Através de nomes que passaram por nós, no desconhecimento
das suas ilustres figuras, e só lhes sofrendo o efeito das suas ambições e
vaidades de poder. Extraio da Internet o seguinte passo, para aclarar a análise
política de CARLOS MARIA BOBONE e de alguns seus comentadores, sobre
Henry Kissinger, de quem se falou naquele tempo de concentração nas nossas
próprias lutas de animais acuados, a tentar sobreviver.
NOTAS DA INTERNET:.
«Um
praticante de Realpolitik, Kissinger desempenhou um papel proeminente na
política externa dos Estados Unidos entre 1969 e 1977, sendo pioneiro na
política de détente com a União
Soviética, orquestrando
uma abertura de relações com a República
Popular da China, engajando no
que ficou conhecido como "shuttle diplomacy" ("diplomacia de
transporte") no Oriente Médio após a Guerra do Yom
Kippur e a
negociação dos Acordos de Paz
de Paris, que encerrou
o envolvimento americano na Guerra do
Vietnã. Kissinger
também se viu associado a políticas controversas como o envolvimento dos
Estados Unidos no Golpe de
Estado no Chile em 1973, deu sinal
verde para a Junta Militar
Argentina em sua Guerra Suja e garantiu apoio americano ao Paquistão durante a Guerra
de Independência de Bangladesh apesar
do genocídio perpetrado pelos paquistaneses. Depois de deixar o governo, ele formou
a Kissinger Associates, uma firma de consultaria geopolítica.
Kissinger escreveu pelo menos uma dúzia de livros sobre história diplomática e relações
internacionais.
Henry
Kissinger continua sendo uma figura controversa e polarizadora na política
americana, venerado por
alguns como um Secretário de Estado altamente eficaz e condenado por outros por
supostamente tolerar ou apoiar crimes de guerra cometidos
por nações aliadas durante seu mandato. Uma pesquisa feita em 2015 por
estudiosos de relações internacionais, conduzida pelo College of
William & Mary, classificou Kissinger como o secretário de Estado dos Estados
Unidos mais eficaz nos cinquenta anos anteriores até 2015. Com a morte do centenário George Shultzem fevereiro
de 2021, é o ex-membro do gabinete dos
Estados Unidos mais velho
vivo e o último membro sobrevivente do Gabinete de
Nixon. »
Henry Kissinger: o pensamento movediço de um homem frio
Atropelou alguns aliados,
deixou cair outros, por vezes sem escrúpulos. Tudo por uma forma alargada de
ver a política. No centenário do homem-solução, lembramos a filosofia que ajudou
a mudar o mundo.
OBSERVADOR, 27 mai. 2023, 11:0711
É difícil não nos deixarmos
fascinar por Henry Kissinger. Um daqueles fascínios culpados
e magnéticos por esta estranha figura
com uma frieza que não quadra com uma ambição burlesca de tão óbvia, com um
escopo intelectual larguíssimo, mas vulnerável às maiores mundanidades, sempre
à procura de uma solução original, tão próximo do desastre e do grande êxito.
Kissinger (nascido a 27 de maio
de 1923 em Fürth, na Alemanha) é um filho da segunda guerra, mais um dos judeus alemães que atravessaram o Atlântico
para escaparem à perseguição nazi e encontraram nos Estados Unidos um mundo que
os absorveu e os engrandeceu como nunca na Europa poderia acontecer. Kissinger, que não era propriamente um herdeiro magnata, entrou na
América nos tempos de liceu, passou da escola à tropa e da tropa, num daqueles
encontros fortuitos que abrilhantam o sonho americano, ao mundo académico. Aos
vinte e poucos anos entregava em Harvard uma tese monumental sobre o
significado da História, seguido daquela que se tornou a sua primeira obra
publicada, cheia de pistas para o seu pensamento que só passados estes anos
podem ser verdadeiramente percebidas: Um mundo
reconstruído: Metternich, Castlereagh e os problemas da paz (1957).
Kissinger podia ser mais um académico erudito, mesmo
que Harvard facilitasse a sua integração nos programas de governo. Não
escasseiam os teóricos das relações internacionais discretos que tiveram
passagens pelo governo americano, quer em serviços de consultoria, quer em
organismos mais permanentes; Kissinger,
no entanto, não só procura sempre alargar o a influência e o poder dos seus
projetos – é o caso do OCB, que Kissinger transformou, de um órgão marginal
dentro do Conselho Nacional de Segurança, numa organização até problemática de
tão influente – como deixa transparecer uma vontade de se dar com gente
influente e um inegável fascínio pelo poder. Os seus anos como diretor do
Seminário Internacional de Harvard mostram isso mesmo: um Kissinger diplomata, sempre à procura de alargar a sua influência,
de um modo que o tornará, anos depois, tão polémico quanto essencial para
Nixon.
▲Com os presidentes Richard Nixon,
Gerald Ford e Barack Obama GETTY
IMAGES
A entrada de
Kissinger na vida política partidária dá-se pela mão de Nelson Rockefeller,
o republicano moderado que governou
Nova Iorque e chegou a vice-presidente dos EUA durante a presidência de Ford.
Kissinger trabalhava já há uns anos para o Rockefeller Brothers Found, pelo que
quando Nelson Rockefeller se decide candidatar à primárias republicanas
– coisa que aconteceu várias vezes – Kissinger é um conselheiro natural.
Esta aliança com Rockefeller experimentá-lo-á dentro das estruturas do GOP e
abrirá o caminho para a sua entrada no governo de Nixon.
Muito se tem
escrito, já, sobre a relação entre
Nixon e Kissinger. O americano típico e o cidadão
do mundo, o básico e o cínico, o directo e o oblíquo, o cultivado e sofisticado
professor de Harvard, conselheiro do bem-pensante Nelson Rockefeller, junto do
obstinado, insensato e provinciano Nixon. Que
seria a prova da ambição de Kissinger, da sua falta de escrúpulos, até de uma
hipocrisia que se manifestaria nos círculos intelectuais, em que Nixon seria um
dos alvos preferidos de chacota de Kissinger. A verdade é que Kissinger encontrou em Nixon um
presidente que lhe deu um poder que poucos Secretários de
Estado tiveram na história. Antes do Watergate,
Kissinger sai do governo como o arquitecto
da aproximação à China, do pouco duradouro cessar-fogo no Vietname, da
contenção da ameaça comunista em boa parte da América do Sul, entre tantas
outras coisas. Todas elas serão certamente
controversas, mas uma coisa é certa: para todos os problemas, Kissinger é
capaz de encontrar soluções criativas (mesmo que muitas vezes desastrosas) e de
as enquadrar num quadro estratégico mais vasto, que dota a sua política externa
de um cunho indubitavelmente pessoal. Poucas vezes a política externa americana
foi tanto de um secretário de Estado como a de Nixon foi de Kissinger.
Kissinger encontrou em Nixon um presidente que lhe deu
um poder que poucos Secretários de Estado tiveram na história. Antes
do Watergate, Kissinger sai do governo como o arquitecto da aproximação à
China, do pouco duradouro cessar-fogo no Vietname, da contenção da ameaça
comunista em boa parte da América do Sul, entre tantas outras coisas.
É preciso conter a União
Soviética? Kissinger volta à sua tese do equilíbrio de poder e reforça a China,
numa jogada indirecta que recria o tabuleiro europeu saído de Viena. É
preciso conter a expansão do comunismo em África? Reforçam-se os laços com a Rodésia,
mesmo que moralmente a América repudie Ian Smith. É
verdade que Kissinger atropela uns aliados – como no caso do Vietname – e deixa
cair outros – como no caso português, que serviria como a famosa “vacina” anti-comunista capaz de proteger o sul da Europa – sem
grandes escrúpulos e com uma frieza quase amoral; no entanto, também é
verdade que todas as suas práticas podem ser reconduzidas a um modo mais alargado de pensar o mundo e
Kissinger foi, como poucos, capaz de explicar esse modo de pensar o mundo.
É por isso que,
embora a intervenção política de Kissinger não possa de maneira nenhuma ser
ignorada, nos interessa sobretudo explorar o
seu pensamento. Mais: embora a ação de
Kissinger se vá formando com a prática e seja sempre reconduzível a um grande
quadro de pensamento, está também refém de alguns óbvios defeitos de
personalidade que conduziram a desastres quer de imagem – como na famosa
entrevista a Oriana Fallaci – quer bélicos, como no caso do Camboja, em que a
sua subserviência ficou também à vista.
O pensamento de
Kissinger tem uma coerência e uma grandeza em certa medida inesperada. Os
equilíbrios de poder que estudou no princípio da sua carreira estarão presentes
no modo como encara a guerra fria e em toda a sua teoria das relações
internacionais. A ideia de que a Europa de Metternich consegue a paz através,
não de uma irmandade ideológica ou de um domínio de uma ideia sobre outras, mas
da coexistência baseada na consciência de que nenhum poder teria forças para se
sobrepor a todos os outros, tem uma óbvia ressonância quer na ideia de que é
possível manter uma guerra fria com a sua política de détente, quer
na ideia de que é necessário acrescentar um poder à equação – no caso, a China
– para evitar um conflito aberto.
▲AS
viagens de Kissinger: com Pinochet; a entrar num avião da TAP; com Mao Tsé
Tung; e num encontro com Vladimir Putin
O que é interessante, porém, é que esta ideia do
equilíbrio de poder choca, na perspetiva do próprio Kissinger, se não com a
política externa americana desse Monroe, pelo menos desde Wilson. A legitimidade da acção externa americana está tradicionalmente escorada,
não numa qualquer diuturnidade de poder, não num poder fáctico – aquele poder
que existe e que é entendido como tal, não importa se é justo ou não – mas numa
ideia de liberdade como um valor que deve ser garantido e que não pode ser
ameaçado nos Estados Unidos.
Ora, um dos
pontos mais interessantes do seu livro Diplomacia (1994) está no modo
como Kissinger consegue mostrar que esta ideia pode ser torcida de maneiras
suficientes a ponto de significar tudo e o seu contrário. Podemos usar a doutrina Monroe
para explicar que os Estados Unidos são sempre pela paz de tal modo que adotam
uma política não-intervencionista radical, recusando a ideia da guerra como um
mal necessário, mas também a podemos usar para mostrar que um cerco
anti-liberdade é um perigo para a liberdade dos Estados Unidos, levando assim o
exército americano a intervir em conflitos em que é a liberdade que está em
jogo. O esvaziamento da doutrina Monroe e a sua substituição por uma
ideia de Realpolitik que acaba, ainda assim, por funcionar como uma
justificação para a manutenção da paz, para se evitar uma guerra aberta ou um
conflito total entre potências é, assim, um dos grandes feitos ideológicos de
Kissinger.
Mesmo que ignoremos os escândalos e os desastres, a aparente
indiferença com que se joga com os destinos do mundo e se sacrifica uma ordem
pacientemente construída em troca de uma ideia brilhante, todo este
brilhantismo parece sempre construído sobre areias movediças, como se nos pudesse levar, através de
ideias justas e sensatas, até crimes impensáveis.
É preciso dizer,
no entanto, que esta sua ideia traz também alguns problemas na própria concepção
da geoestratégia mundial. O insucesso diplomático de Kissinger em África
vem, em grande parte, da subestimação do papel ideológico na condução das
nações. O equilíbrio de poder só é possível dentro de um quadro muito
específico em que as soberanias não estão associadas a uma ideia de justiça
particular. Isto é, o poder francês do século XVIII não vê como ilegítima, de
todo em todo, a soberania do sacro-império: entende-a como um modo da mesma
ideia de soberania. O problema das ideologias do século XX é que
empurram os países para os seus blocos ideológicos, que são visto como a
configuração do próprio interesse do país. É possível procurar, como
Kissinger fez em África, proteger uns líderes em detrimento de outros, para os
arregimentar para um bloco de poder; no entanto, a partir do momento em que a
legitimidade está associada a um modo de governar, não é possível criar
qualquer tipo de independência entre poderes. A realpolitik de Kissinger transformou-se também ela, assim,
numa política de confrontos ideológicos em que o que está em causa não é apenas
o crescimento de um poder acima dos outros, mas o modo como esse poder se
exerce. Por se reconhecer que uma Angola comunista se
associará irremediavelmente à URSS, reconhece-se que a questão do modo de
governo de Angola é ideológica. A política de Kissinger contribui assim, de um
modo complexo, para a negação, pelo menos parcial, dos seus pressupostos.
Há outro aspeto,
contudo, em que a política de Kissinger apresenta problemas claros de eficácia.
Como Kissinger vê a política como uma questão de poder, o foco da sua acção
passa sempre (pelo menos de um ponto de vista teórico) por um entendimento
estatal da política. Trata-se de um caso clássico de um autor de um ramo
científico que, pelo peso que dá à sua área, acaba por não considerar
suficientemente o papel de outras áreas dentro da sua. A sua ideia de
legitimidade, que é a base para o seu modo de entender a política externa,
parte também ela de um reconhecimento externo. O poder é o poder
reconhecido como tal. Esta ideia, no entanto, apenas considera a
legitimidade de um ponto de vista externo. É possível que uma nação não se
possa arrogar em defensora de uma ideia de justiça universal, de tal modo que
se julgue no direito de alterar a ordem política de qualquer país. No entanto,
este cepticismo aparentemente sensato só considera o lado externo da
legitimidade. A ideia de que um país não
pode, nas suas relações externas, depender de uma ideia de justiça no trato com
outros choca com a evidência de que um país não existe apenas para fora, de que
a sua legitimidade não existe apenas no plano externo.
▲A geopolítica não trata apenas de relações entre
governos, mas de relações entre países. Ora, em relação a isso, a mundividência
de Kissinger sempre pareceu cega BETTMANN ARCHIVE
A
tomada do poder pelo comunismo, num país, não é apenas uma matéria de
equilíbrio de poder num quadro geopolítico em que se olha apenas para
fronteiras. O facto de um governo ter a sua legitimidade interna minada tem
também importância geopolítica e é um factor a ter em conta até dentro de uma
lógica de equilíbrio de poder. Não é possível aceitar a legitimidade de um
bloco por razões geográficas quando esse bloco é perturbado por pressões
internas que contestam a própria formação do bloco.
É certo que Kissinger é um diplomata e
que olha para as relações entre governos a partir de fora. No entanto, o ponto
é exactamente esse: a geopolítica não trata apenas de relações entre governos,
mas de relações entre países. Ora, em relação a isso, a mundividência de
Kissinger sempre pareceu cega.
É sempre extraordinário ler Kissinger.
Das suas teses sobre as guerras nucleares localizadas aos grandes panoramas de
história diplomática, tudo está explicado com uma clareza e com uma lucidez
quase gloriosas. Nunca se perde de vista uma grande ideia, uma concepção unificada
da história que alarga todas as ideias de Kissinger e todos os factos
enunciados. Ainda assim, e mesmo que ignoremos os escândalos e os
desastres, a aparente indiferença com que se joga com os destinos do mundo e se
sacrifica uma ordem pacientemente construída em troca de uma ideia brilhante,
todo este brilhantismo parece sempre construído sobre areias movediças, como se
nos pudesse levar, através de ideias justas e sensatas, até crimes impensáveis.
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COMENTÁRIOS (11)
Manuel
Gonçalves: Há um excesso de
cinismo em Kissinger. Nuno
Borges > Manuel Gonçalves: Há um excesso de cinismo em toda a humanidade. O bom selvagem nunca
existiu, é uma construção da esquerda.
Nuno Borges: Para sobreviver ao inevitável
assalto chinês, Moscovo tem de anexar toda a Europa. E a Europa só sobreviverá
enquanto puder defender-se militarmente. O ideal seria sempre uma aliança da
Europa com a China que permitisse destruir a Moscóvia e dividir a Rússia pelos
Urais, com o ocidente para a Europa e o oriente para a China. Julgo que depois
de ter falhado o approach de Merkel, a guerra será inevitável. Moscovo não se
ficará pela Ucraina e o ataque é a melhor defesa. Nuno Filipe: Um dos que lixou Portugal com F Maiúsculo…. somos
aliados dos EUA mas só para o que convém…se tivermos de lixar Portugal para ter
acesso a minérios/hidrocarbonetos mais baratos… So be it. os
americanos não têm aliados/amigos. Os americanos têm clientes. Nuno Nuno
Borges1 d: Não deve ter
lido “Disclaimer: eu tb tenho bastantes produtos americanos. Não sou antiamericano
primário.”, só para acrescentar que eu até comprei a edição portuguesa do
Diplomacia. Defender os interesses nacionais em deferimento dos interesses
americanos não faz de mim comuna. Aliás primário como sou (e não woke) até lhe
vou repetir uma frase que hoje em dia é ainda mais mal interpretada do que
antes do “rising” dos wokes, aqui fica “antes p_ne leiro que comuna”.
Portanto quem não se sente não é filho de boa gente e como tal eu “ofendi-me”
por me chamar comuna. Pessoalmente é um insulto. Cumprimentos.
Nuno Borges >Nuno Filipe: Quem
lixou Portugal foram os portugueses, todos os que contribuiram para entregar o
ouro ao inimigo. E especialmente os golpistas de 1974. Nuno Borges: On China explica o que se passou e o que se vai passar
nas relações com os seus vizinhos, mormente com a URSS. A China pretende
dominar tudo debaixo do céu.
Vitor Batista > Nuno Borges: A China pretende, mas não é liquido que o consiga,
porque tem posições muito ambíguas. Nuno Borges
> Vitor
Batista: A ideologia
não conta para nada, só o poder militar. Já estamos em plena guerra dos mundos.
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