Demonstração – mais uma, esta de José Ribeiro e Castro, correcto e
explícito - do erro discursivo e
actuante de António Costa, ao contrariar, em grosseira soberba, a decisão de um
superior hierárquico, macaqueando – uma vez mais –um ofício que até lhe dá bons
proventos, devia respeitá-lo por isso mesmo, já que lhe é indiferente o país
que atraiçoou – na própria língua e no povo que lhe serviu para trepar mas que risonhamente
despreza, tal como mostrou desdenhar esse superior hierárquico.
A responsabilidade política
As instituições entram, assim, em
degradação geral. Acrescentando às figuras constitucionais de demissão do
governo e de dissolução do Parlamento, vemos surgir uma novidade: a diluição política geral.
JOSÉ RIBEIRO E CASTRO Advogado e cidadão
OBSERVADOR, 22
mai. 2023, 00:1510
1Na
noite de 2 de Maio, quando decidiu manter o ministro João Galamba, contrariando
a posição do Presidente da República, o primeiro-ministro António Costa
defendeu a teoria da “imputabilidade” para haver responsabilidade política.
Disse: “Não posso prescindir de um membro do Governo que deu provas ao longo
dos anos da sua competência e dedicação ao serviço público nestas funções que
exerce, porque se entende que há uma responsabilidade abstracta pelo facto
de ele ser ministro.”O pensamento afirmado pelo primeiro-ministro foi
que a “única actuação” de Galamba foi demitir um colaborador que “estava a
omitir documentação” e que ao ministro “não lhe é imputável pessoalmente
qualquer falha”. E acentuou a necessidade de “imputabilidade”,
afirmando: “A minha consciência diz-me que não posso imputar ao doutor
João Galamba nenhum acto ou omissão que determinem a sua demissão.”
Este é um erro basilar. A
responsabilidade política é independente de culpa.
A responsabilidade criminal, a
responsabilidade civil, a responsabilidade disciplinar, a responsabilidade
financeira envolvem culpa – aliás, com excepções na responsabilidade civil. Já a responsabilidade política não depende de culpa,
por uma razão simples: nada tem a ver com justiça. Não é “crime e castigo”, é
de outra ordem.
A
responsabilidade política corresponde, por um lado, ao dever de qualquer
político responder pelos seus actos ou omissões, prestar contas, estar sujeito
a escrutínio; e, por outro lado, à avaliação, a todo o tempo, sobre se tem, ou
não tem, condições para continuar no exercício das suas funções e poder
assegurar as suas funções, responsabilidades e tarefas. É esta última vertente
– a avaliação das condições políticas – que pode implicar a demissão de um
político, ou porque ele próprio se demita, ou porque deva ser afastado.
2Não
há julgamento. É uma decisão instantânea.
Pode ser precedida por um período de desgaste até que a ausência de condições
políticas se torne indubitável – muitas vezes é assim, porque o político não é
lesto a perceber que está fora de pé. Mas a decisão é repentina, não é
proferida no fim de uma instrução. Fosse a responsabilidade criminal,
civil, disciplinar, financeira, não seria exercida sem processo com garantias,
apreciação lenta e decisão madura, fundamentada em sentença ou equivalente. Na
responsabilidade política, é ao contrário: constatada a falta de condições para
continuar, quanto mais depressa for exercida, melhor. Arrastar situações
politicamente insustentáveis mina a estabilidade e gera o apodrecimento.
Actos
desastrados, gestos inconvenientes, palavras incendiárias, praticados com culpa
pelo político também accionam, é claro, a responsabilidade política. O mesmo
acontece com factos de responsabilidade criminal ou outras da competência dos
tribunais – também podem accionar a responsabilidade política, havendo culpa. Mas também sem culpa. Por exemplo, se um político for investigado
judicialmente ou julgado por matéria criminal pesada, deve afastar-se ou ser
afastado, independentemente de a culpa estar estabelecida e podendo vir a ser
absolvido ou até a provar-se a sua inocência. O que releva, no plano da
responsabilidade política, não é a culpa comprovada, mas a impossibilidade de
continuar em funções na pendência das suspeitas ou acusações. Pode tratar-se
até de facto de familiar, sócio ou amigo; ou pode ser desastre natural,
acidente grave ou catastrófico, acontecimento fortuito. O que
releva não é a culpa ou a responsabilidade pessoal e directa, mas que o facto
em causa e seus efeitos provoquem para o político ausência de condições
políticas para prosseguir. A culpa no facto perturbador aumenta a exigência de
responsabilidade política e convoca-a nas duas vertentes: porque,
tendo culpa, o político é responsável pelo facto; e, porque, tendo ou não
culpa, o facto em si é de tal ordem e intensidade que abalou fortemente ou
destruiu as condições de exercício. O fundamental é o sarilho, não a culpa no
sarilho.
O
relevante é a deterioração acentuada das condições políticas. Se esta
deterioração se produziu para além do razoável e aceitável, se os riscos de
continuação em funções são enormes, se o facto ocorrido produz forte inibição
de desempenho, a situação deve ser atalhada – e quanto mais rápido, melhor. Se o próprio não o
faz por si mesmo, quem dirige o enquadramento político deve determiná-lo.
3No
caso do ministro João Galamba,
o caso é óbvio. Diríamos até
um exemplo de escola. Primeiro, se disso se tratasse, o ministro alguma
culpa terá nos factos acontecidos. A questão nunca foi “a de demitir um
colaborador” (embora o Chega a suscitasse na Comissão Parlamentar de Inquérito
para efeitos de teatro, é matéria da inteira e exclusiva liberdade
discricionária do ministro). A questão é tudo o que rodeou e motivou a
demissão, a pancadaria na Barbosa du Bocage e o seu alastramento
catastrófico até ao SIS – o Estado ao serviço de um partido e da explosão
temperamental. Mas, mesmo sem cuidar da culpa quanto aos factos,
estes valem por si mesmos e pelos efeitos produzidos. É mais económico e enxuto
não entrar na discussão da culpa e olhar directamente aos factos e seus efeitos.
Tudo
quanto se tem passado desde 2 de Maio era
previsível que iria acontecer. E continuará. Assim como já fervia, a crescer,
desde 26 de Abril. Um ministro das Infraestruturas não tem condições para
exercer o cargo no epicentro desta querela em quatro andamentos (“a TAP
lembram-se?”, as reuniões secretas, a pancadaria e o SIS), quando tem
matérias importantíssimas do país para tratar e ficou afogado neste enredo e
dele prisioneiro.
O
Partido Socialista tem, na sua história, exemplos das duas atitudes: o de que a
responsabilidade política muito importa e o de que a responsabilidade política
nada importa.
O maior exemplo da primeira é
o caso de Jorge Coelho. Em 2001,
quando ruiu a ponte em Entre-os-Rios, vitimando tragicamente dezenas de pessoas
que a atravessavam num autocarro, Jorge Coelho, ministro do Equipamento Social
(as Infraestruturas da altura), apresentou de imediato a demissão. Não
tinha obviamente a menor culpa na tragédia, mas “assumindo a
responsabilidade política” pelo acidente,“não ficaria bem com a [sua] consciência
se não o fizesse”. E determinou um inquérito para “a culpa não morrer
solteira”. O exemplo ficou
como alta referência de dignidade pessoal e política. E o caso da ponte, complexo, duro e doloroso, pôde
ser investigado sem o ministro a arder diariamente, nem o governo a afundar-se
com ele.
Da segunda atitude, o exemplo
notório mais recente é o de Eduardo Cabrita. Em 2020, foi a morte violenta do ucraniano Ihor
Homeniuk, nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa. Em 2021, houve o
atropelamento mortal de um trabalhador de manutenção de vias na A6, pela
viatura de serviço em que o ministro era transportado. Os casos foram tratados
de forma inábil e descuidada. O primeiro foi trepando na hierarquia até atingir
a Directora Nacional do SEF.
E, na tentativa de não passar daí para cima, redundou objectivamente em responsabilização colectiva do SEF, motivando a decisão desastrada de reforma com
desmantelamento do SEF, que, três anos depois, ainda se arrasta inconclusa. O segundo caso, foi pior. Por um lado, é evidente que
o ministro Eduardo Cabrita não era culpado do atropelamento mortal, terrível
infelicidade. Mas o facto de não ser assumida a delicadeza da situação e a
inerente responsabilidade política, retirando-se o ministro, levou a que se
agravasse continuamente, o ministro acabasse, meses depois, por sair em baixa e
esteja, hoje, a ter de responder em tribunal. Asseguram-me
que Eduardo Cabrita quis várias vezes sair e só ficou por insistência do
primeiro-ministro. Não sei. Mas é óbvio que se, até em sinal de luto, tivesse
saído logo e o governo mostrasse entender que um ministro responsável pela
segurança rodoviária não podia manter-se em funções na infelicidade de estar
num acidente mortal (para mais, em circunstâncias de excesso de velocidade),
não teria acontecido a constante degradação política e pessoal do caso.
Qual é o paradigma que, dos dois,
o Partido Socialista quer seguir?
4O
juízo e a aplicação da responsabilidade política não são imperativos. Nem no
acto, nem no modo. Como tudo o que é política, dependem da ponderação que
se faça, que assenta em juízos de necessidade, adequação, oportunidade ou
conveniência. E, quando
envolva ponderação de justiça não é de justiça judiciária, mas de justiça ética
e de senso comum. Por isso, quer o ministro, quer o primeiro-ministro têm
obviamente a liberdade de ponderar e de escolher. Podem-no fazer bem ou fazer
mal. Com as respectivas consequências.
João Galamba andou bem ao demitir-se, cerca das 20h00 do dia 2 de
Maio, afirmando que “a preservação da dignidade e a imagem das instituições é
um bem essencial que importa salvaguardar” e querendo também proteger “a minha dignidade, a da
minha família e a das pessoas que comigo trabalharam no Gabinete e que foram
nestes últimos dias gravemente afetadas”. Lembro bem que logo se sentiu no ar
alívio e desanuviamento. Foi breve, contudo.
O
primeiro-ministro cortou logo o alívio, pelas 20h45, anunciando não aceitar a
demissão, embora pedindo “desculpa a todos os portugueses pelo incidente
deplorável ocorrido no Ministério das Infraestruturas”, que imputou ao adjunto
demitido pelo ministro. Assim extinguiu o desanuviamento que fugazmente se
sentira. Repôs fragorosamente o imbróglio em cima da mesa. Abriu
divergência pública com o Presidente da República sobre o critério a aplicar. E
destruiu o gesto anterior do ministro, por deixar a ideia de que foi tudo
combinado. Não há dignidade horária. Não se veneram gestos sobre que impende um
efeito Cinderella: uma demissão que se desvanece ao sinal horário, no caso não
à meia-noite, mas às oito e três quartos.
Habitualmente,
a encenação não melhora estes casos. O ministro teve, acertadamente, a noção de
que sair era essencial para preservar “a dignidade e a imagem das instituições”.
Agora, a continuação em funções tem tudo para fazer alastrar o mal. Desde
logo, sobre si próprio: quando se deixa ou se empurra alguém para uma fogueira,
não se pode esperar outra coisa senão vê-lo queimar-se e acabar esturricado. A
seguir, sobre o conjunto do governo, inevitavelmente contaminado pelos efeitos
colaterais ou de grupo. Enfim, na maioria parlamentar, que mais se desacredita
ao dar cobertura e apoio expresso ao insustentável, demonstrando não se
importar com a razão, mas apenas com ser maioria tutti-frutti, isto é,
para tudo o que quer que seja.
5 As
instituições entram, assim, em degradação geral. Acrescentando às figuras constitucionais de
demissão do governo e de dissolução do Parlamento, vemos surgir uma novidade: a
diluição política geral.
É
nisto que estamos, à espera de saída.
GOVERNO POLÍTICA JOÃO GALAMBA PS
COMENTÁRIOS:
Maria Soares: Muito bom...! Mas esta gente,
sempre de "consciência tranquila (como se tivesse consciência...!) assim
não o entende; e é isto a degradação paulatina que, nos últimos 20 anos, tem
minado e esboroado o país... nem sei se alguma vez recuperará...!
João Pereira: Parabéns pela clareza do artigo! Ana Maia: Não é preciso justificar, acho que as responsabilidades são claras para
todos menos para os socialistas que perante a quantidade de casos de polícia
deste governo só se lembram que o Cavaco disse que o BES era seguro e
convenientemente se esquecem dos quase 4000 milhões que lá metemos. António
Fernandes: A raposa vai de vento em popa, tal como a ex ministra
coveira do SNS já é vedeta televisiva e radiofónica (esteve na RR nas
brincadeiras das 3 da manhã); o menino do papá ( o arrogante P Nuno Santos) vai
ser comentador da SIC (Sociedade Irmãos Costa); também a raposa, se se
candidatar, o po(b)o vai dar-lhe maioria ( já começou a comprar os idosos) a
maioria do povo português gosta de levar .., Alexandre Barreira: Pois. E a "pedra-no-sapato. Do CDS-PP. Ainda deve
estar a "morder"....!
Manuel Andrade: António Costa sabe isso tudo.
Mas à semelhança de outras truques pretendeu com este passe reinventar o
conceito de responsabilidade política. Quem se deve estar a rir nesta altura é
o outro delfim - Pedro Nuno Santos - que assumiu a responsabilidade política. bento guerra: Felizmente, há o Chega Ricardo Pinheiro Alves: Muito bem. É isto mesmo. E mostra a falta de cultura política do primeiro
ministro e a sua incompetência para o cargo que ocupa. Fernando CE: Nem mais. Mas um político hábil e treinado não dá necessariamente um
Estadista. É o caso de António Costa, que se viu de que fibra era feito, ao
nomear os seus amigos para o primeiro governo, em vez de escolher os mais
capazes dentro da sociedade civil. Pai e filha e marido e mulher ministros, um
amigo para o dossier TAP sem contrato público inicial, amigos da faculdade,
etc. Este segundo governo, com menos
amigos, mas no geral mais fracos em competência, diz bem da inteligência
superior do personagem. Reformas zero.
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