Para a justificação da possível reviravolta
eleitoral na Turquia, claramente referenciadas por José Carlos Duarte.
Por cá, o abstencionismo – impeditivo de mudança
- será talvez mais impalpável – desinteresse de uma juventude apática, ou de
uma etapa adulta - politicamente, preguiçosamente, vegetativamente - indiferente.
Tudo isso abstractamente, nacionalmente sórdido.
Erdoğan enfrenta as eleições mais
desafiantes da sua vida política e a oposição sonha com vitória. "Caos" no day after?
Sondagens dão vantagem a Kılıçdaroğlu,
líder da oposição turca, que promete aproximar Ancara do Ocidente. Eleições são
"questão de vida ou de morte" para Erdoğan — que pode não aceitar os
resultados.
OBSERVADOR, 12 mai.
2023, 23:356
Índice:
As
preocupações com o day after
O que pode
levar Erdoğan a perder as eleições?
A política
externa com Erdoğan e Kılıçdaroğlu
Recep Tayyip Erdoğan enfrenta este
domingo a maior prova de fogo da sua
vida política. Aos 69 anos, após ter governado a Turquia durante vinte
anos — inicialmente como primeiro-ministro, depois assumindo a presidência —, o
Chefe de Estado viu a oposição unir-se numa alternativa liderada por Kemal Kılıçdaroğlu, que lhe pode causar uma derrota em toda em linha. “Isto é uma questão de vida ou de
morte para ele e para a sua entourage“, comenta, ao Observador, o professor de
Relações Internacionais na Universidade de Lehigh e especialista em assuntos
turcos, Henri Barkey.
“Ele vai fazer
de tudo para continuar no poder”, prossegue Henri Barkey. Porém, para Ziya Öniş,
economista político e professor de Relações Internacionais na Universidade de
Koç, em Istambul, os esforços de Erdoğan para conseguir ser reeleito não vão
ter efeitos práticos. “Estou bastante confiante de que a oposição vai ganhar”, preconiza
ao Observador.
As sondagens têm mostrado um cenário bastante positivo
para Kemal Kılıçdaroğlu, que tem ficado à frente de Erdoğan por alguns pontos
percentuais. De acordo com o último
levantamento, realizado pela empresa de sondagens Konda e publicado esta
quinta-feira, a oposição reúne
49,3% dos votos, enquanto o actual Presidente se fica pelos 43,7%. E
estes números ainda não têm em consideração o anúncio da desistência do candidato de terceira via, Muharrem İnce, que concorreu contra o actual
Chefe de Estado nas presidenciais de 2018.
Esperando obter um resultado entre os 2 a 3%, Muharrem
İnce justificou a decisão de abandonar a corrida dizendo que o fez “pelo seu
país”. “Não vai haver desculpas. Caso
contrário, se perderem as eleições, eles culpar-nos-ão na manhã de
segunda-feira”, assinalou, apelando — apenas de forma indirecta e nunca
explícita — aos seus apoiantes para que votem na oposição a Erdoğan.
Nesse cenário — e
se os votos de Muharrem İnce forem transferidos para Kemal Kılıçdaroğlu —, isso
será suficiente para que a oposição consiga obter mais de 50% dos votos, a
julgar pelos números apresentados nas sondagens divulgadas nas últimas semanas.
Se esse cenário se concretizar, Kılıçdaroğlu vence as eleições logo à primeira volta, uma vez que, à semelhança
do sistema eleitoral português, um candidato tem de reunir a maioria dos votos
para ser eleito Presidente. Caso contrário, haverá uma segunda ronda, já marcada para dia 28 de maio.
▲As sondagens
não são favoráveis para Erdoğan
HOW HWEE YOUNG/EPA
Tendo em conta o que aconteceu em
eleições passadas, vários analistas ouvidos pelo
Observador receiam que, caso Erdoğan perca, não se assista a uma transição pacífica e ordeira do poder, temendo-se
um cenário de violência com “polícia nas ruas”. Outros, ainda assim,
desdramatizam e consideram que as instituições turcas darão provas de ter a resistência necessária para sobreviver
a uma possível tentativa de golpe de Estado.
As preocupações com o day after
As horas
seguintes à divulgação de resultados, que começam a ser conhecidos às 19h00
deste domingo em Ancara (menos duas horas em Lisboa), prometem ser tensas. Considerando os resultados das sondagens,
Erdoğan está a apostar na realização de uma segunda volta e espera que o
adversário não consiga chegar aos 50% de votos, acredita Henri Barkey. “Se há uma segunda volta, as coisas ficarão mais complicadas [para a oposição] e veremos
todos os tipos de manobras.”
Mesmo assim, à
partida, Berk Esen considera que as eleições já não são “justas” para quem
desafia Erdoğan. Em declarações ao Observador, o professor de Ciência
Política na Universidade de Sabancı (localizada em Istambul) traça um cenário
em que as condições são “desfavoráveis para a oposição”, exemplificando com o controlo
do aparelho público por parte do atual Presidente, assim como o facto de a “maior
parte da comunicação social estar controlada pelos aliados de Erdoğan”.
▲Apoiantes
de Erdoğan em Istambul GETTY IMAGES
Com as condições
todas a seu favor, uma derrota nas urnas poderá ser uma humilhação para Erdoğan, que poderá resistir a entregar o poder ao
opositor e pedir, por exemplo, uma recontagem
dos votos. E no passado isso já aconteceu: nas eleições regionais de 2019, o partido do Presidente, o AKP (Partido
da Justiça e Desenvolvimento), saiu derrotado por uma pequena margem nas duas
principais cidades turcas (que governava há 20 anos): Istambul e Ancara.
No caso de
Istambul, o Alto-Comité Eleitoral da Turquia deu razão a Erdoğan e ordenou uma
nova votação para determinar quem seria o novo autarca. Mas Ekrem Imamoglu, do CHP (Partido
Republicano do Povo), principal partido da oposição, liderado precisamente por
Kılıçdaroğlu, venceu novamente as eleições. Mesmo após a repetição do ato
eleitoral, o Presidente turco insistiu na ideia de que houve “roubo”.
Embora não tendo
negado categoricamente que possa haver desacatos, Berk Esen opina que “não
existe uma elevada probabilidade” de o actual Chefe de Estado“recusar ceder o poder”. “No final do
dia, se a contabilização de votos der a vitória a Kılıçdaroğlu, Erdoğan não tem
espaço para desafiar o sistema, mesmo que tente repetir as eleições”, diz.
"No
final do dia, se a contabilização de votos der a vitória a Kılıçdaroğlu,
Erdoğan não tem espaço para desafiar o sistema, mesmo que tente repetir as eleições"
Berk Esen, professor de Ciência Política na
Universidade de Sabancı
Adicionalmente, devido ao que aconteceu em Istambul há
quatro anos, Berk Esen duvida de que
Erdoğan queira repetir as eleições, porque sabe “que o resultado vai ser
o mesmo”. “Não vai funcionar. O seu espaço de manobra é baixo”, vinca, assegurando
que o risco de violência nas ruas “não é assim tão alto como alguns analistas
têm dito”.
Opinião completamente distinta tem Hakkı Taş, membro do Instituto
Alemão de Estudos Globais e especialista na política turca. “Se Erdoğan não vencer as eleições, pode
esperar-se violência nas ruas incentivada
por milícias pró-governo, pela máfia e por gangs, que deverão gerar um caos político. Isso tornará uma transição
pacífica do poder bastante difícil”, expõe, em declarações ao Observador.
“Há certamente um risco de violência, especialmente se os resultados mostrarem uma margem de diferença
relativamente pequena”, aponta, por sua vez, Henri Barkey. Este ponto de vista
também foi partilhado ao Observador por Ali Bilgic, professor de Política
Internacional na Universidade de Loughborough: “Depende da margem entre Kılıçdaroğlu
e Erdoğan. Uma diferença acima dos quatro a cinco pontos percentuais reduz esse
risco.”
"Se
Erdoğan não vencer as eleições, pode esperar-se violência nas ruas incentivada
por milícias pró-governo, pela máfia e por gangs, que deverão gerar um
caos político" Hakkı Taş, membro do Instituto Alemão de Estudos
Globais e especialista na política turca
Por seu turno,
Şebnem Yardımcı Geyikçi desdramatiza. Ao Observador, a especialista em assuntos
turcos no Instituto de Ciências e Ética na Universidade de Bonn, na Alemanha,
constata que o regime da Turquia pode ser caracterizado como “autoritário”, havendo
sempre o risco de a transição de poder não ser “pacífica”. “Mas o que distingue a Turquia de muitos
outros países na região é a sua longa tradição de eleições.”
Por isso mesmo, reforça Şebnem Yardımcı Geyikçi, os
resultados eleitorais são vistos pela generalidade da população como “principal
fonte de legitimidade, sagrada até, da validação de um novo Presidente”. Assim
sendo, se Erdoğan perder e contestar os resultados, a especialista enfatiza que
isso o levaria a perder “apoio popular”. “Não acho que um Presidente ou um
governo aguentasse por muito tempo, dado que perderia completamente a legitimidade.”
O que pode levar Erdoğan perder as eleições?
O contexto interno turco pode dar
resposta e a ajudar a compreender o motivo pelo qual as sondagens dão vantagem
à oposição. A Turquia tem enfrentado
vários problemas, como a inflação galopante, a crise migratória, um sismo que matou mais de
50 mil pessoas e a animosidade dos curdos — uma importante minoria étnica a que
pertence 1/5 da população — relativamente ao actual Presidente.
▲Cartaz de Erdoğan com bandeira
da Turquia por trás GETTY IMAGES
A questão
dos curdos
Um dos grandes apoios
de Kılıçdaroğlu nestas eleições são precisamente os curdos. O actual Chefe de
Estado tem adoptado uma linha mais
nacionalista, privando a minoria curda de direitos como o de falar a sua
própria língua ou expressar a sua cultura publicamente. Daí que os líderes curdos tenham virado costas a
Erdoğan, manifestando o seu apoio a Kılıçdaroğlu.
No entender de
Ali Bilgic, a questão dos curdos, um povo sem país e que vive um pouco por todo
o Médio Oriente, é “muito importante” para estas eleições. “O Partido de Esquerda dos Verdes (apoiado pelos curdos) é parte da
aliança e anunciou o seu apoio ao candidato da oposição Kılıçdaroğlu”, explica
o especialista, estimando que isso poderá representará cerca de “10 a 12% das intenções” de voto no
principal opositor do actual Presidente. “Será um apoio crucial numa primeira e na segunda volta.”
Como prova da mobilização dos curdos para votarem em
Kılıçdaroğlu, o professor de Política Internacional na Universidade de
Loughborough indica que o líder dos curdos, Selahattin Demirtaş, que atualmente
está detido, “tem activamente encorajado os seus seguidores a votarem em
Kılıçdaroğlu”.
▲ Manifestação
a favor dos curdos NURPHOTO VIA GETTY IMAGES
Os problemas
financeiros e os mais jovens
Um
aumento de preços sem controlo e o desemprego acima dos dois dígitos têm gerado
críticas da população à gestão económica de Erdoğan. Com taxas de juro
excessivamente baixas que geraram uma forte desvalorização da moeda turca (a
lira), a inflação chegou aos 85,51% no último ano.
Em declarações à France 24, Howard Eissenstat, especialista na
economia turca na Universidade de St. Lawrence, refere que, embora a Turquia tenha crescido
economicamente no último ano, isso não se reflectiu na qualidade de vida dos
cidadãos. “O quotidiano dos cidadãos turcos está a sofrer impactos de
variadas formas. A classe média está a
ter dificuldades tremendas em manter um padrão normal de consumo. Colocar
comida na mesa tornou-se uma luta.”
Ainda
assim, apesar das dificuldades que existem, Howard Eissenstat não acredita que
a conjuntura económica seja o principal motivo que poderá levar Erdoğan a
perder — o Presidente turco tem, aliás, procurado apresentar soluções a aplicar
no imediato para compensar o eleitorado neste domínio. Numa corrida contra o
tempo, e para cativar o eleitorado de classe média, o Presidente turco anunciou
esta quarta-feira um aumento de 45% do salário dos funcionários públicos (uma
medida que afecta cerca de 700 mil pessoas do sector público, que passarão a
receber um salário de, no mínimo, 15 mil liras, ou 700 euros).
Nem todas as
classes etárias ficam convencidas, porém, com as soluções económicas de
Erdoğan. As sondagens mostram que os
mais jovens estão mais afastados do atual Presidente turco, com o desemprego (acima dos 20%, no caso da
população mais jovem) a levar a que muitos abandonem o país à procura de
melhores condições de vida.
"O quotidiano dos cidadãos turcos
está a sofrer impactos de variadas formas. A classe média está a ter
dificuldades tremendas em manter um padrão normal de consumo. Colocar comida na
mesa tornou-se uma luta"
Howard Eissenstat, especialista na
economia turca na Universidade de St. Lawrence
À Reuters, Erman
Bakirci, analista político da empresa de sondagens Konda Arastirma, descreve
que os mais jovens estão “muito zangados e sem esperança” com as políticas
seguidas pelo Presidente turco nos últimos anos. “Eles veem através da internet
e das redes sociais que os seus pares na Europa têm mais oportunidades. Eles
veem que a diferença tem sido cada vez maior [nos últimos anos]. Eles têm falta
de segurança económica e política. Eles querem livrar-se desta situação.”
A falta de liberdades políticas também afasta o
eleitorado mais jovem, que corresponde a 10% daqueles que vão às urnas no
domingo. “Os que vão votar pela
primeira vez são mais modernos e menos religiosos do que o eleitor típico”,
explica ainda Erman Bakirci.
Em comparação
com Erdoğan, o líder da oposição é visto, pela generalidade da população mais
jovem, como o rosto da esperança,
ganhando inclusive a alcunha de“avô”. Consciente da vantagem eleitoral, Kılıçdaroğlu tem
apelado ao voto junto dos mais novos, prometendo terminar com as políticas de
censura impostas pelo Presidente turco. “Eu digo às pessoas mais novas que
me podem criticar livremente. Eu farei de tudo para que tenham esse direito”,
disse o candidato, citadopela BBC.
▲ Maioria
dos jovens está com Kılıçdaroğlu AFP VIA GETTY IMAGES
O sismo
A 6 de fevereiro de 2023, um violento sismo devastou o
sul da Turquia. Quase 51 mil pessoas morreram e cerca de 108 mil ficaram
feridas. Nos dias e semanas seguintes, depois de os edifícios de localidades
inteiras terem sido reduzidos a pouco mais que pó e entulho, as autoridades
turcas detiveram perto de 200 pessoas, por suspeitas de irregularidades nos
processos de construção urbana.
Mas essa reação
não impediu que o Presidente turco fosse alvo de críticas pela forma como foi
gerida aquela catástrofe — sobretudo, pela falta de eficácia nas operações de busca e salvamento, mas também
pela falta de preparação das autoridades turcas para lidar com este tipo de
fenómenos extremos.
Em Antakya, uma
cidades destruídas pelos abalos do sismo, as eleições serão uma forma de
mostrar a insatisfação com o governo. Fethiye Keklik, uma mulher de 68 anos que
perdeu vários familiares por conta do terramoto, planeia mesmo “queimar o seu boletim de voto” no
momento em que for votar, como forma de protesto. “As nossas almas foram arrancadas. Ele [Erdoğan] não nos
protegeu. Ele apenas traz prejuízos”, contou à BBC.
Gozde Burgac, de 29 anos, também culpou o Presidente
turco pelos danos causados e pela falta de apoio após o sismo. “O governo era
obrigado a ajudar-nos, mas ninguém esteve aqui”, lamenta, detalhando que, nas
primeiras horas, só com os “esforços” da população foi possível resgatar várias
das pessoas que ficaram presas nos escombros.
▲ Os
danos do sismo na Turquia ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES
Mas nem todos são críticos do líder turco. À BBC,
Ibrahim Sener, de 62 anos, refere que o sismo “foi obra de Deus”, salientando
que o assunto não deve ser “politizado”. “Não foi o nosso Presidente que causou o sismo. O nosso Presidente fez o
seu melhor.”
A crise migratória
A Turquia está a braços com uma crise migratória. Na sequência da
guerra civil na Síria, vários migrantes deslocaram-se para outros países, um
dos quais a vizinha Turquia, que adoptou uma política de porta aberta. Em 2015,
a situação agravou-se e cada vez mais pessoas se dirigiram não só a território
turco, como também à Europa. A chegada de milhões de refugiados criou uma pressão nunca vista no sistema de asilo
europeu.
Tendo em conta que a Turquia era uma das principais
rotas de passagem dos migrantes, a União Europeia (UE) decidiu, em 2016,
acordar com os dirigentes turcos que todos “os novos migrantes irregulares que
chegassem às ilhas gregas provenientes da Turquia seriam devolvidos a este
último país”. A UE investiu três mil milhões de euros e financiou
projectos em solo turco “destinados aos refugiados, nomeadamente no domínio da
saúde, da educação, das infraestruturas, da alimentação e outras despesas de
subsistência”.
▲Migrantes na
Turquia ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES
Ora, isto levou a que mais migrantes permanecessem na
Turquia e as consequências estão à vista. “É uma grande desvantagem para Erdoğan”, opina Hakkı Taş. Ao
Observador, o especialista sinaliza que o Presidente turco tem tentado “evitar
discutir” estes problemas, não se comprometendo com uma solução que consiga
terminar com a crise migratória, que tem gerado cada vez mais anticorpos na
sociedade turca, especialmente devido à conjuntura económica.
Não obstante, de acordo com Hakkı Taş, a oposição
“tem evitado” da mesma forma atacar o governo nesta questão, uma vez que adopta
uma posição mais radical do que Erdoğan nesta temática. É que Kılıçdaroğlu quer rever, ou
mesmo revogar, o acordo dos migrantes com a União Europeia. “Isso vai afastar o Ocidente”,
nota o membro do Instituto Alemão de Estudos Globais.
A política externa com Erdoğan e Kılıçdaroğlu
Com a guerra
na Ucrânia, a Turquia ganhou relevo
diplomático ao ser um dos poucos países que conseguiu convencer a Rússia
a sentar-se à mesa de negociações, nomeadamente com a assinatura do acordo de
cereais através do Mar Negro (que também contou com o apoio das Nações Unidas).
Ao mesmo tempo que Erdoğan mantém
os canais de comunicação abertos com Moscovo, o líder turco apoia as
autoridades ucranianas, chegando mesmo a enviar armas — e não desiludindo os
parceiros da NATO.
▲As
negociações do acordo de cereais ARIF AKDOGAN / TURKISH DEFENSE MINISTRY PRESS
OFFICE / HANDOUT/EPA
Os
especialistas ouvidos pelo Observador concordam que o Presidente turco vai
manter, se vencer as eleições, as directrizes com que tem guiado a política externa
turca, tendo como pano de fundo “uma visão do grande papel que a Turquia pode
desempenhar não apenas em termos regionais, como também na comunidade
internacional”. “Ancara já não se vê como uma
ponte entre o Ocidente e o Oriente, mas aspira desempenhar um papel com mais
importância”,
sintetiza, em declarações ao Observador, Daria Isachenko, especialista na
política turca no Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança.
Tentar ganhar
influência no Médio Oriente, manter a cordialidade com a Rússia e não
desagradar o Ocidente parece ser a fórmula da política externa turca sob
Erdoğan. No entanto, estes objetivos não deverão alterar-se significativamente,
caso Kılıçdaroğlu seja eleito. “Não espero que haja mudanças significativas na política externa turca”, afirma Daria Isachenko,
posição apoiada por Berk Esen.
Na opinião do professor de Ciência Política na
Universidade de Sabancı, uma possível vitória de Kılıçdaroğlu poderá levar a uma
mudança na “forma”, mas não no “conteúdo” da política externa da Turquia. “Com
Erdoğan, muita da política externa era
influenciada pela presidência e era baseada nas relações pessoais entre os
líderes”, aclara Berk Esen, exemplificando: “O que havia não era uma relação
entre a Turquia e Rússia. Havia uma
relação entre Putin e Erdoğan, que era o que acabava por definir o
decurso de relações bilaterais dos países.”
▲ Putin e
Erdoğan ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES
Com Kılıçdaroğlu, o foco de poder vai “transferir-se
para o Ministério dos Negócios Estrangeiros”, prevê Berk Esen, acrescentando
que a Turquia “vai voltar a operar de
acordo com as regras das organizações internacionais” e vai agir de
forma mais “subtil”, preferindo encetar negociações nos bastidores do que
propriamente formar relações baseadas na confiança pessoal.
Ainda que de forma pouco explícita, e sempre pesando
as vantagens e desvantagens, os especialistas ouvidos pelo Observador sublinham
que Kılıçdaroğlu, se vencer as eleições, vai mudar ligeiramente a política
externa turca, aproximando-se do Ocidente. Por exemplo,
para Henri Barkey, a questão da adesão da Suécia à NATO deixaria de ser um
problema e Ancara ratificaria a adesão do país nórdico à aliança
transatlântica, levantando-se os obstáculos que Erdoğan tem imposto.
Para Ali
Bilgic, Kılıçdaroğlu vai tentar “reconstruir” as relações com o Ocidente,
principalmente com a União Europeia. Isso não vai significar, frisa, que ocorra
uma mudança “drástica” dos objectivos
de política externa — apenas que haverá uma aproximação.
▲ Kılıçdaroğlu
quer mudar ligeiramente as diretrizes da política externa turca ANADOLU AGENCY
VIA GETTY IMAGES
Sobre
a União Europeia, Berk Esen enfatiza que Ancara poderia “recomeçar” as
conversações para a adesão da Turquia ao bloco comunitário, um objectivo
partilhado por vários sectores da população, ainda que, ressalva, esse passo
dependa igualmente da vontade de Bruxelas. No que concerne aos Estados
Unidos, o especialista prevê que, com Kılıçdaroğlu à frente do país, haverá uma
maior cooperação na área da defesa.
Um
ponto que reúne unanimidade entre os especialistas é que as relações entre a
Rússia e a Turquia “perderiam importância” com a vitória de Kılıçdaroğlu. Porém, não
existiria um virar de costas entre Moscovo e Ancara. “Os russos não podem ser provocados, porque a
Turquia continua a precisar do gás barato”, frisa Henri Barkey. A relação
de confiança entre Erdoğan e Putin perder-se-ia invariavelmente, mas nunca
haveria um corte de relações.
No que diz respeito à Ucrânia, Henri
Barkey vaticina que continuará o apoio da Turquia ao país invadido pela Rússia.
Mas será difícil aprofundá-lo, já que Moscovo não pode ser por completo
hostilizada. “Acredito que vai haver cooperação com os Estados Unidos à porta
fechada sobre Kiev”, preconiza o professor de Relações Internacionais na
Universidade de Lehigh.
Num combate decisivo para a sua vida
política, Erdoğan vai tentar resistir.
Mas mesmo que os resultados das sondagens errem, a onda de apoio que
Kılıçdaroğlu conseguiu formar ao longo destas semanas poderá ser uma pedra no
sapato para o actual Presidente num possível futuro mandato. Já o actual líder
da oposição tem gigantescas expectativas sobre si — tem a possibilidade definir
um novo rumo para o país e desenhar uma Turquia sem a sombra do actual Chefe de
Estado.
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