O certo é que o “estar” - acompanhado das
“provisões externas essencialmente
dignificantes para o próprio e seus congéneres, escolhidos a dedo”, que a
característica do “ser” entendeu não comparáveis a outros quaisquer requisitos de
consciência, próprios do “ser” - excedeu este na sua mais valia plutocrática,
que dilatou amplamente esse “estar” ministerial, sem luta escrupulosa com o “ser”,
o qual, provavelmente até nunca foi - digo, de escrúpulo.
A diferença da essência entre “ser” e “estar”
O Primeiro-Ministro português mantém o
seu foco de intervenção longe dos grandes temas nacionais, justificando-se a
pergunta: o que guardará a sociedade civil e o País do consulado de António
Costa?
HENRIQUE BICHA CASTELO Professor
Catedrático de Cirurgia, Faculdade de Medicina de Lisboa
OBSERVADOR, 08
mai. 2023, 00:072
No
passado dia 18 de abril, véspera da comemoração dos 50 anos de fundação do
Partido Socialista, António Costa, em modo de entrevista à CNN Portugal,
promoveu uma visita guiada sobre a sua “vida” no PS.
Prestou
uma dignificante homenagem à memória do Pai, assumido “comunista radical”, com
quem começou a aprender “a ser pessoa” e de quem diz diferenciar-se pelo
radicalismo ideológico.
Discorreu
sobre a vida, disse que entrou para Juventude Socialista aos 14 anos e
assume-se como “político profissional […] somos todos”, não sem ironicamente
salientar a excepção de “Cavaco Silva que não se considerava como um
profissional quando, de facto, foi o maior de todos”.
É
esta perspectiva de António Costa que tomo como mote para lembrar ao Senhor
Primeiro-Ministro que as essências das duas verdades da sua afirmação são
distintas e se contradizem na ilação final.
A primeira é sobre as diferenças entre “ser” e “estar” e a essência
do modo como se repercutem nas perspectivas, atitudes e comportamentos do
exercício profissional.
Profissional é alguém
que exerce, ou se relaciona, com uma profissão, que faz uma coisa por ofício.
E,
por linear elementaridade de conhecimento, sabemos que o verbo
“ser” dá o sentido “de existência e características” enquanto “estar” manifestando lugar
e tempo, define o “estado” e delimita momentos da acção de uma pessoa, ou
coisa.
Depois
da formação académica básica, para que qualquer “profissional de ofício” possa
exercer a sua profissão, independentemente da diferenciação, tem de estar
credenciado através de um processo, sempre longo, que comprova competência no
ofício.
Os
profissionais dos ofícios forjam-se no mundo do trabalho e na sociedade civil,
têm vida prática, técnica, académica ou científica e, por nelas trabalharem por
dentro, conhecem a realidade da alma mater da profissão e das sociedades.
A
competência destes “profissionais dos ofícios” mede-se pela comprovação do
mérito que lhes é reconhecido pelos pares, perante evidências e resultados
concretos e palpáveis tanto nas obras e nas fábricas, como nos hospitais,
escolas, empresas ou academias.
Quando esses profissionais assumem cargos públicos, é porque querem
estar na política.
O
“profissional da política”, depois de elementar formação académica e formatação
nas “jotas”, não carece de qualquer credenciação “oficinal” para o exercício da
carreira, pela simples razão de saber que não têm ofício.
E
quando, porventura, é sugerido que, para melhorar a qualidade, deveriam ser
criadas escolas específicas, como aconteceu com a sugerida “Escola de
Autarcas”, a resposta foi imediata porque “os eleitos não precisam de ir para
uma escola de formação”, fim de citação.
É por isso que o mérito dos
profissionais da política é medido menos por conhecimentos resultantes de
estudos e dissertações expressas em teses de mestrado e doutoramento, com
inquestionável enriquecimento humano e valor académico, mas sem outra qualidade
antes de comprovadas na prática, e mais pelo número de votos obtidos,
independentemente da qualidade metodológica “da caça” e verdades utilizadas.
A
segunda é sobre a qualificação do profissionalismo de ambas as personalidades
referenciadas, em que a resposta, mais que um rotundo sim, é de que o são nos
mais elevados patamares de análise.
Mas,
são profissionais idênticos? A resposta é claramente, não!
Para
melhor fundamentação do meu pensamento recorro à similitude
de Lisboa com Bruxelas, no que às
cúpulas do poder diz respeito.
Lá,
vemos Charles Michel
que, com a política no sangue herdada do pai, aos 24 anos e logo após concluir
a licenciatura em Direito, foi eleito para o Parlamento Federal Belga em 1999.
Um ano mais tarde passou a assumir funções no Governo, passou por várias
pastas, foi Presidente da Câmara de Wavre e Primeiro-Ministro do País em 2014.
Em 2019 foi eleito para a Presidência do Conselho Europeu. Extraordinário
exemplo de um estrondoso percurso de sucesso de um brilhante carreirista da
política.
Ao
invés, Úrsula van der Leyen
licenciou-se em Medicina, ganhou mundo nos EUA e UK e é mãe de 7 filhos. Aos 45
anos, com uma preenchida carreira hospitalar e académica em Ginecologia,
sentindo-se atraída por um novo trabalho, “princípio querido aos alemães”,
mudou de ofício, deixou-se tentar pela política e, depois de eleita em março de
2003 para o Parlamento Estadual de Baixa Saxônia, iniciou uma Carreira que
a trouxe até à presidência da Comissão Europeia.
Conclusão óbvia da minha parte é que,
sendo ambos profissionais, Charles Michel é profissional da política,
objectivamente sem ofício, e Ursula van der Leyen, depois de uma sólida
carreira como médica, está agora a exercer um cargo profissional na política.
Porquê o recurso a esta analogia?
Porque,
com as mesmas regras de jogo, em Bruxelas como em Lisboa, o riso larvar com que
Charles Michel, a cobro de eventuais protocolos diplomáticos, não se inibe de
assumir atitudes indignas face aos mais elementares patamares de educação e de
descortesia político-social, é exemplo, por excelência, da diferença entre “ser
político”, com o lastro da qualidade do profissional com que, educada e
responsavelmente, Ursula van der Leyen “está na política”.
Senhor Primeiro-Ministro, aqui tem, au grand complet, o cenário que
mostra como em Lisboa nada vemos de diferente quando olhamos para Bruxelas.
Naquela
sua visita guiada, António Costa mostrou que a sua trajectória de vida e
carreira política são decalque das de Charles Michel, deixando-me perceber a
ilação do porquê dos próximos e tão ambicionados desafios!
Independentemente
da inteligência, capacidade de trabalho e resiliência por demais comprovadas, e
o brilhante profissional da política que é, o Primeiro-Ministro português
não tem, comprovadamente, vida fora da política e nesta, por opção, inação,
ausência de coragem ou incapacidade para perceber a necessidade de empreender
as profundas reformas estruturantes que o País exige, mantém o seu foco de
intervenção longe dos grandes temas nacionais, justificando-se a pergunta que,
repetitivamente, me surge.
O
que guardará a sociedade civil e o País do consulado de António Costa?
A propósito de Cavaco Silva, que cito
apenas pela referida tirada de António Costa, direi que é um professor catedrático
credenciado, com obra académica respeitada e a gravitas académico-política
intacta, comprovada pelo eco estrondoso com que o PS continua a reagir a
qualquer das suas intervenções e que, independentemente da valoração com que
cada português o adjective, deixou obra e um enorme legado público.
É
nisto que reside a verdade do engano de António Costa em relação a Aníbal
Cavaco Silva.
É a experiência adquirida no exercício prático da vida que dá corpo
e substância profissional que, com a associação cumulativa de talento, valores,
integridade, dedicação, empenho, foco e experiência com que individualmente se
qualificam, permite perceber que fazer política é defender os interesses das
pessoas e do País e, não, à outrance, os do clientelismo partidário.
Senhor
Primeiro-Ministro, como lhe pretendi mostrar nesta breve catequese, sendo
inequívocas as condições e o modo como invoca a qualificação “profissional”, o
Senhor está errado porque, com tão díspares credenciações e trabalho
concretizado em “obra feita”, não pode pretender confundir pelo up to the job,
actores com tão diferenciadas provas de “ser da” e “estar na” vida política.
É verdade que os resultados dão poder, só que os de uns medem-se
pelo “produto que acrescenta valor” e
os dos outros pelos “votos que dão força”.
Para
os menos atentos à diferença substantiva do “ser” e do “estar” na essência
conceptual de “profissional na política”, lembro o antigo e trágico episódio da
“estrada de Borba”.
Recordarão
que, em 2018, apesar dos sérios e repetidos avisos de risco em que se
encontrava há anos, uma estrada de acesso a Borba acabou por desabar,
provocando mortes.
No
local e em plena demonstração da sua elevada condição de profissional da
política, o Primeiro-Ministro, depois de circunstanciada análise do problema,
afirmou “não reconhecer a evidência de culpas do Estado”.
Porém,
ao Presidente da República, profissional que está na política, não foi alheia a
essência do problema e corrigindo, disse que “uma coisa é o que se chama
no Direito uma responsabilidade objetiva, que existe independentemente da
outra, que é a responsabilidade subjetiva e que é, em concreto, a das
instituições ou pessoas que podem ser responsabilizadas pelo que aconteceu”.
Em
mais uma das suas aulas a António Costa, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa
concluiu que “há uma responsabilidade subjetiva e uma responsabilidade objetiva
[…] não há dúvidas que o Estado falhou”.
Por
fim, e ainda a este propósito, não posso deixar de ressalvar a verdade com
que António Costa, espontaneamente apesar da ironia, acabava de reconhecer que,
de facto, “Cavaco Silva que não se considerava como um profissional foi, de
facto, o maior de todos”, fim de citação.
Senhor
Primeiro-Ministro, sabe que o Professor Abel Salazar dizia que “o médico que só
sabe de medicina, nem de medicina sabe?”
Por prática e dever de ofício, devo
chamar a sua atenção para a profundidade do eco desta verdade médica na
política portuguesa e, para a diferença do “ser e estar” que agora relevo,
peço-lhe que faça uma simplista análise comparativa entre o “mundo e
experiência de vida” das personalidades que, desde há 49 anos, têm vindo a
integrar os sucessivos Governos de Portugal.
Basta esta simples análise para que
se perceba o “porquê” do estado em que está o País.
Atrevo-me
a recordar a António Costa que Bernard Shaw, com a verdade que os tempos
comprovam, disse que “os que sabem fazem, os que não sabem ensinam e os que não
sabem ensinar, ensinam como se ensina” e peço-lhe que nos demonstre que não era
a si que, premonitoriamente, Fernando Pessoa, também, se referia quando disse
que “lideres fracos fazem fracas fortes gentes”.
Antes
que a ruína das instituições seja irrecuperável, olhe em redor, ouça quem tem
de ouvir, esqueça doutrinas cegas e deslocadas da espuma destes tempos e a
dependência “amiguista” do Partido Socialista para, sendo profissional da
política, não esquecendo a ambição, rigor, exigência e modernos modelos de
desenvolvimento trabalhar numa lógica de desenvolvimento nacional dizendo, se
necessário for “que se lixem as eleições”, porque se a convicção for evidente,
a sua razão será percebida e, como sabe por experiência vivida, acabará a
ganhar essas mesmas eleições.
Claro
que só o conseguirá se tiver a humildade de reconhecer, capacidade de perceber
e determinação, engenho e arte bastantes para fazer!
COMENTÁRIOS:
João Floriano: Vem mesmo a
propósito: encontrei no Expresso algo que recomendo vivamente. Escrevam na
barra: Expresso Blitz. Recordar é viver. o primeiro ministro António Costa aos
14 anos na televisão com Paulo de Carvalho, Fernando Tordo e Carlos Mendes. Não
dou o link porque cada vez que o faço vou para moderação, não percebo porquê. É
caso para perguntar se o adolescente e magro António Costa escolheu a política
depois de perceber que não ia ter grande futuro como apresentador. Confessa as
suas raízes comunistas. Daí se compreende o orgulho que sentiu por ter
derrubado o muro, embora tenha durante anos enganado o eleitorado que pensava estar
a votar num socialista mas estava na verdade a dar o voto ao PCP.
Fernando CE: Muito bem. E
veja-se a bandalheira e mediocridade dos governos de António Costa e ainda a
boçalidade como se comporta. Vida profissional não lhe é conhecida (para se ser
advogado a sério é necessário muito investimento em termos de trabalho e nos um
ou dois anos em escritório de amigos) e obra muito menos, já la vão 8 anos.
Apenas a “ compra” de eleitores com migalhas de subsídios e distribuição de
tachos a fiéis e amigos.
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