contributo que uma Europa organizada
e viva pode oferecer à civilização é indispensável para a manutenção de
relações pacíficas’, pois – continua ele, com palavras memoráveis – ‘a
paz mundial só poderá ser salvaguardada com esforços criativos, proporcionais
aos perigos que a ameaçam’ (Declaração de Schuman, 09/5/1950).”
Ultrapassados
definitivamente – espera-se! – os perigos totalitários fascista-nazi e
comunista, Francisco propõe uma Europa unida, mas na diversidade das várias
culturas e mentalidades dos seus povos, contra qualquer tentação uniformista.
Como
disse o Papa, “a Europa dos 27, construída para criar pontes entre as
nações, precisa da contribuição de todos sem diminuir a singularidade de
ninguém. A este propósito, preconizava um pai fundador: ‘A Europa existirá e
nada se perderá daquilo que fez a glória e a felicidade de cada nação. É
precisamente numa sociedade mais ampla, numa harmonia mais forte, que o
indivíduo se pode afirmar’ (Intervenção cit.). Há necessidade desta
harmonia: dum conjunto que não amachuque as partes, e de partes que se sintam
bem integradas no conjunto, mas conservando a identidade própria. Significativo
a este respeito é o que se afirma na Constituição húngara: ‘A
liberdade individual só se pode desenvolver na colaboração com os outros’; e
ainda: ‘consideramos que a nossa cultura nacional seja um rico contributo para
a multicolorida unidade europeia’.”
A
Europa corre o perigo de um novo totalitarismo, fundado na ideologia de género,
que carece de fundamento científico, bem como de legitimidade democrática.
Neste sentido, não podiam ter sido mais certeiras e pertinentes as palavras do
Santo Padre: “Penso, pois, numa Europa que não seja refém das partes,
tornando-se presa de populismos autorreferenciais, mas também que não se
transforme numa realidade fluida, gasosa, numa espécie de supranacionalismo
abstracto, alheio à vida dos povos. Tal é o caminho nefasto das
‘colonizações ideológicas’, que eliminam as diferenças, como no caso da chamada
cultura do género, ou então antepõem à realidade da vida conceitos redutores de
liberdade quando, por exemplo, se alardeia como conquista um insensato ‘direito
ao aborto’, que é sempre uma trágica derrota.”
Contra
este neocolonialismo ideológico, Francisco propõe uma Europa livre e humanista:
“como é belo construir uma Europa centrada na pessoa e nos povos, onde haja
políticas eficientes para a natalidade e a família cuidadosamente implementadas
como neste país (na Europa, há nações cuja idade média é de 46-48 anos!), onde
nações diversas sejam uma família em que se preserva o crescimento e a
singularidade de cada um. A ponte mais famosa de Budapeste – a das
correntes – ajuda-nos a imaginar uma Europa parecida, formada por muitos e
grandes anéis diferentes, cuja solidez depende da firmeza dos vínculos
estabelecidos entre si. Para isso muito contribui a fé cristã, podendo a
Hungria servir de ‘construtora de pontes’ graças ao seu específico caráter
ecuménico: aqui convivem, sem antagonismos, diferentes Confissões (…),
colaborando respeitosamente, com espírito construtivo.”
A
primitiva evangelização da Europa foi obra dos santos e assim deve ser a sua
reevangelização. A lei
fundamental da Hungria é expressiva do compromisso cristão para com os mais
necessitados, porque a Constituição expressamente afirma: “Declaramos como
obrigação a assistência aos necessitados e aos pobres”. Contudo, um tal
propósito só é realizável se houver uma “continuação da história de
santidade húngara”, fundada por Santo Estêvão, seu “primeiro Rei, que
estabeleceu os alicerces da convivência comum”, a quem deu continuidade “uma
Princesa que eleva o edifício para uma pureza ainda maior. É Santa
Isabel, cujo testemunho se estendeu a todas as latitudes. Esta filha da
vossa terra morreu aos 24 anos, depois de ter renunciado aos seus bens
distribuindo tudo pelos pobres. Dedicou-se até ao fim ao cuidado dos doentes no
hospital que fizera construir: trata-se duma joia resplandecente de Evangelho.”
Grata
é para nós, portugueses, esta referência a Santa Isabel da Hungria, tia-avó da
nossa homónima Rainha Santa, também modelo das virtudes cristãs e daquela
solidariedade social que é timbre da verdadeira piedade: “Quem se professa
cristão, impelido pelo exemplo das testemunhas da fé, é chamado principalmente
a dar testemunho e a caminhar com todos, cultivando um humanismo inspirado pelo
Evangelho e que se orienta sobre duas linhas fundamentais: reconhecer-se filho
amado do Pai e amar a cada um como irmão.”
PAPA
FRANCISCO IGREJA
CATÓLICA RELIGIÃO SOCIEDADE EUROPA…MUNDO HUNGRIA…IDENTIDADE DE
GÉNERO
COMENTÁRIOS:
João Floriano: O discurso do Papa Francisco na Hungria é notável sobre o papel que cabe
à Europa, mais de 70 anos após a Declaração de Schumann um dos fundadores e
construtores do maior projecto europeu de sempre. Em 1950 era uma Europa
diferente ainda débil pela Guerra Mundial II, mas revigorada na esperança,
na recuperação da liberdade. A Europa tinha sonhos, tinha projectos que
podia concretizar. Hoje a Europa é muito diferente. Enfrenta perigos de
Leste tanto de ordem económica como de ordem militar, as suas fronteiras estão
apinhadas de gente que quer entrar sem muitas vezes haver recursos e condições
que permitam recebê-los condignamente. Muitos dos que entraram, aqui vivem e
aqui nasceram odeiam o projecto europeu e fazem o que podem para o destruir.
Acrescentem-se os novos costumes, o facilitismo com que se interrompe a
gravidez, a leveza de apreciação de coisas tão complexas como a eutanásia, a
confusão sobre identidade e género com que se dão nós nas ideias de jovens e
crianças frágeis, a generalização do uso de drogas, o wokismo e de um modo
geral um grande número de atitudes sancionadas pela superioridade das
liberdades individuais e direitos «humanos» que de humanidade pouco têm,
e aqui temos a nova Europa esmagada pelo peso dos desafios à sua sobrevivência
e importância mundial. Francisco espera que os perigos do fascismo, do
nazismo, do comunismo sejam definitivamente ultrapassados. Não é isso que
estamos a ver. Putin evocou os fascistas e nazis ucranianos para invadir
um país soberano. Normalizou-se e banalizou-se a utilização de
acusações de fascismo e nazismo a quem discorda politicamente. Onde o papa vê
um símbolo de união e cooperação ( a ponte das Correntes em Budapeste), os mais
pessimistas poderão ver o símbolo de uma nova velha Europa presa e acorrentada.
M C: Só uma nota, a agora chamada UE não tem apenas raízes
nos democratas cristãos europeus do pós guerra. Também foram importantes os
socialistas e várias sensibilidades liberais. Sem esses contributos a UE não
teria sido possível. Os democratas cristão eram a condição necessária mas não
suficiente... Agora, a Igreja que sempre acarinhou o projecto europeu passou a vê-lo de
forma mais crítica depois da questão Buttiglione e das raízes cristã da Europa. A ideologia de género marca
ainda mais este afastamento. Será que a UE é viável sem o apadrinhamento
da Igreja? No curto prazo as ameaças russas deram novo alento ao projecto mas
será suficiente no longo prazo? bento guerra: Fez-me lembrar uma história que se contava, quando
foram dizer ao Mao Tse Tung que o Papa estava furioso com ele, ao que ele
perguntou" de quantas divisões dispõe esse Papa?"
Pedra Nussapato: Eis uma falácia frequente que pretende desvirtuar a
chamada "cultura" ou "ideologia" de género: a de que o seu
objectivo é eliminar as diferenças, quando na verdade na sua essência defende
que deve haver liberdade de expressão e integração de quem se sente diferente.
Para lá desta ideia essencial, há muita adulteração ou aproveitamento por parte
de quem é contra ou a favor desta "ideologia". Coronavirus corona > Pedra Nussapato: quando na verdade na sua
essência defende de que deve haver liberdade de expressão e integração "Estudante é expulso de escola nos EUA por usar
uma t-shirt com a frase: “Só há dois géneros” (Observador, 5 de maio de 2023). Nada como expulsar quem tenha
ideias diferentes para defender a liberdade de expressão. Vitor Batista > Pedra Nussapato: Nada como decapitar quem não
pensa como nós! O totalitarismo é a essência da "ideologia
"do género: pensa como eu e não te atrevas do contrário.
Pedra Nussapato > Coronavirus corona: Extracto, daí o meu comentário (leia com atenção) Coronavirus
corona > Pedra Nussapato: Pois, o problema é que fica
tudo "Para lá desta ideia essencial".E o essencial passa a ser aquilo
que acha acessório: adulteração, aproveitamento, manipulação ideológica e um
propósito tenebroso.
Joaquim Almeida > Pedra Nussapato: Tem de informar-se melhor e
verá as contradições da coisa. Digo: da charlatanice. Alberto Pereira:
Bem haja Padre
Gonçalo por este excelente artigo! Daniel Salgado
Santos: Muito bem. Excelente artigo de opinião... com sempre
Ana Silva: Excelente artigo. Obrigada. Coronavirus corona: Faço uma sugestão aos leitores.
Antes de lerem este artigo, leiam os artigos de Jaime Nogueira Pinto o de João
Pedro Marques. Isto para que percebamos os perigos - reais e concretos - que
pairam sob as nossas cabeças. Há escapatória? Há solução? Há. Leiam este
artigo. Aos pais recentes, com filhos de tenra idade:
batizai-os, levai-os à catequese, ide à missa ao domingo (aos outros cristãos
não católicos, aos vossos locais de culto), acompanhai a educação que lhes dão
nas escolas. Não passem procuração a outros para que os eduquem no vosso lugar. Deixo um trecho da homilia do bispo C. von Galen na
igreja de São Lamberto (Alemanha) no
verão de 1941:
"Somos a bigorna, não o martelo. Mas
pergunte ao ferreiro e ouvirá o que ele diz: o objecto forjado na bigorna
recebe a sua forma não só do martelo, mas também da bigorna. A bigorna não pode
e não precisa de atacar: ela só deve ser firme, sólida! Se for suficientemente
forte, firme e sólida, a bigorna geralmente dura mais que o martelo. Por duros
que sejam os golpes do martelo, a bigorna permanece firme e silenciosamente no
lugar e continuará por muito tempo a moldar os objectos forjados em cima dela.O
que está a ser forjado nestes dias entre o martelo e a bigorna são os nossos
jovens — a nova geração, ainda informe, ainda capaz de ser moldada, ainda
maleável. Não podemos protegê-los das marteladas da
incredulidade, da hostilidade ao cristianismo, das falsas doutrinas e da falsa
ética. O que é instilado neles nas reuniões dessas organizações de juventude,
de que nos dizem que eles aderiram voluntariamente e com o consentimento dos
pais? O que ouvem nas escolas que os filhos são obrigados a frequentar sem
levar em conta os desejos de seus pais? O que leem nos novos livros escolares?
Pais cristãos, peçam aos vossos filhos para vos mostrar os seus livros,
principalmente os de história usados nas escolas secundárias. Somos a bigorna,
não o martelo! Infelizmente vocês não podem proteger os vossos filhos, o metal
nobre, mas ainda destemperado e cru, das marteladas da hostilidade contra a fé
e contra a Igreja. Mas a bigorna também desempenha um papel na moldagem. Deixe
a sua casa de família, a sua devoção e amor paternal, a sua vida cristã
exemplar serem a forte, firme, sólida e inquebrantável bigorna que absorve a
força dos golpes hostis, que continuamente reforça e fortifica a capacidade
ainda fraca dos jovens na sagrada resolução de não se permitirem ser desviados
do rumo que leva a Deus. Obedeçam sempre, sem qualquer dúvida, à voz da
consciência. Sejam fortes, permaneçam firmes, imperturbáveis! Como a bigorna
sob os golpes do martelo! Pode ser que a obediência ao nosso Deus e a
fidelidade à nossa consciência custem a mim ou a qualquer de vocês a vida, a
liberdade ou a moradia. Mas ‘antes morrer do que pecar!’." Serranos Rebelos: Grande, grande, grande!
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