domingo, 14 de maio de 2023

Razões palpáveis

 

Para a justificação da possível reviravolta eleitoral na Turquia, claramente referenciadas por José Carlos Duarte.

Por cá, o abstencionismo – impeditivo de mudança - será talvez mais impalpável – desinteresse de uma juventude apática, ou de uma etapa adulta - politicamente, preguiçosamente, vegetativamente - indiferente. Tudo isso abstractamente, nacionalmente sórdido.

Erdoğan enfrenta as eleições mais desafiantes da sua vida política e a oposição sonha com vitória. "Caos" no day after?

Sondagens dão vantagem a Kılıçdaroğlu, líder da oposição turca, que promete aproximar Ancara do Ocidente. Eleições são "questão de vida ou de morte" para Erdoğan — que pode não aceitar os resultados.

JOSÉ CARLOS DUARTE: Texto

OBSERVADOR, 12 mai. 2023, 23:356

Índice:

As preocupações com o day after

O que pode levar Erdoğan a perder as eleições?

A política externa com Erdoğan e Kılıçdaroğlu

Recep Tayyip Erdoğan enfrenta este domingo a maior prova de fogo da sua vida política. Aos 69 anos, após ter governado a Turquia durante vinte anos — inicialmente como primeiro-ministro, depois assumindo a presidência —, o Chefe de Estado viu a oposição unir-se numa alternativa liderada por Kemal Kılıçdaroğlu, que lhe pode causar uma derrota em toda em linha. Isto é uma questão de vida ou de morte para ele e para a sua entourage, comenta, ao Observador, o professor de Relações Internacionais na Universidade de Lehigh e especialista em assuntos turcos, Henri Barkey.

“Ele vai fazer de tudo para continuar no poder”, prossegue Henri Barkey. Porém, para Ziya Öniş, economista político e professor de Relações Internacionais na Universidade de Koç, em Istambul, os esforços de Erdoğan para conseguir ser reeleito não vão ter efeitos práticos. “Estou bastante confiante de que a oposição vai ganhar”, preconiza ao Observador.

As sondagens têm mostrado um cenário bastante positivo para Kemal Kılıçdaroğlu, que tem ficado à frente de Erdoğan por alguns pontos percentuais. De acordo com o último levantamento, realizado pela empresa de sondagens Konda e publicado esta quinta-feira, a oposição reúne 49,3% dos votos, enquanto o actual Presidente se fica pelos 43,7%. E estes números ainda não têm em consideração o anúncio da desistência do candidato de terceira via, Muharrem İnce, que concorreu contra o actual Chefe de Estado nas presidenciais de 2018.

Esperando obter um resultado entre os 2 a 3%, Muharrem İnce justificou a decisão de abandonar a corrida dizendo que o fez “pelo seu país”. “Não vai haver desculpas. Caso contrário, se perderem as eleições, eles culpar-nos-ão na manhã de segunda-feira”, assinalou, apelando — apenas de forma indirecta e nunca explícita — aos seus apoiantes para que votem na oposição a Erdoğan.

Nesse cenário — e se os votos de Muharrem İnce forem transferidos para Kemal Kılıçdaroğlu —, isso será suficiente para que a oposição consiga obter mais de 50% dos votos, a julgar pelos números apresentados nas sondagens divulgadas nas últimas semanas. Se esse cenário se concretizar, Kılıçdaroğlu vence as eleições logo à primeira volta, uma vez que, à semelhança do sistema eleitoral português, um candidato tem de reunir a maioria dos votos para ser eleito Presidente. Caso contrário, haverá uma segunda ronda, já marcada para dia 28 de maio.

As sondagens não são favoráveis para Erdoğan

HOW HWEE YOUNG/EPA

Tendo em conta o que aconteceu em eleições passadas, vários analistas ouvidos pelo Observador receiam que, caso Erdoğan perca, não se assista a uma transição pacífica e ordeira do poder, temendo-se um cenário de violência com “polícia nas ruas”. Outros, ainda assim, desdramatizam e consideram que as instituições turcas darão provas de ter a resistência necessária para sobreviver a uma possível tentativa de golpe de Estado.

As preocupações com o day after

As horas seguintes à divulgação de resultados, que começam a ser conhecidos às 19h00 deste domingo em Ancara (menos duas horas em Lisboa), prometem ser tensas. Considerando os resultados das sondagens, Erdoğan está a apostar na realização de uma segunda volta e espera que o adversário não consiga chegar aos 50% de votos, acredita Henri Barkey. “Se há uma segunda volta, as coisas ficarão mais complicadas [para a oposição] e veremos todos os tipos de manobras.”

Mesmo assim, à partida, Berk Esen considera que as eleições já não são “justas” para quem desafia Erdoğan. Em declarações ao Observador, o professor de Ciência Política na Universidade de Sabancı (localizada em Istambul) traça um cenário em que as condições são “desfavoráveis para a oposição”, exemplificando com o controlo do aparelho público por parte do atual Presidente, assim como o facto de a maior parte da comunicação social estar controlada pelos aliados de Erdoğan”.

Apoiantes de Erdoğan em Istambul GETTY IMAGES

Com as condições todas a seu favor, uma derrota nas urnas poderá ser uma humilhação para Erdoğan, que poderá resistir a entregar o poder ao opositor e pedir, por exemplo, uma recontagem dos votos. E no passado isso já aconteceu: nas eleições regionais de 2019, o partido do Presidente, o AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento), saiu derrotado por uma pequena margem nas duas principais cidades turcas (que governava há 20 anos): Istambul e Ancara.

No caso de Istambul, o Alto-Comité Eleitoral da Turquia deu razão a Erdoğan e ordenou uma nova votação para determinar quem seria o novo autarca. Mas Ekrem Imamoglu, do CHP (Partido Republicano do Povo), principal partido da oposição, liderado precisamente por Kılıçdaroğlu, venceu novamente as eleições. Mesmo após a repetição do ato eleitoral, o Presidente turco insistiu na ideia de que houve “roubo”.

Embora não tendo negado categoricamente que possa haver desacatos, Berk Esen opina que “não existe uma elevada probabilidade” de o actual Chefe de Estado“recusar ceder o poder”. “No final do dia, se a contabilização de votos der a vitória a Kılıçdaroğlu, Erdoğan não tem espaço para desafiar o sistema, mesmo que tente repetir as eleições”, diz.

"No final do dia, se a contabilização de votos der a vitória a Kılıçdaroğlu, Erdoğan não tem espaço para desafiar o sistema, mesmo que tente repetir as eleições" Berk Esen, professor de Ciência Política na Universidade de Sabancı

Adicionalmente, devido ao que aconteceu em Istambul há quatro anos, Berk Esen duvida de que Erdoğan queira repetir as eleições, porque sabe “que o resultado vai ser o mesmo”. “Não vai funcionar. O seu espaço de manobra é baixo”, vinca, assegurando que o risco de violência nas ruas “não é assim tão alto como alguns analistas têm dito”.

Opinião completamente distinta tem Hakkı Taş, membro do Instituto Alemão de Estudos Globais e especialista na política turca. “Se Erdoğan não vencer as eleições, pode esperar-se violência nas ruas incentivada por milícias pró-governo, pela máfia e por gangs, que deverão gerar um caos político. Isso tornará uma transição pacífica do poder bastante difícil”, expõe, em declarações ao Observador.

“Há certamente um risco de violência, especialmente se os resultados mostrarem uma margem de diferença relativamente pequena”, aponta, por sua vez, Henri Barkey. Este ponto de vista também foi partilhado ao Observador por Ali Bilgic, professor de Política Internacional na Universidade de Loughborough: “Depende da margem entre Kılıçdaroğlu e Erdoğan. Uma diferença acima dos quatro a cinco pontos percentuais reduz esse risco.

"Se Erdoğan não vencer as eleições, pode esperar-se violência nas ruas incentivada por milícias pró-governo, pela máfia e por gangs, que deverão gerar um caos político" Hakkı Taş, membro do Instituto Alemão de Estudos Globais e especialista na política turca

Por seu turno, Şebnem Yardımcı Geyikçi desdramatiza. Ao Observador, a especialista em assuntos turcos no Instituto de Ciências e Ética na Universidade de Bonn, na Alemanha, constata que o regime da Turquia pode ser caracterizado como “autoritário”, havendo sempre o risco de a transição de poder não ser “pacífica”. “Mas o que distingue a Turquia de muitos outros países na região é a sua longa tradição de eleições.”

Por isso mesmo, reforça Şebnem Yardımcı Geyikçi, os resultados eleitorais são vistos pela generalidade da população como “principal fonte de legitimidade, sagrada até, da validação de um novo Presidente”. Assim sendo, se Erdoğan perder e contestar os resultados, a especialista enfatiza que isso o levaria a perder “apoio popular”. “Não acho que um Presidente ou um governo aguentasse por muito tempo, dado que perderia completamente a legitimidade.”

O que pode levar Erdoğan perder as eleições?

O contexto interno turco pode dar resposta e a ajudar a compreender o motivo pelo qual as sondagens dão vantagem à oposição. A Turquia tem enfrentado vários problemas, como a inflação galopante, a crise migratória, um sismo que matou mais de 50 mil pessoas e a animosidade dos curdos — uma importante minoria étnica a que pertence 1/5 da população — relativamente ao actual Presidente.

Cartaz de Erdoğan com bandeira da Turquia por trás GETTY IMAGES

A questão dos curdos

Um dos grandes apoios de Kılıçdaroğlu nestas eleições são precisamente os curdos. O actual Chefe de Estado tem adoptado uma linha mais nacionalista, privando a minoria curda de direitos como o de falar a sua própria língua ou expressar a sua cultura publicamente. Daí que os líderes curdos tenham virado costas a Erdoğan, manifestando o seu apoio a Kılıçdaroğlu.

No entender de Ali Bilgic, a questão dos curdos, um povo sem país e que vive um pouco por todo o Médio Oriente, é “muito importante” para estas eleições. “O Partido de Esquerda dos Verdes (apoiado pelos curdos) é parte da aliança e anunciou o seu apoio ao candidato da oposição Kılıçdaroğlu”, explica o especialista, estimando que isso poderá representará cerca de “10 a 12% das intenções” de voto no principal opositor do actual Presidente. “Será um apoio crucial numa primeira e na segunda volta.”

Como prova da mobilização dos curdos para votarem em Kılıçdaroğlu, o professor de Política Internacional na Universidade de Loughborough indica que o líder dos curdos, Selahattin Demirtaş, que atualmente está detido, “tem activamente encorajado os seus seguidores a votarem em Kılıçdaroğlu”.

Manifestação a favor dos curdos NURPHOTO VIA GETTY IMAGES

Os problemas financeiros e os mais jovens

Um aumento de preços sem controlo e o desemprego acima dos dois dígitos têm gerado críticas da população à gestão económica de Erdoğan. Com taxas de juro excessivamente baixas que geraram uma forte desvalorização da moeda turca (a lira), a inflação chegou aos 85,51% no último ano.

Em declarações à France 24, Howard Eissenstat, especialista na economia turca na Universidade de St. Lawrence, refere que, embora a Turquia tenha crescido economicamente no último ano, isso não se reflectiu na qualidade de vida dos cidadãos. “O quotidiano dos cidadãos turcos está a sofrer impactos de variadas formas. A classe média está a ter dificuldades tremendas em manter um padrão normal de consumo. Colocar comida na mesa tornou-se uma luta.”

Ainda assim, apesar das dificuldades que existem, Howard Eissenstat não acredita que a conjuntura económica seja o principal motivo que poderá levar Erdoğan a perder — o Presidente turco tem, aliás, procurado apresentar soluções a aplicar no imediato para compensar o eleitorado neste domínio. Numa corrida contra o tempo, e para cativar o eleitorado de classe média, o Presidente turco anunciou esta quarta-feira um aumento de 45% do salário dos funcionários públicos (uma medida que afecta cerca de 700 mil pessoas do sector público, que passarão a receber um salário de, no mínimo, 15 mil liras, ou 700 euros).

Nem todas as classes etárias ficam convencidas, porém, com as soluções económicas de Erdoğan. As sondagens mostram que os mais jovens estão mais afastados do atual Presidente turco, com o desemprego (acima dos 20%, no caso da população mais jovem) a levar a que muitos abandonem o país à procura de melhores condições de vida. 

"O quotidiano dos cidadãos turcos está a sofrer impactos de variadas formas. A classe média está a ter dificuldades tremendas em manter um padrão normal de consumo. Colocar comida na mesa tornou-se uma luta"

Howard Eissenstat, especialista na economia turca na Universidade de St. Lawrence

À Reuters, Erman Bakirci, analista político da empresa de sondagens Konda Arastirma, descreve que os mais jovens estão “muito zangados e sem esperança” com as políticas seguidas pelo Presidente turco nos últimos anos. “Eles veem através da internet e das redes sociais que os seus pares na Europa têm mais oportunidades. Eles veem que a diferença tem sido cada vez maior [nos últimos anos]. Eles têm falta de segurança económica e política. Eles querem livrar-se desta situação.”

A falta de liberdades políticas também afasta o eleitorado mais jovem, que corresponde a 10% daqueles que vão às urnas no domingo. “Os que vão votar pela primeira vez são mais modernos e menos religiosos do que o eleitor típico”, explica ainda Erman Bakirci.

Em comparação com Erdoğan, o líder da oposição é visto, pela generalidade da população mais jovem, como o rosto da esperança, ganhando inclusive a alcunha de“avô”. Consciente da vantagem eleitoral, Kılıçdaroğlu tem apelado ao voto junto dos mais novos, prometendo terminar com as políticas de censura impostas pelo Presidente turco. “Eu digo às pessoas mais novas que me podem criticar livremente. Eu farei de tudo para que tenham esse direito”, disse o candidato, citadopela BBC.

Maioria dos jovens está com Kılıçdaroğlu AFP VIA GETTY IMAGES

O sismo

A 6 de fevereiro de 2023, um violento sismo devastou o sul da Turquia. Quase 51 mil pessoas morreram e cerca de 108 mil ficaram feridas. Nos dias e semanas seguintes, depois de os edifícios de localidades inteiras terem sido reduzidos a pouco mais que pó e entulho, as autoridades turcas detiveram perto de 200 pessoas, por suspeitas de irregularidades nos processos de construção urbana.

Mas essa reação não impediu que o Presidente turco fosse alvo de críticas pela forma como foi gerida aquela catástrofe — sobretudo, pela falta de eficácia nas operações de busca e salvamento, mas também pela falta de preparação das autoridades turcas para lidar com este tipo de fenómenos extremos.

Em Antakya, uma cidades destruídas pelos abalos do sismo, as eleições serão uma forma de mostrar a insatisfação com o governo. Fethiye Keklik, uma mulher de 68 anos que perdeu vários familiares por conta do terramoto, planeia mesmo “queimar o seu boletim de voto” no momento em que for votar, como forma de protesto. “As nossas almas foram arrancadas. Ele [Erdoğan] não nos protegeu. Ele apenas traz prejuízos”, contou à BBC.

Gozde Burgac, de 29 anos, também culpou o Presidente turco pelos danos causados e pela falta de apoio após o sismo. “O governo era obrigado a ajudar-nos, mas ninguém esteve aqui”, lamenta, detalhando que, nas primeiras horas, só com os “esforços” da população foi possível resgatar várias das pessoas que ficaram presas nos escombros.

Os danos do sismo na Turquia ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES

Mas nem todos são críticos do líder turco. À BBC, Ibrahim Sener, de 62 anos, refere que o sismo “foi obra de Deus”, salientando que o assunto não deve ser “politizado”. “Não foi o nosso Presidente que causou o sismo. O nosso Presidente fez o seu melhor.”

A crise migratória

A Turquia está a braços com uma crise migratória. Na sequência da guerra civil na Síria, vários migrantes deslocaram-se para outros países, um dos quais a vizinha Turquia, que adoptou uma política de porta aberta. Em 2015, a situação agravou-se e cada vez mais pessoas se dirigiram não só a território turco, como também à Europa. A chegada de milhões de refugiados criou uma pressão nunca vista no sistema de asilo europeu.

Tendo em conta que a Turquia era uma das principais rotas de passagem dos migrantes, a União Europeia (UE) decidiu, em 2016, acordar com os dirigentes turcos que todos “os novos migrantes irregulares que chegassem às ilhas gregas provenientes da Turquia seriam devolvidos a este último país”. A UE investiu três mil milhões de euros e financiou projectos em solo turco “destinados aos refugiados, nomeadamente no domínio da saúde, da educação, das infraestruturas, da alimentação e outras despesas de subsistência”.

Migrantes na Turquia ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES

Ora, isto levou a que mais migrantes permanecessem na Turquia e as consequências estão à vista. “É uma grande desvantagem para Erdoğan”, opina Hakkı Taş. Ao Observador, o especialista sinaliza que o Presidente turco tem tentado “evitar discutir” estes problemas, não se comprometendo com uma solução que consiga terminar com a crise migratória, que tem gerado cada vez mais anticorpos na sociedade turca, especialmente devido à conjuntura económica.

Não obstante, de acordo com Hakkı Taş, a oposição “tem evitado” da mesma forma atacar o governo nesta questão, uma vez que adopta uma posição mais radical do que Erdoğan nesta temática. É que Kılıçdaroğlu quer rever, ou mesmo revogar, o acordo dos migrantes com a União Europeia. “Isso vai afastar o Ocidente”, nota o membro do Instituto Alemão de Estudos Globais.

A política externa com Erdoğan e Kılıçdaroğlu

Com a guerra na Ucrânia, a Turquia ganhou relevo diplomático ao ser um dos poucos países que conseguiu convencer a Rússia a sentar-se à mesa de negociações, nomeadamente com a assinatura do acordo de cereais através do Mar Negro (que também contou com o apoio das Nações Unidas). Ao mesmo tempo que Erdoğan mantém os canais de comunicação abertos com Moscovo, o líder turco apoia as autoridades ucranianas, chegando mesmo a enviar armas — e não desiludindo os parceiros da NATO.

As negociações do acordo de cereais ARIF AKDOGAN / TURKISH DEFENSE MINISTRY PRESS OFFICE / HANDOUT/EPA

Os especialistas ouvidos pelo Observador concordam que o Presidente turco vai manter, se vencer as eleições, as directrizes com que tem guiado a política externa turca, tendo como pano de fundo “uma visão do grande papel que a Turquia pode desempenhar não apenas em termos regionais, como também na comunidade internacional”. “Ancara já não se vê como uma ponte entre o Ocidente e o Oriente, mas aspira desempenhar um papel com mais importância, sintetiza, em declarações ao Observador, Daria Isachenko, especialista na política turca no Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança.

Tentar ganhar influência no Médio Oriente, manter a cordialidade com a Rússia e não desagradar o Ocidente parece ser a fórmula da política externa turca sob Erdoğan. No entanto, estes objetivos não deverão alterar-se significativamente, caso Kılıçdaroğlu seja eleito.Não espero que haja mudanças significativas na política externa turca”, afirma Daria Isachenko, posição apoiada por Berk Esen.

Na opinião do professor de Ciência Política na Universidade de Sabancı, uma possível vitória de Kılıçdaroğlu poderá levar a uma mudança na “forma”, mas não no “conteúdo” da política externa da Turquia. “Com Erdoğan, muita da política externa era influenciada pela presidência e era baseada nas relações pessoais entre os líderes”, aclara Berk Esen, exemplificando: “O que havia não era uma relação entre a Turquia e Rússia. Havia uma relação entre Putin e Erdoğan, que era o que acabava por definir o decurso de relações bilaterais dos países.”

Putin e Erdoğan ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES

Com Kılıçdaroğlu, o foco de poder vai “transferir-se para o Ministério dos Negócios Estrangeiros”, prevê Berk Esen, acrescentando que a Turquia “vai voltar a operar de acordo com as regras das organizações internacionais” e vai agir de forma mais “subtil”, preferindo encetar negociações nos bastidores do que propriamente formar relações baseadas na confiança pessoal.

Ainda que de forma pouco explícita, e sempre pesando as vantagens e desvantagens, os especialistas ouvidos pelo Observador sublinham que Kılıçdaroğlu, se vencer as eleições, vai mudar ligeiramente a política externa turca, aproximando-se do Ocidente. Por exemplo, para Henri Barkey, a questão da adesão da Suécia à NATO deixaria de ser um problema e Ancara ratificaria a adesão do país nórdico à aliança transatlântica, levantando-se os obstáculos que Erdoğan tem imposto.

Para Ali Bilgic, Kılıçdaroğlu vai tentar “reconstruir” as relações com o Ocidente, principalmente com a União Europeia. Isso não vai significar, frisa, que ocorra uma mudança “drástica” dos objectivos de política externa — apenas que haverá uma aproximação.

Kılıçdaroğlu quer mudar ligeiramente as diretrizes da política externa turca ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES

Sobre a União Europeia, Berk Esen enfatiza que Ancara poderia “recomeçar” as conversações para a adesão da Turquia ao bloco comunitário, um objectivo partilhado por vários sectores da população, ainda que, ressalva, esse passo dependa igualmente da vontade de Bruxelas. No que concerne aos Estados Unidos, o especialista prevê que, com Kılıçdaroğlu à frente do país, haverá uma maior cooperação na área da defesa.

Um ponto que reúne unanimidade entre os especialistas é que as relações entre a Rússia e a Turquia “perderiam importância” com a vitória de Kılıçdaroğlu. Porém, não existiria um virar de costas entre Moscovo e Ancara. “Os russos não podem ser provocados, porque a Turquia continua a precisar do gás barato”, frisa Henri Barkey. A relação de confiança entre Erdoğan e Putin perder-se-ia invariavelmente, mas nunca haveria um corte de relações.

No que diz respeito à Ucrânia, Henri Barkey vaticina que continuará o apoio da Turquia ao país invadido pela Rússia. Mas será difícil aprofundá-lo, já que Moscovo não pode ser por completo hostilizada. “Acredito que vai haver cooperação com os Estados Unidos à porta fechada sobre Kiev”, preconiza o professor de Relações Internacionais na Universidade de Lehigh.

Num combate decisivo para a sua vida política, Erdoğan vai tentar resistir. Mas mesmo que os resultados das sondagens errem, a onda de apoio que Kılıçdaroğlu conseguiu formar ao longo destas semanas poderá ser uma pedra no sapato para o actual Presidente num possível futuro mandato. Já o actual líder da oposição tem gigantescas expectativas sobre si — tem a possibilidade definir um novo rumo para o país e desenhar uma Turquia sem a sombra do actual Chefe de Estado.

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