quarta-feira, 31 de maio de 2023

Continua, pois do Chade


O nosso papá primeiro, afirmações bíblicas à parte, sobre Adão e sua costela estapafurdiamente germinadora. Chamou-se Sahelanthropus Tchadensis, mesmo no coração de África, mas nunca se sabe totalmente, há sempre outras marias, na Terra.

                                                           

"O MITO DA ORIGEM AFRICANA DE TODOS OS HOMINÍDEOS

As últimas estimativas oficiais referem que o Sahelantropus Tchadensis viveu há cerca de 5 milhões de anos na região do Chade. A comunidade científica, ignora a presença de outros espécimes, muito mais antigos, localizados em diversos continentes"

— UTILIZADOR DE FACEBOOK, 06 fevereiro 2023

OBSERVADOR, 30/5/23

Uma publicação nas redes sociais diz que as teorias que afirmam que a origem de todos os hominídeos é em África não passam de um “mito”. Contudo, é falso.

“As últimas estimativas oficiais referem que o Sahelanthropus Tchadensis viveu há cerca de 5 milhões de anos na região do Chade”, pode ler-se no texto que acompanha a publicação no Facebook. Mas nem esta primeira afirmação é totalmente verdadeira. O Sahelanthropus Tchadensis é o hominídeo mais antigo que se conhece, e foi também — tal como diz a publicação — encontrado na região do Chade, em África, onde a comunidade científica acredita que tenha vivido.

Os cientistas acreditam que os vestígios encontrados tenham entre oito e seis milhões de anos e não cinco, como refere a partilha que verificamos. A professora Tânia Minhós, do departamento de Antropologia da Universidade Nova, explicou ao Observador que esta estimativa de tempo foi obtida “com base na vegetação e outros organismos nos mesmos sedimentos com datação já conhecida”.

Mas esta não é a única imprecisão que podemos encontrar na publicação. A própria utilização do termo “hominídeo” tem incorreções. A palavra tem “origem na categoria taxonómica da Familia Hominidae, que inclui todos os grandes símios — orangotangos, gorilas, chimpanzés e humanos”, esclarece Tânia Minhós. Contudo, a taxonomia das espécies tem sido alvo de recorrentes revisões e alterações, o que tornou o termo “hominídeo” desatualizado.

“De acordo com a classificação actual, os humanos divergem de todos os restantes primatas entre os 10 e os 8 milhões de anos, e todos membros de linhagens dos antepassados dos humanos modernos (Homo Sapiens) após a divergência com os chimpanzés pertencem à tribo hominini, e designam-se desta forma“, acrescenta a professora da Universidade Nova.

A publicação do Facebook comete outro erro logo no mesmo parágrafo do texto. “A comunidade científica, na sua maioria, ignora a presença de outros espécimes, muito mais antigos, localizados em diversos continentes, nomeadamente na Europa”, lê-se. Também isto é falso.

O que distingue o hominini dos restantes primatas é a locomoção bípede. Tendo em conta esse critério, o Sahelanthropus Tchadensis é o fóssil mais antigo encontrado até hoje e é “uma espécie exclusivamente africana”. Sobre este ponto, Tânia Minhós refere que “o primeiro hominini que se sabe ter expandido para fora de África foi o Homo Erectus“. Os fósseis foram encontrados na Ásia, e datados com cerca de 1,8 e 1,6 milhões de anos, substancialmente menos do que o Sahelanthropus Tchadensis.

“É paradigmático o caso de um crânio humano em carbono fossilizado, em que é impossível extrair o ADN mitocondrial para ser analisado”, diz o último parágrafo da publicação em análise. E acrescenta: “Encontrado numa mina de carvão na Boémia, conhecido por Crânio de Carvão de Freiberg, com 15 milhões de anos, esteve exposto durante muito tempo no museu do Instituto Geológico para os Combustíveis Sólidos de Freiberg, na Alemanha e [foi] retirado daquele local recentemente e de forma discreta, por ser demasiado incómodo para a comunidade científica que não sabe, não consegue ou não quer justificar a sua existência.”

Tânia Minhós também ajuda a esclarecer esta ideia: “Não existe qualquer registo científico de um crânio com essas características e, como tal, essa é uma informação falsa“. A informação do autor da publicação carece de referência bibliográfica, de base científica e revista por pares, que considere a existência desse crânio.

A publicação atribui a origem do texto ao livro “Universo Consciente”, lançado em 2022 pelo autor José Garrido. No site da livraria Bertrand, é possível encontrar uma breve biografia. Garrido nasceu nos anos 50 e dedica-se ao estudo da história mas também de ovnis e vida extraterrestre.

Conclusão

Uma publicação no Facebook afirma que as teorias sobre origem da espécie humana ser em África são um “mito”.

A publicação afirma que o Sahelanthropus Tchadensis, que viveu há cerca de “5 milhões de anos” na região do Chade, não foi o primeiro fóssil hominini — o termo que se utiliza actualmente pela comunidade cientifica para designar os membros das linhagens dos humanos modernos — a ser encontrado.

Segundo Tânia Minhós, professora de Antropologia da Universidade Nova de Lisboa, essa espécie é “exclusivamente africana”, e os fósseis encontrados têm cerca de oito a seis milhões de anos. E esclarece que, ao contrário do que a publicação diz, os primeiros fósseis hominini encontrados fora de África são asiáticos e datados “com cerca de 1,8 e 1,6 milhões de anos”. 

Sobre o crânio descoberto da Alemanha com “15 milhões de anos” que o autor da publicação refere, a professora doutorada sublinha: “Não existe qualquer registo científico de um crânio com essas características e, como tal, essa é uma informação falsa.”

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

De acordo com o sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi seleccionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.

FACT CHECK    OBSERVADOR     CIÊNCIA   ANTROPOLOGIA

 


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