Cenas assim, gente assim – ou assado – já Cesário as
descreveu também, com graça simples e incisiva, em definição abstracta de Vida,
que se concretiza por variados espécimes. O humor de Alberto
Gonçalves é mais erudito, adequado ao momento woke, doutra forma
caricato, com muito pedantismo de permeio, que AG
magistralmente analisa. Mas lembremos, em paralelo gracioso, Cesário e um dos seus “desenhos de compasso e esquadro”, para espairecer destes pesadelos
do século XXI:
«MANIAS O mundo é velha cena
ensanguentada, Coberta de remendos, picaresca; A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca. Eu sei um bom rapaz, – hoje uma ossada –, Que
amava certa dama pedantesca, Perversíssima, esquálida e chagada, Mas cheia de
jactância, quixotesca. Aos domingos a deia, já rugosa, Concedia-lhe o braço,
com preguiça, E o dengue, em atitude receosa, Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa, O livro com que a amante ia ouvir missa!»
A dra. Joacine sabe fazer muamba?
Além de linda, a ideia de atribuir uma
geografia à raça e uma raça à geografia evoca períodos radiosos da História:
cada um no seu lugar de acordo com as suas “características”, não é verdade?
ALBERTO GONÇALVES Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 27
mai. 2023, 00:2014
Na
quinta-feira, durante um programa vespertino da RTP1, o momento de culinária assinalou o Dia de África (?). Um cozinheiro, não sei se habitual ali, preparou
uma muamba, não sei se de galinha. A ousadia despertou a indignação, aliás fácil, da
ex-deputada do Livre Joacine
Katar Moreira, que
irrompeu no Twitter a lembrar que a “desfaçatez” é a “forma portuguesa de estar
no mundo”. E isto
porque, no entender da dra. Joacine, a
celebração da gastronomia africana implicaria a presença de um cozinheiro
negro, “de Angola ou da Guiné, por exemplo”, e não o caucasiano em causa. O racismo é de facto sistémico: mesmo limitadita a 240
caracteres, a dra. Joacine conseguiu ser sistematicamente racista.
Desde
logo, o que garante à dra. Joacine que o tal cozinheiro não é africano, e em
particular angolano ou guineense? A
densidade de melanina? Pelos vistos, a pertença em questão não se prende
com a naturalidade, a nacionalidade ou outras farofas, e sim com o
indispensável critério da cor da pele. Ou seja, só é de África quem for negro,
postulado tão bonito quanto o que declara que só os brancos se podem declarar
europeus. Ainda mais bonito é que a “africanidade” nem exige qualquer
ligação a África, conforme comprovam os inúmeros “afro-americanos” que nunca puseram
ou tencionaram pôr os pés no referido continente. Elon Musk, que nasceu na
África do Sul e é um autêntico “afro-americano”, não é assim considerado por
ninguém. Os negros dos EUA, incluindo os que odeiam a designação, são assim
considerados por toda a gente.
Além
de linda, a ideia de atribuir uma geografia à raça e uma raça à geografia evoca
períodos radiosos da História: cada um no seu lugar de acordo com as suas
“características”, não é verdade? A dra.
Joacine, que veio da Guiné em criança, deve ter uma raiva danada, e
justificada, à dra. Joacine, que há 33 anos teima em ficar num país que não é o
delas – para cúmulo um país de gente capaz da desfaçatez de a eleger para o
parlamento, instituição talvez originada na Grécia e portanto alheia às tradições
que a dra. Joacine tanto deseja preservar. Estou seguro de que, para a dra.
Joacine, a apropriação cultural cometida pela dra. Joacine é uma coisa medonha,
e não admira que a dra. Joacine depressa enxotasse a dra. Joacine da Assembleia
da República. A pureza acima de tudo.
O
fascinante tema da apropriação cultural levanta de facto novos dilemas. Imagine-se que a RTP convidava um cozinheiro negro
para festejar o Dia da Coreia mediante a confecção de um sortido de kimchi: a
dra. Joacine permaneceria calada perante tamanho escândalo? E ainda que o
cozinheiro negro lá acabasse por fazer a muamba, não seria abuso fazê-lo para
transmissão num meio tecnológico desenvolvido por escoceses, ingleses, alemães,
russos, franceses, romenos e americanos, todos brancos que metiam dó? E
o que dizer do próprio protesto da dra. Joacine, lavrado na rede social de um
“afro-americano” sem direito ao termo e através de um telemóvel ou de um
computador concebidos a milhares de quilómetros de Bissau?
Não se diz nada. Embora soe bem, a
conversa do “multiculturalismo” é isso: conversa. Por mais que em teoria o
conceito evoque a defesa de uma orgânica, e de resto saudável, mixórdia
civilizacional, na prática os objectivos são opostos. À
semelhança do que sucede no “género”, na “etnia” o interesse está em dividir a
humanidade por categorias irrelevantes e no processo combater, e idealmente
aniquilar, o perene inimigo de quem ergueu o “activismo” a uma carreira: o
Ocidente. Eis a
razão pela qual um branco não pode cozinhar muamba, mas um negro deve organizar
workshops de comida minhota. Ou um actor branco não pode dobrar a voz de um
boneco de animação, mas actrizes negras devem interpretar Ana Bolena e
Cleópatra. Ou comentadores brancos não podem condenar insultos selvagens no
futebol, mas delinquentes do Black Lives Matter devem instigar a violência.
Como
costumam ser as divisões, esta também é
parcial e, curiosamente, também empenhada na discriminação dos
negros, entretanto rebaixados ao epíteto de “racializados”. Hoje como ontem,
para a demência “woke” como antes para os esclavagistas, os negros não são
exactamente indivíduos completos: são tribos – perdão, “comunidades” – débeis e
dependentes, simulacros que partilham opiniões e carecem de carinho ou
disciplina, de protecção ou rédea firme, de favores ou castigos, consoante a
perspectiva e a ocasião. A ocasião é volátil. A perspectiva é
invariavelmente tenebrosa.
Pelo menos o racismo “tradicional”
era franco. O racismo contemporâneo finge-se o contrário do que é, o que lhe
agrava o perigo e a eficácia. Se é certo que os actuais revisionismos,
segregações, privilégios, queixumes e reparações integram a ofensiva contra um
determinado “modo de vida”, é igualmente certo que os seus alegados
beneficiários são instrumentais no processo e saem brutalmente diminuídos do
dito.
Claro que incontáveis pessoas que, por acaso genético, têm a pele
escura estão-se nas tintas (sem graçola) para a desumanização meiguinha em que
pretendem enfiá-las e seguem os seus caminhos com liberdade e autonomia e mérito
e risco. Infelizmente, graças à influência,
ao barulho e às ameaças dos “anti-racistas” do século XXI, demasiados negros
não apenas sofrem a humilhação simbólica que o estatuto de eternas vítimas lhes
confere: são subtil e cruelmente impedidos de aceder à música erudita, à
literatura clássica, à matemática, às ciências em geral, à escola, aos
negócios, à família, ao trabalho e ao que tresande a imposições
“colonialistas”. Sobra-lhes, com sorte, o hip-hop, o desporto e a muamba, da
qual, perdida em indignações, a dra. Joacine nem se dignou partilhar uma
receita.
POLITICAMENTE
CORRECTO SOCIEDADE JOACINE KATAR
MOREIRA ASSEMBLEIA DA
REPÚBLICA POLÍTICA RACISMO DISCRIMINAÇÃO
COMENTÁRIOS (de 14)
Alberto Sousa: Temos que compreender e aceitar que a sra. vive para
se fazer notar! Nem que para isso use argumentos desequilibrados. Mas,
provavelmente, não sabe nem consegue melhor... Alfaiate Tuga: Caro Alberto, costumo ler as suas crónicas e regra
geral gostar de o ver a abordar temas pertinentes com especial astúcia, mas
desta vez fiquei desiludido….Escrever sobre a Joacine? Já não me lembrava dela,
e ainda bem, a quem é que interessa o que essa senhora diz ou escreve, olhe a
mim interessa Zero.
Cupid Stunt: Na mouche!
Parabéns pela lucidez com que denuncia estas aventesmas.... Maria Gingeira: Felizmente
que o senhor existe Alberto Gonçalves e escreve com rara eloquência. Diz tudo o
que é preciso ser dito e de forma brilhante Manuel Martins: Para mim, racismo é exactamente
isto: olhar para a cor da pele e a partir daí adoptar uma posição de critica,
pública. Em minha opinião, obviamente que existe aqui um interesse: o activismo
anti-racista pode dar poder e "tachos", e a concorrência é feroz... Quando
se adopta o dogma que os brancos têm um privilégio e são sempre os agressores,
e os negros são sempre os racializados, e são sempre as vitimas, é difícil
retirar o racismo dessa pessoa, é um mundo sem cor, é triste, a preto e branco
.... José Ramos: Vamos
lá a ver, a dra. Joacine, como acontece com todos os woke e
"activistas" em geral, tem um, ou vários, parafusos a menos. É uma
cretina. Fazer o quê?
Maria Paula Silva: A
Dra. Joacine não sabe a receita da muamba porque ela é da Guiné e a muamba é um
prato típico de Angola. A Dra. Joacine é mais racista do que pensa, as suas
atitudes assim o demonstram e, por conseguinte, deveria voltar para a terra
natal dela. Ela não deve permanecer nem dar banho ao cão em terras lusitanas
que dantes eram ocupadas maioritariamente por brancos e agora são
multi-ocupadas por africanos, chineses, paquistaneses e outros, muçulmanos,
brasileiros etc... Portugal está a ser colonizado. Eu
nasci em Angola e não sou racista, mas a Dra. Joacine é. Devia ser coerente e
voltar para a Guiné. Adoro os africanos que depois de terem corrido com os
Portugueses e 50 anos de independência, dizem mal dos Portugueses mas vieram
viver para Portugal. São muitos. A.M. Pedroso: Tããããoo
inclusiva. Vidas
tristes, as destas pessoas que reduzem a sua existência e a dos outros às cores
das peles, aos géneros, as direitas e às esquerdas, aos vacinados e não
vacinados, aos mascarados e não mascarados... Carácter, competência, talento... 🤔 hã? Está
muito vento 💨. Não se ouve nada. F. Mendes: Este artigo é brilhante, com
destaque para o último parágrafo; que deve ser lido muito atentamente, por
brancos e negros, desde que tenham alguma cabeça e doses mínimas de bom senso,
honestidade intelectual e decência. De facto, os piores reaccionários
são os que reivindicam o direito a uma identidade largamente postiça, que
defendem a clausura numa cultura com horizontes e meios limitados, simulando
desprezo pelos enormes progressos civilizacionais, largamente impulsionados
pelo pejorativamente chamado "homem-branco". Por cá, temos as nossas Joacines e Bás. São dos piores
racistas a que este país teve a péssima ideia de dar abrigo e conferir
nacionalidade. Mordem a mão de quem lhes deu a chance de uma vida minimamente
digna. Vou resistir
a proclamar o chavão "voltem para a vossa terra"; mas resisto com
esforço. Até ver. Not
Valid Username: Ui, os Wokeistas (Wokistas?) vão te cair em cima
Alberto
Eduardo Cunha: parabéns pelo artigo e... foi isto deputada da nação. Madalena Sa: Muito bem observado! Parabéns
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