Um descritivo admirável sobre uma
situação admirável de um país não admirado - porque gratamente acomodado - com
novas figuras partidárias que entretanto vão dando cor e exaltação de uma
severidade de estardalhaço, a animar as hostes palreiras que nos definem como
povo essencialmente palrador. Refiro-me à nova líder do BE, contundente e
repetitiva agora que comanda, quando dantes apurava a voz num baixo conciso de
comedimento e pose. Em nós é tudo teatro. Manuel Villaverde Cabral descreve
magistralmente o status, de palhaçada sem freio, num país refreado em coragem,
conquanto não em dependência.
O monopólio do PS
Só quem nunca se cruzou com os
meandros das instituições semi-públicas ou semi-privadas como a Câmara ou a
Misericórdia é que ignora os benefícios marginais a que as redes partidárias
podem ter acesso
MANUEL VILLAVERDE CABRAL
Investigador Emérito do Instituto de Ciências Sociais
OBSERVADOR, 29 mai. 2023, 00:15
Entretanto, o partido socialista
conseguiu, como tem feito desde o «golpe da geringonça» no final de 2015,
conservar o poder partidário e suceder a todos os inesperados percalços a que
tem sobrevivido desde a pandemia, cujo financiamento europeu o PS não consegue
gastar já lá vão anos desde o fim da década passada! Esse financiamento,
como os outros de que o país é suposto beneficiar gratuitamente desde a adesão
à UE, continuará a ser absorvido pelos dois partidos dominantes e os seus
funcionários, não passando um dia sem que se descubra que o PS e o PSD mais uma
vez se apoderaram do «bolo»!
Estas
acusações proferidas taco-a-taco serviram apenas para o PS atacar o PSD na
altura em que o primeiro-ministro «meteu no bolso» a tentativa do Presidente da
República para demitir o ministro Galamba, responsável pela crise. Como expliquei na altura, o PR não tinha e continua a não ter poder
para demitir os membros do governo,
pelo que António Costa o pôs de novo no cargo sem excluir a hipótese de correr
com ele em breve! Dias depois, António Barreto confirmava que o PR não possuía tais poderes, o
que não deixa aliás de admirar da parte de um professor de Direito. Depois da
triste cena do «tribunal parlamentar», Galamba e os seus colegas foram chamados
à lamentável cena de uma espécie de «absolvição» que o PS, com a sua «maioria
absoluta», enterrou logo… até se ver livre desses infaustos agentes do poder
socialista!
No mesmo artigo citado, António Barreto considera que um presidente da
República, embora eleito directamente pela cidadania, não devia ter o poder de
mandar o parlamento para casa e convocar novas eleições. Pessoalmente, discordo e a constituição
portuguesa dá-me por ora razão. Com determinadas regras, é isso que Rebelo de
Sousa pode mas, segundo António Barreto, dão deve. Embora
ele não o diga explicitamente ou eu não o tenha compreendido, imagino que Barreto
crê que o actual PSD poderia até «ganhar as eleições», mas não teria nem terá
tão cedo as ideias e a organização necessárias para, só ou em aliança, assumir
a gestão política do país.
Inversamente, o PS nada sabe nem quer saber sobre o que se está a passar
no país mas, em contrapartida, controla todos os mecanismos, sobretudo os
financiamentos europeus. Basta ver a
forma como a comunicação social e as autoridades mais próximas do PS
denunciaram em poucas horas os delitos eventualmente praticados ou «magicados»
por agentes do PSD, enquanto o PS protege Fernando Medina e um «colega» do
antigo presidente da câmara de Lisboa… Só quem nunca se cruzou com os meandros
das instituições semi-públicas e/ou semi-privadas, como a Câmara Municipal e/ou
a Misericórdia de Lisboa, é que ignora os benefícios marginais a que as redes
partidárias podem ter «acesso».
A dimensão da crise sócio-económica
populista e mesmo miserabilista pela qual o país tem passado, desde os «bónus»
aos «aumentos» antecipadamente engolidos pela inflação internacional, continua
a multiplicar-se com a guerra e as suas despesas directas e indirectas. Nada
disto, obviamente, passou pelo PSD e muito menos pelos partidos menores, que
ignoram a crise e a futura evolução mundial, quando não a desprezam.
Há algo, quanto às práticas e às
ideias promovidas pela evolução partidária, que se explica pelo golpe
parlamentar da «geringonça», que durou quatro anos desde o fim de 2015 até
quase ao termo de 2019; por dois anos de continuidade e, por outro lado, pela
conquista de uma escassa maioria eleitoral em Janeiro de 2022 (41%) até à
presente crise. Em suma, 7 anos e meio sem objectivos nem
planificação. Apenas o dinheiro da UE para «tapar os buracos».
Durante
esse período, Costa mais não fez do que atirar
dinheiro avulso para cima da economia de consumo, incluindo o turismo e a renacionalização bilionária
da TAP! Enquanto a «troika» havia controlado a enorme dívida criada pelo Eng.º
Sócrates, o PS não resistiu a manter a dívida pública bem acima dos 100% do PIB.
Foi
neste âmbito que os dois partidos conservadores se dissolveram. Enquanto
o CDS praticamente desapareceu, o PSD afastou-se completamente da política de
crescimento de Cavaco Silva (1985-95) e o novo líder, Rui Rio, entregou-se a um
«debate político-cultural» que o levou a circular inutilmente entre o Norte e o
Sul e a abandonar a liderança a um líder local desconhecido pela maioria… Assim
sendo, não é Rebelo de Sousa que fará frente aos manifestos limites não só
eleitorais como políticos e europeus do actual PSD.
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