sábado, 13 de maio de 2023

Historiando


A questão das governações, de diferentes empenhamentos, de diferentes satisfações. Helena Garrido assim nos elucida, outros comentadores esclarecem, numa excelente análise do que por cá nos vai.

Um futuro de oportunidade perdida

O futuro económico e político do país é muito pouco risonho. Vamos perder uma oportunidade económica única e o regime está bloqueado sem que se veja saída.

HELENA GARRIDO

OBSERVADOR, 09 mai. 2023

Há políticos que têm uma visão de futuro para o país e capacidade para aplicar as políticas que conduzem as comunidades a aproveitar as oportunidades e a prosperarem. E há políticos que são mestres na conquista do poder, mas que depois só sabem habilmente manter esse poder, sem qualquer visão para o país que governam e, menos ainda, capacidade para adoptar medidas que antecipem e resolvam os problemas concretos da sociedade. Vivemos, desde 2015, com um primeiro-ministro que é exímio em jogos de poder, que lhe garantiram a sua conquista e agora a sua manutenção, mas que nos últimos mais de sete anos não teve uma política económica ou social consistente, que antecipasse e resolvesse problemas e fizesse de Portugal um país mais desenvolvido e competitivo.

Tudo o que de bom vamos colhendo hoje foi semeado no passado, por Aníbal Cavaco Silva, por José Sócrates, por Pedro Passos Coelho. O único investimento industrial estrutural do país remonta aos anos 90 do século XX, assim como a rede principal de autoestradas. As energias renováveis, que tanto orgulho hoje nos merecem, foram uma aposta de José Sócrates, na altura com controvérsias à mistura. As cidades mais recuperadas que hoje temos e a disciplina financeira que hoje percebemos importante é herdada de Pedro Passos Coelho. E este é um retrato muito simplificado. Fomos progredindo, com erros e até com um primeiro-ministro suspeito de corrupção, claro, mas com os líderes dos governos a pensarem o país.

Todo este trabalho foi interrompido em 2015 por uma governação desde logo marcada mais pela negativa – desfazer o que tinha sido feito – do que pela positiva – pelo fazer. E uma governação ao sabor das exigências de manutenção do poder, marcadas inevitavelmente pela distribuição de dinheiro e de benefícios pelos respectivos mercados eleitorais e apaniguados partidários. Claro que o país urbano, de funcionários públicos e pensionistas, andou feliz. Ninguém via nem queria ver como é que, de repente, se “multiplicavam os pães”, como é que, de repente, havia dinheiro para distribuir.

Com a cumplicidade do Bloco de Esquerda e do PCP, cortou-se no investimento de manutenção dos serviços públicos enquanto se distribuía dinheiro. E cada medida que se anunciava não era uma política, mas um meio para garantir o poder, comprando votos e transmitindo a ideia de que o passado tinha sido obra de uns demónios, protagonizados por Pedro Passos Coelho, que queriam muito mal aos portugueses, vá lá saber-se porquê. E a maioria acreditou nesta história de encantar. Paralelamente, o aparelho do Estado ia sendo tomado de assalto, destruindo ou tentando destruir todos os que iam alertando para o que se estava a passar, atrás do pano de todo este teatro. E, ao mesmo tempo que se jurava amor absoluto pela saúde pública, pela educação pública, pelos serviços públicos em geral, o Estado ia-se degradando.

Chegou a pandemia e expôs a fragilidade em que estava o Estado. Mas não se perdeu tempo e juntou-se a pandemia a Passos Coelho para desculpabilizar a incapacidade. Passaram-se cinco anos, até 2020, sem que nada se tenha feito que não fosse manter o rigor financeiro à custa da degradação dos serviços públicos. Um rigor que é menos por convicção e mais integrado na lógica geral de manutenção do poder, já que uma qualquer troika acabaria com esse poder.

Quem olhava perplexo para o que se estava a passar, sem que ninguém ouvisse o que se tinha para dizer e ainda menos protegesse quem o denunciava, levava invariavelmente com epítetos de liberal selvagem, passista, anti-socialista. A onda era demasiado forte e a pouco e pouco foi-se também instalando o medo de falar, de criticar, de denunciar, enfim, de debater, porque “quem se mete com o PS leva”. E num país em que o Estado já era bastante presente e mais presente ficou, poucos eram os que corriam riscos.

Chegou a maioria absoluta e, apesar da guerra, estavam criadas, pensava-se, condições para governar. Os recursos inéditos que chegavam de Bruxelas justificavam também essa esperança. Agora é que era, porque até ali o PS estava condicionado pela sua esquerda. Apanhados talvez pela especialidade do Governo em culpar tudo e todos pelos seus desaires, criou-se essa ilusão que depressa se esfumou.

António Costa nem nos enganou, quando insistiu em apresentar um Orçamento desenhado antes da guerra. Só isso era revelador que tanto fazia que Orçamento se apresentasse, o país era para ser gerido na mesma lógica de distribuição de benesses, agora com mais justificação pela pandemia e a guerra. Mesmo assim, pensou-se que com o PRR íamos assistir à modernização rápida do Estado. Nem isso. O Estado está demasiado desorganizado para aproveitar o dinheiro que tem. Para ser como está a ser, valia mais que tivessem desenhado um PRR virado para as empresas, aproveitando a oportunidade de reindustrialização dada pelo reajustamento da globalização

Tal como insistiu em manter o Orçamento, insistiu em manter basicamente o Governo, “requentado” como lhe chamou o Presidente da República. Um Governo sem visão nem alma, cansado. E fomos assistindo a quedas sucessivas de governantes, a incidentes crescentes, entrecortados com anúncios de mais esta benesse, apoio ou subsídio.

Chegámos agora ao caso Galamba, que nem podemos ter a esperança de ser o pináculo de toda esta sucessão de eventos improváveis e lamentáveis, uma vez que o Governo tem conseguido surpreender-nos sempre. Por muito impossível que pareça, pior ainda é possível.

Porque é que António Costa não quis demitir João Galamba, independentemente de concordar ou não com os argumentos do Presidente? Obviamente que o ministro das Infraestruturas está limitado e ferido na sua capacidade política, obviamente que a sua não demissão, contra a vontade explicita do Presidente, limita não apenas o ministro, mas todo o Governo, especialmente depois daquilo que Marcelo Rebelo de Sousa disse. Uma das hipóteses para a decisão de António Costa é querer fazer de João Galamba o escudo protector do Governo. Enquanto se ataca Galamba não se ataca mais ninguém e foi até o próprio primeiro-ministro que disse que vivemos uma sucessão de casos, em que o seguinte faz esquecer o anterior. O caso João Galamba, por exemplo, lançou para o esquecimento toda a controvérsia que envolvia Fernando Medina e a demissão da ex-presidente da TAP.

Mas o mais grave de tudo isto é a mensagem subjacente de desprezo pela governação e pelos efeitos que a sua decisão pode ter no regime. António Costa sabe que a partir de agora não há margem para erros e, por isso, não há espaço para correr riscos. Mas governar a pensar na mudança, na prosperidade, é correr riscos, é fazer apostas de desenvolvimento, é enfrentar interesses instalados. Se até agora António Costa nenhum risco corria com as suas políticas, agora riscos nenhuns vai correr. O que não parece preocupar o primeiro-ministro.

Como não parece preocupar o primeiro-ministro, nem este PS que está no poder, o contributo que está a dar para o crescimento dos populismos. Parece até satisfeito, já que enquanto o Chega estiver a crescer, o PS pode ter uma certa garantia de poder perpétuo. Até porque o PSD não está a conseguir desarmadilhar a ratoeira em que os socialistas o meteram. O que os socialistas querem é que os portugueses pensem que a escolha está entre o PS ou o Chega, enquanto tudo faz para que as intenções de voto em André Ventura cresçam.

Infelizmente temos de concluir que António Costa é um político para conquistar e manter o poder, usando todos os meios que tiver ao seu dispor e sem qualquer tipo de preocupação sobre os efeitos económicos, sociais e de regime dos seus actos. E assim vamos perder uma oportunidade única de desenvolvimento, oferecida pelo dinheiro europeu e pelo espaço para indústrias, aberto pelos reajustamentos geopolíticos. E assim vamos vendo a sociedade a radicalizar-se. Hoje, como nos últimos anos, temos um Governo que quer o poder pelo poder, sem saber como governar.

GOVERNO    POLÍTICA   ECONOMIA   PRR   JOÃO GALAMBA   PS   MARCELO REBELO DE SOUSA   PRESIDENTE DA REPÚBLICA   ANTÓNIO COSTA

COMENTÁRIOS (de 55):

Pedro de Freitas Leal: Magistral.              JP: Agradeço as críticas que faz neste artigo. Eu continuo convencido que Portugal só se vai endireitar quando formos mesmo ao fundo! E terá de acontecer com os socialistas no poder, para assim a maioria ignorante finalmente perceber que não foi o Diabo Passos Coelho nem liberais, nem imperialistas, nem ninguém que quis fazer mal a este pobrezinho e sofrido povo só porque sim. Assim que um governo sério tentar corrigir os problemas, os socialistas terão o seu bode expiatório e o zé povinho vai acreditar. E andamos neste impasse. A bomba terá de rebentar com os socialistas sentados no poder. Só assim até o mais burro conseguirá somar 1 + 1.                  Carlos Almeida:  Excelente artigo Helena que, cirurgicamente, exibe a radiografia actual deste pobre país mal governado. De mentira em mentira, avança o governo até ao próximo "casinho".              Carlos Pamplona: Artigo muito bom ⭐️               Alexandre Arriaga e Cunha: Muitos parabéns pela coragem. Artigo perspicaz e certeiro! Obrigado.                   Joaquim Rodrigues: Obrigado Helena Garrido pela caracterização "cristalina" da governação Costa. A "arbitrariedade" passou a ser a "imagem de marca" do Costa na definição das políticas públicas ´seja para o PRR, seja para as Bombas de Hidrogénio, seja para a TAP, seja para o Plano Ferroviário Nacional, seja para o Pacote da Habitação, seja para o que for. O Sócrates, ao menos, tinha a preocupação de estudar e fundamentar, mesmo que com fraude à mistura, as Políticas, Planos e Programas que apresentava. O Costa nem a esse trabalho se dá. É tudo apresentado com base em "convicções", "fezadas" e "achismos", sem qualquer racionalidade, estudo e fundamento. Em caso algum são recolhidos e analisados dados, se estudam a fundo os assuntos, se fazem previsões de evolução para o futuro, se avaliam soluções alternativas, se fundamentam e justificam racionalmente as propostas apresentadas de "Políticas", "Planos", "Programas" e "Medidas". É a "arbitrariedade" que nos governa. E cometem as maiores enormidades e arbitrariedades para levar os seus "achismos" (interesses dos mais mesquinhos) avante. Aconteceu assim no programa Habitação. Aconteceu assim, quando aldrabaram a divisão territorial do País em NUTs II, que tinha sido adoptada com base em estudos multidisciplinares e que é essencial para efeito de adequado estudo e execução dos PROTs (Planos Regionais de Ordenamento do Território). Sem qualquer estudo, justificação, racionalidade e fundamentação, têm o desplante de subverter a delimitação das NUTs II, apenas com o objectivo de aldrabarem a Comissão Europeia e os indígenas e poderem sacar Fundos Comunitários às Regiões mais pobres do País e os aplicarem no "arco ribeirinho na Margem Sul do Tejo", pertencente à Região de Lisboa e Vale do Tejo, que é a Região mais rica do País, mais rica que a média das Regiões Europeias, e que, por essa razão, já não tem direito a Fundos Comunitários. No caso da ferrovia, o Sr. Galamba prepara-se para lançar um concurso para a Linha Ferroviária Lisboa-Porto, a que ele chama TGV, para fazer uma aberração de Projecto em bitola ibérica, onde vão gastar muitos biliões, à custa dos contribuintes, que é contra os interesses dos cidadãos, da economia portuguesa, de Portugal e da União Europeia. A “Bitola Ibérica” tem apenas como objectivo manter uma “Barreira Proteccionista” à entrada de operadores ferroviários internacionais, no mercado nacional. A Comissão Europeia já declarou que não financiaria o projecto do Sr. Galamba, por contrariar o Plano da Rede Ferroviária Transeuropeia aprovado por todos os Países da União incluindo Portugal. O que o Galamba se prepara para fazer é um crime económico que vai condenar Portugal a ficar de fora da Rede Transeuropeia Ferroviária de Transportes e a condenar a eficiência do transporte ferroviário em Portugal para todo o sempre. (Na ligação ferroviária Madrid-Barcelona, operam, em concorrência, Companhias Espanholas, Francesas e Italianas e o custo da viagem fica a cerca de 2 cêntimos/Km, a uma velocidade de 250 Km/h. Na ligação ferroviária Lisboa-Porto a CP, por favor, com muitas greves à mistura, oferece-nos uma viagem com um custo de 9 cêntimos/Km, a uma velocidade de 113 Km/h.) É na "arbitrariedade" das políticas, definidas com base na subjectividade dos "achismos" pessoais, que o Costa e o Galamba se entendem na perfeição. A Comunicação Social tem a responsabilidade e a obrigação de informar e esclarecer os portugueses sobre este projecto que é de vital importância para o futuro do País. O País, todos nós, vamos pagar tudo isto muito caro.                João Ramos: Bom artigo mas não estou de acordo com o incluir José Sócrates no mesmo grupo de Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho, enquanto estes dois homens de Estado fizeram tudo para pôr o país no bom caminho, Sócrates fez exactamente o contrário e se alguma coisa fez fê-lo sempre no intuito de aumentar o seu pecúlio pessoal, seja através de empresas pouco sérias ou de amigos com a mesma característica. Costa de facto não tem nada para apresentar de positivo para o futuro do país, mas Marcelo também não, pois conviveu alegremente durante os últimos 7 anos com toda esta decadência!!!               João Eduardo Gata: A responsabilidade pelo Bloqueio é somente do PS de Sócrates/Costa, mas sobretudo de Costa, um político medíocre, que vive de tácticas soezes que só têm prejudicado o País, e que nunca, mas nunca, teve qualquer plano estratégico para Portugal. O que o move, se sempre moveu, é conquistar Poder, pelo Poder, e nunca para servir a comunidade e a sociedade como um todo. António Costa é e sempre será uma Fraude, um Embuste, um Logro.               Pedro Calvão: Ler a Helena Garrido nesta crónica foi como ouvir um pianista virtuoso, tocou nas teclas todas e deu um grande concerto. Muito bom, bravo.               João Floriano: A habilidade de António Costa é directamente proporcional à iliteracia política dos eleitores portugueses que quando votam , ou  fazem más escolhas ou o que é ainda pior, não votam e fazem crescer o número de abstencionistas. Mais do que o CHEGA são os abstencionistas que garantem ao PS a permanência no governo, sem esquecer as estratégias erradas do PSD. Helena Garrido diz algo muito significativo sobre o falhanço do PRR. Quando um prato já está demasiado partido, não há cola que possa reunir os cacos e é assim mesmo que está Portugal: em cacos. Nada funciona. é assim que o PS vai deixar Portugal ou ainda pior vai continuar a deixar morrer Portugal. Num país moderno com esperança num futuro, António Costa , o PS e todo o seu séquito de seguidores à sua esquerda, já estariam fora das intenções de voto há muito tempo. Mas como somos diferentes até conservamos no nosso Parlamento uma relíquia histórica que os restantes países da Europa já há muito tempo descartaram: o PCP. Diz muito sobre o nosso atraso e ignorância.               Paulo Oliveira: Agora toda a gente bate no homem. Gostava de ter visto estas opiniões em 2016. Que diabo, qualquer um com dois dedos de testa previa que era isto que iria acontecer. Lembro-me bem de a Leninha achar a geringonça positiva e o Costa um génio.             bento guerra > Paulo Oliveira: Pois é, eu também! E a questão é que vai haver dinheiro até ao fim dos mandatos. Aguentem!                Ana Maia > Paulo Oliveira: Eu também gostava de ter visto estas opiniões quando o BE das redações estava no governo, mas aí os jornaleiros estavam caladinhos e quando caíram os 15 milhões do céu, mais caladinhos ficaram, ou pelo contrário fizeram questão de propagar o que interessava ao governo, a covid e ministra assassina: fechem-se todos em casa que senão morremos todos, como se tornou hábito a CS fez da voz do PS a sua voz. E continua, todos os dias temos inúmeros artigos a louvar inúteis.            bento guerra: Os portugueses merecem o que têm e continuarão a ter ,enquanto o PS for um redistribuidor de dinheiro, sacado às classes médias , esmolado à Europa ou emprestado. E enquanto a Comunicação continuar a não abordar os problemas, em liberdade e discernimento. O "partido euro-português"          fonseca 07: Boa HG. Já esqueceu a economia pujante? Pois infelizmente ela não existe. A economia que temos exportações e turismo não são obra de quem governa mas sim dos empresários. Ser empresário pode ser acto heroico, pelo menos os pequenos, inundados de burocracia, impostos, taxas e etc.                 Rui Matos: Exactamente o que eu penso. A distribuição do dinheiro em detrimento do investimento nas empresas, a culpa a morrer solteira e o bicho papão do chega ,perpetuarão este status quo neste povo em estado letárgico.              mjoao pgomes: O PSD não é alternativa ao PS, tem a mesma cultura política em versão mais branda. Ou seja os mesmos tiques de estatização e acesso ao poder através dos votos dos dependentes do estado. É por isso que vetou a proposta de uma nova ppp para o hospital de loures, quer deitar mais dinheiro para cima dos professores, sem querer reformar o modelo da escola pública que está podre. Ou seja, quem quer caçar 2 coelhos ao mesmo tempo acaba por não caçar nenhum. No que diz respeito ao caso Galamba, era mais pedagógico explicar ao país que o primeiro-ministro não o pode substituir porque o que tem para escolher ainda é pior. Relativamente aos fundos, se a Helena ainda tem esperança que desenvolvam o país é porque ainda não percebeu nada. Há dias ouvi um economista português, professor em Manchester, explicar no contra corrente, que há estudos sobre o problema português. São os fundos. Não se aprende com os erros, arranjam-se mais fundos para continuar com as mesmas práticas. Os fundos é que permitem a manutenção do PS no poder. É por isso que o PS só se preocupa com o défice e a dívida pública, as contas certas como diz a comunicação social, sem fazer contas ao estado do país.

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