sábado, 20 de maio de 2023

Daqui ninguém nos tira

 

Está visto. Os comentários acentuam o “ridículo de uma tragédia” que definitivamente nos apouca e que Alberto Gonçalves magistralmente expõe.

O regular falecimento das instituições

A “oposição” insiste em exigir vigorosamente a demissão do professor Galamba. É o mesmo que confiscar um canivete a um gangue armado com bazucas.

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador                   OBSERVADOR, 20 mai. 2023, 00:23

 “O prestígio das instituições é fundamental”, diz o prof. Marcelo. O homem com certeza fala da Noruega. Em Portugal, com a cumplicidade de Sua Excelência, já não resta nada de institucional, e muito menos de prestigiado. O que há é o que se tem assistido, como na morte assistida, na novela da TAP: um Estado entregue a arruaceiros indignos do respeito necessário para administrar uma empresa unipessoal de missangas. Podia notar-se que a coisa se agrava de semana para semana. Não é preciso: é claro que a coisa se agrava, dado que a permissividade da semana anterior contamina a seguinte. E assim sucessivamente. Quando se deixa o “governo” (o conteúdo não corresponde ao conceito) em rédea livre, o “governo” tende a exibir a sua natureza com crescente nitidez. Se não se parar de cavar o fundo do poço, o poço não terá fundo.

Em benefício do rigor, não devemos engolir as declarações à CPI de Frederico Pinheiro, ex-adjunto do prestigiadíssimo professor Galamba, sem as confrontar com o pujante contraponto do seu antigo chefe e da chefe de gabinete deste, ambos com prestações firmes, genuínas, coerentes e sobretudo esclarecedoras.

Não, agora a sério: o depoimento do dr. Pinheiro não se limitou a mostrar o enorme buraco a que descemos: sugere que, na previsível falta de consequências, em breve o buraco será maior. Por enquanto, estamos no ponto em que o SIS serve os desvarios privados de “governantes”, inclusive mediante recurso a telefonemas ameaçadores a cidadãos incómodos. O ponto em que “governantes” oferecem socos à distância a adjuntos. O ponto em que adjuntos são encurralados e atacados no ministério por causa de informações pelos vistos impossíveis de copiar e confinadas a um único computador. O ponto em que, a somar às entidades oficiais e em cumprimento de ordens, inúmeros serviçais remunerados ou voluntários saem da toca a chamar impostor e desequilibrado ao adjunto que até há dias, e durante anos, era exemplo de lealdade. Não tarda estaremos noutro ponto, mais grotesco, mais irreversível, mais inimaginável. E se todos os acontecimentos, todos os métodos, todas as mentiras e toda a impunidade tresandam a ditadura de terceiro mundo, isso não é Impulse, e sim uma constatação óbvia de quem não vive no Twitter a glorificar o Líder.

O Líder. O Líder responde, com maus modos, pelo nome de António Costa e é a figura central da transformação da nossa frágil democracia numa autocracia sólida. O engraçado é que não parece. A cada novo “escândalo” – ou pouca-vergonha, ou crime –, a responsabilidade, a haver (o que é raro), verte inteirinha sobre a insignificância que se puser a jeito. No episódio em apreço, despachados o ex-adjunto (que não colaborou) e a dra. Eugénia (que colaborou), a insignificância disponível é o professor Galamba, um rapaz que fazia recados ao eng. Sócrates e já então prometia pancada a qualquer criatura com que não se cruzasse fisicamente. A existir, o professor Galamba não passa de um boneco. Só que, aparentemente, o dr. Costa nunca possui sombra de relação com os bonecos que pendura no seu “governo”, cujas acções são invariavelmente alheias ao sujeito que invariavelmente lhes puxa os fios.

Para boa parte dos “media” e a totalidade dos devotos, tamanha capacidade de fugir à culpa pelas próprias acções eleva o dr. Costa a um estatuto superior de político. É ao contrário: rebaixa o nosso estatuto de cidadãos. A lendária “habilidade” do dr. Costa, de facto um caso de miséria, esgota-se na veneração dos devotos e a na protecção de boa parte dos “media”. E na misteriosa subjugação da “oposição”, que não fora o gatafunho gráfico levaria com dezassete aspas. E no misterioso apoio da sumidade que formalmente ocupa o cargo de presidente da República.

No momento em que escrevo, que é o momento em que os derradeiros e pequeninos vestígios da legitimidade terminam de desabar com estrondo, a “oposição” insiste em exigir vigorosamente a demissão do professor Galamba. É o mesmo que confiscar um canivete a um gangue armado com bazucas. O PSD, verdade seja dita, passou a incluir nas exigências a demissão da senhora das “secretas”, a “bem da dignidade”. Logo, segundo o dr. Montenegro, basta enxotar um aldrabão e a obscura chefe do SIRP para isto se tornar imediatamente digno. O dr. Montenegro é um optimista. Ou um brincalhão. Ou um cínico munido de uma sofisticadíssima estratégia para desgastar o dr. Costa lentamente e substituí-lo em década, década e meia.

Sobra o prof. Marcelo, e sobrar é o verbo adequado. Ontem, o prof. Marcelo convidou os jornalistas para uma conversa ligeira nos jardins de Belém. Entretanto, lembrou-se de que talvez fosse ridículo mostrar-se apenas para dizer que continua atento e cancelou a conversa. Duas horas depois, conversou com os jornalistas para confirmar que não haveria conversa e informá-los de que continua atento.

Atento a quê, se não for indiscrição perguntar? Para usar uma expressão em voga, o “governo” ultrapassou as linhas vermelhas há tanto tempo e de tal maneira que as linhas sumiram no horizonte, muito lá para trás. Do que precisa Sua Excelência para enxotar esta gente? De vídeos de ministros a profanar cadáveres? De uma alternativa de poder robusta? De sondagens a castigar a inacreditável subserviência de Sua Excelência? Não imagino qual das opções ocorrerá primeiro. Mas aposto que o regime fica para último.

GOVERNO   POLÍTICA   PRESIDENTE MARCELO   JOÃO GALAMBA   PS    ANTÓNIO COSTA

COMENTÁRIOS:
Cupid Stunt
: Mais uma vez, sublime descrição do esgoto a céu aberto em que tudo isto, há muito, se tornou....

Maria Tubucci: Excelente descrição da putrefacção institucional, AG.  A instituição governo de Portugal morreu em 2015. Agora, 2023, temos as consequências, a decomposição acelerada das instituições. Previsível? Sim. Quando um derrotado suportado por uma colecção de derrotados, usurpa o poder e para o manter vai buscar a quadrilha que anteriormente tinha levado à bancarrota o país, nada de bom ao país poderia advir dessa acção. Houve tansos que acreditaram, dando posteriormente a maioria absoluta ao derrotado, lixaram o país. A quadrilha está óptima, já espalharam os seus tentáculos pelo estado fora, têm o futuro garantido, sustentados pelos impostos dos portugueses e pela protecção particular do SIS, criaram raízes e todo o Portugal é seu. A “oposição” ou tem medo da quadrilha ou é igual. Acho que tem medo, pois a tarefa de fazer nascer instituições sadias exigirá um esforço ciclópico. Costuma dizer-se que, há mais mares que marinheiros, mas com um PR ao sabor do vento é complicado alterar o rumo, ter marinheiros que arrisquem.                    Vitor Batista: Mas que raio esconde aquele computador, caro AG? Esconde toda a podridão do regime, a podridão dos DDT, a podridão de um país sem esperança e sem horizonte, a podridão de quem deveria zelar e actuar contra este estado de delito criminal às claras, a podridão de um povo acéfalo, cobarde e ignorante, que encolhe os ombros e nada faz, a cada episódio desta grotesca novela.                  Alexandre Barreira: Pois. Ah grande AG. Esta versão ChatGPT. Do Lobo mau e o Capuchinho Vermelho. Está divinal. O Problema é a "avózinha". E os três porquinhos....!                     observador censurado: Excelente artigo.  Ainda dizem que Portugal não investe na cultura. Se escritores e realizadores não conseguirem fazer boas obras com tanto material disponível, mais vale mudarem de profissão. E façam logo em inglês para rebentar com a concorrência internacional porque isto é real, tem qualidade e o selo de garantia da União Europeia.                    Eduardo Cunha: excelente artigo, parabéns.                Filipe Costa: Alberto, bateu tão forte que só me pergunto, isto começou com uma indemnização de 500 mil euros, alguém puxou o fio e o novelo era extenso. O que mais se passará nas outras empresas públicas? Isto bateu no fundo e comprámos pás para afundar ainda mais.                   Maria Paula Silva > Filipe Costa: e o fio ainda não foi todo puxado. Tudo farão para encobrir muita coisa e provavelmente conseguem que não venha tudo ao de cima... mas não nos iludamos ao pensar que isto é #tudo o que há para saber# ...                   observador censurado > Filipe Costa: Quando a novela dos comboios estiver disponível, cujos realizadores e financiadores são os mesmos da novela dos aviões, irei imediatamente fazer o "download" para me rir um bocado. Estes realizadores têm jeito e não lhes falta dinheiro. Por isso, deve estar também para sair: a novela dos hospitais, a novela dos tribunais e outras a não perder.               F. Mendes: Excelente artigo. Ficará para referência futura a alguns curiosos, que daqui a uns anitos - não muitos, temo - se darão ao trabalho de tentar perceber o que diacho aconteceu a uma Nação com 900 anos de independência e 400 anos de História Gloriosa. No presente, resume-se aqui uma boa parte das nossas misérias, cuja visibilidade é cada vez maior. E, no entanto, os antecedentes da situação a que chegámos estavam à vista de todos; para quem quisesse ver, claro. Muito embora a CS seja enviesada, isso não explica tudo, longe disso. Mais preocupante, é a falta de ambição, rigor e exigência de muita gente neste país, ou do que dele sobra. E quanto ao Marcelo, respondo à pergunta formulada pelo Alberto Gonçalves, no final do seu artigo: Marcelo, actuará quando a podridão do regime trouxer a sua preciosa popularidade ainda mais para baixo. Mesmo a questão de uma eventual falta de alternativa, passará, tal como o resto, para segundo plano. Porque temos na "pr" um homúnculo com a maturidade de um pré- adolescente, a profundidade de um La Palisse, a utilidade de um furúnculo no traseiro, e a genuinidade de uma Lili Caneças. Sem ofensa, nas comparações que aqui deixo, com destaque para o furúnculo no dito cujo. Rir, amargamente, é o que nos resta. Até ver.               Maria Paula Silva > F. Mendes: ahahahah muito bem! os furúnculos doem que se farta!!!! Lol Quanto àquilo que nos falta, acrescentaria - se me permite, que para além da ambição, rigor e exigência, falta-nos qualidade. Brio. O esforço de sermos a melhor versão de nós próprios. Porque se esta é a melhor versão do povo português, estamos mal. Muito bom e muito obrigada, AG! Vamolávê  o que mais virá por aí.... mas isto parece ter entrado numa montanha russa sem fim. O que importa é que se apure a verdade, doa a quem doer! Estaremos atentos! :))                F. Mendes > Maria Paula Silva: Sobre o doa a quem doer, leia o meu comentário. Ai!

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