quinta-feira, 25 de maio de 2023

Justas preocupações

 

Nas propostas do discurso moral de Salles da Fonseca, a que os seus comentadores – Carlos Traguelho e Adriano Miranda Lima – dão o devido relevo, citando exemplos de homens íntegros na política portuguesa, separados por menos de um século  Fontes Pereira de Melo e Salazar – que impondo regras, foram essencialmente construtores de uma ideologia que respeitava os valores morais e históricos por que se rege Salles da Fonseca e todos os que igualmente os prezam. Sim, é boa a democracia, mas desde que se prezem os princípios da dignidade humana, o que Salles da Fonseca põe em causa, nestes tempos de exigência e lamúria, plenos de servilismo e desatenção pelo que realmente importa, pese embora outros valores, que terão de ser naturalmente respeitados, se não se quiser destruir o espaço que habitamos.

DA CONDIÇÃO PAISANA - 3

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO. 23.05.23

A dignidade da pessoa implica o respeito mútuo na prossecução do bem comum periodicamente sufragado em regime directo e universal iniciado em liberdade de expressão e concluído com o voto secreto.

A dignidade implica o livre arbítrio entre o bem e o mal, entre o exercício de direitos e cumprimento de obrigações ou pelo incumprimento destes e abuso daqueles. A liberdade implica responsabilidade. A irresponsabilidade é indigna.

E basta de axiomas!

* *

Num ambiente pós-moderno de insaciável hedonismo, já são pelo menos duas as gerações de portugueses educadas no princípio de que tudo lhes é devido e de que nada devem a ninguém: direitos superlativos e obrigações a roçar o nihilismo. Para pessoas assim educadas, não faz qualquer sentido o princípio eminentemente democrático que afirma que a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade do próximo.

E agora?

Agora urge…

pugnar pela solidariedade combatendo o egoísmo que se instalou por deturpação da liberdade individual;

incutir na juventude algum espírito de missão com vista a grandes propósitos comuns aos diversos modelos de bem comum perfilados em democracia,

introduzir na temática cívica conceitos como respeitabilidade, disciplina, aprumo e honorabilidade do serviço ao bem comum.

A chamada destes valores à ribalta tem a ver com a necessidade sentida de parametrização da sociologia quântica em que o Ocidente está a mergulhar.

(continua)

Maio de 2023

Henrique Salles da Fonseca

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COMENTÁRIOS:

Anónimo 24.05.2023 14:52:

Tens toda a razão quanto às três acções que explicitas no final do teu post, mas como fazê-lo numa conjuntura em que (e para não ir mais longe) a chamada Ética Republicana não é mais do que um “chavão” quase vazio de conteúdo? Ainda ontem, um canal de televisão divulgou aspectos escabrosos de uma investigação judiciária denominada “tutti-frutti”. Entre outras coisas, uma girl esclarecia o cacique partidário, fazedor de empregos a boys e girls, que se estava nas “tintas” (a expressão era mais malcheirosa) para o lugar, o que queria era ordenado. E conseguiu-o, pois, hoje fui informado que está na empresa municipal de Lisboa que multa os automobilistas. Pergunto o que a nossa geração, Henrique, e as adjacentes à nossa fizeram, ou não fizeram, para que chegássemos a um estado tal de degradação, onde campeia a corrupção, a irresponsabilidade, a incompetência e a falta de vergonha na esfera pública?

Poderás dizer que não é só cá. Certo, mas em termos relativos não deveremos ocupar um lugar honroso no ranking. Por outro lado, há que verificar qual a nossa tendência e a dos outros países. Será que não estamos pior, nesses domínios, do que antes? Tendo a responder afirmativamente, embora de forma empírica. Acresce que noutros países (ainda muito recentemente em França) vê-se a Justiça a funcionar. Sarkozy que o diga (e vai continuar a dizer, pois ainda tem mais dois processos). Inspirado no comentário do Senhor Coronel Adriano Lima ao teu post imediatamente anterior, sugeria que devia ser obrigatório o estudo de Fontes Pereira de Melo para todos os membros de Governo e de Autarquias, talvez aprendessem alguma coisa e tentassem imitá-lo. Aprendemos nas Escolas muito pouco sobre ele, infelizmente. Por sorte, temos uma boa biografia sua escrita por Maria Filomena Mónica (2009). Respigo algumas passagens, do capítulo “Conclusões”: Quando morreu, “o cemitério dos Prazeres encheu-se de funcionários e militares, de patrões e trabalhadores, de nobres e burgueses. Nas ruas, milhares de pessoas apinharam-se para ver o cortejo”; “Depressa se percebeu que, após a morte de Fontes, nada voltaria a ser como dantes”; “Todos reconheciam que Fontes transformara, de forma irreversível, o Portugal da 2ª metade dos oitocentos”; “Fontes destacava-se pela sua honestidade. O dinheiro nunca teve, para ele, a menor importância. Nem sequer possuía casa própria”; “Autoritário no Partido, Fontes era tolerante. Enquanto viveu, o País gozou de uma liberdade de expressão ímpar”;“Fontes não se limitou a mandar construir vias férreas, pontes e estradas. O seu papel na estabilização do regime foi, se alguma coisa, mais importante. A partir da década de1870, o País passou a dispor de um partido de governo e, na década de 1880, de uma oposição credível. (…) Em vez de grupelhos, dando origem a governos instáveis, apareceram famílias políticas”; “Sem a confiança que Fontes infundia aos capitalistas, é duvidoso que a economia tivesse crescido como, apesar de tudo, cresceu. Com ele no governo, os financeiros – estrangeiros e nacionais – deixaram de temer os golpes militares, as guerras civis, os motins de rua. Era mais apetecível investir em Portugal do que em países mais ricos, mas turbulentos”.
Henrique, haverá algum “Fontes” disponível por aí? Abraço amigo.
Carlos Traguelho

Adriano Miranda Lima 24.05.2023 17:33:

As incumbências citadas na parte conclusiva do texto são imprescindíveis para a afirmação da dignidade humana, e esta é o único regime político em que ela encontra salvaguarda. Mas a democracia precisa de ter uma ecologia adequada e constantemente parametrizada para que não sofra maus tratos e possa ser a via para a realização dos fins humanos. Nenhuma outra existe que salvaguarde a condição humana e a considere valor absoluto. A vida humana e a dignidade da pessoa humana só na democracia encontram resguardo e garantia de sobrevivência.

Agora mesmo, respondi sobre um artigo de alguém que defende exactamente o contrário, que considera que a democracia é um regime que em Portugal desde sempre, como agora quer fazer crer, faliu em toda a linha. Isto porque se baseia em toda a instabilidade artificial criada actualmente por certos partidos para conseguirem derrubar o actual governo.
Respondi assim, de uma forma que me apetece transcrever:

"Até compreendo o desencanto do articulista sobre a nossa dificuldade (ou predisposição genética) em não conseguir viver em democracia ou com ela conviver, até porque em alguma medida eu próprio já me imiscuí nessa tese. De facto, algumas evidências são actualmente preocupantes e deviam funcionar como alerta. E repare-se que os sintomas mais graves não provêm propriamente do povo em si mas das chamadas elites, sejam elas políticas, sociais, económicas ou intelectuais, embora estas em menor grau. O povo sempre entraria nos carris se as elites estivessem verdadeiramente à altura da sua função histórica. Desta maneira, pegando nas palavras do articulista, então teremos de concluir que, ao contrário de outros povos europeus, estamos condenados in saeculo saecula saeculoram a "estuporar" a democracia, como escreveu Pacheco Pereira em recente artigo Ora, considero que tudo o que é do foro da antropologia e sociologia não pode compadecer-se com análises simplistas e radicais como as do articulista em causa. É ver o que Edgar Morin teoriza sobre as complexidades da natureza humana e das sociedades humanas e do seu quadro evolutivo natural. Tive a pachorra, há uns 3 anos, de ler os 7 volumes da biografia de Franco Nogueira sobre Salazar. Fiquei a saber muito mais do que até então sabia. Sobretudo, consegui analisar e penetrar na personalidade de Salazar sem preconceitos mentais ou ideológicos. E até concluí, ou fui levado a concluir, que Salazar foi uma personalidade moldada em função da alma do seu povo, mas que, por paradoxo ou ironia, sentia certo desprezo (sociologicamente) pelo povo simples de onde proveio. No entanto, ao contrário do que parece supor o articulista, e o partido CHEGA e outros, Salazar é um reflexo cada vez menos nítido no espelho da alma dos portugueses. E se o refiro é porque parece haver quem entenda que a única solução viável para o país é o antídoto para a democracia ou uma qualquer solução que a reverta no nosso panorama político. Aqui é que me permito pensar que o articulista estará equivocado. É que simplesmente Salazar era um homem inteligente, e, embora tenha tido uma visão petrificada da história durante o seu mandato, não acredito que o seu pensamento não viesse a evoluir caso, por qualquer milagre biológico, tivesse sobrevivido, imune ao tempo. O mundo não parou no mesmo sítio e Portugal também não teria parado. A minha conclusão é que, apesar de todos os seus defeitos, os portugueses merecem continuar a lavrar na democracia os caminhos para o seu futuro." Conclusão, acredito que os seres humanos são mais do que uma realidade biológica, essencialmente são espíritos. E a dignidade da sua condição é a sua única e verdadeira riqueza. Até hoje não se descobriu outro regime político que a salvaguarde melhor que a democracia.

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