Do 5 de Outubro de 1910. Pela
primeira vez vim a conhecer, com esta expressiva narrativa do Dr. LUÍS SOARES DE OLIVEIRA, os acontecimentos da véspera de um dia de
que, também resumidamente, conheci outros antecedentes, para sempre impressionada
com o aparente envolvimento de Aquilino
Ribeiro no assassínio de D.
Carlos e D. Luís, em 1908. Do próprio 5 de Outubro de 1910 iniciando a
1ª República, tendo apenas aprendido aquilo que, sobriamente, a História de
Portugal da 2ª República permitia percepcionar, na limitação dos temas, por
excesso de matérias, além do que conheci através dos meus familiares, contemporâneos
desses tempos, ou de dados traduzidos em páginas de escritores. Mas gostei a
valer deste relato do Dr. LUÍS SOARES DE OLIVEIRA, com a localização dos
acontecimentos dessa véspera do dia que amanhã se celebra – a implantação da 1ª República em Portugal, com Teófilo Braga como presidente interino, Manuel de Arriaga vindo a ser
o 1º Presidente da República, meses depois.
4 de Outubro de 1910:
(do
Livro em preparação)
Bivaque em Monsanto
Ao
meio-dia de 4 de Outubro de 1910, oficiais e praças do Regimento de Lanceiros
da Rainha, sob comando do coronel Alfredo de Albuquerque bivacaram em Monsanto,
Luneta dos Quartéis, onde aguardaram ordens para atacar os revolucionários
republicanos barricados na Rotunda. Competia-lhes
descer a Palhavã, cruzar o Parque Eduardo VII sob fogo inimigo e,
por, fim expulsar os revolucionários - não
mais de 50 entre militares e civis, insuficientemente armados acicatados por Machado
Santos, Mendes Cabeçadas - do
estaleiro de obras da estátua do Marquês, O Almirante Cândido dos Reis, o principal cabecilha, tendo
pensado que o golpe falhara, suicidara-se. Sá Cardoso e o capitão Pala fugiram.
Entre os oficiais fiéis ao rei
figurava o capitão Domingos
d'Oliveira, meu avô, a quem caberia papel importante no desenrolar do
processo político que decorreu nas duas décadas seguintes. Embora servindo no Regimento dos
Lanceiros da Rainha - designação que lhe tinha sido atribuída no Reinado de D.
Maria II, - Domingos de
Oliveira só tinha tido um encontro com a Rainha e este fora
acidental. Aconteceu na
Tapada da Ajuda. O Avô tinha
mandado fazer arreio e cabresto para um burro no qual montava seu filho
Augusto, então com 8 anos de idade, vestido a rigor de chapéu alto, jaqueta,
calção e botas de equitador de circo. Assim enfarpelado, Augusto acompanhava o
pai nos seus passeios a cavalo pela Tapada. Dª Amélia, que por ali fazia o seu
passeio pedestre com reduzido séquito, cruzou-se-lhes no caminho e parou para
felicitar o garoto garboso no seu traje. Meu avô de tão emocionado ficou que se esqueceu de desmontar e fazer
a vénia à Rainha, como mandava a etiqueta. Teria sido esta a primeira e última
vez na vida em que Domingos de Oliveira se sentiu embaraçado.
«««»»»
Segundo
depoimento do coronel Alberto Cardoso dos Santos, então oficial subalterno do Regimento de Lanceiros,
no dia 4, em Palhavã, o seu Regimento formou coluna sob comando do general
Malaquias de Lemos com
Infantaria 1 e o Grupo de Artilharia a Cavalo, de Queluz, este sob comando de Paiva
Couceiro. Porém, as ordens que ali receberam não foram as
esperadas. Mandaram a coluna seguir para Arroios e daí, já ao cair da
tarde, recolher ao Carmo, quartel-general do Governo Militar de Lisboa. A
voz de carregar sobre a barricada nunca chegou. Na manhã de 5, ainda no Carmo, a coluna assistiu ao arriar da
bandeira azul e branca, substituída por um lençol branco sem as armas reais. Era a
rendição.
Teria
havido ou não uma intervenção pessoal do cônsul da Alemanha. Porém,
segundo Jules Pabon, a ordem de
rendição foi dada na madrugada do dia 5, pelo general Carvalhais, então
governador militar de Lisboa. Este
ter-se-ia limitado a olhar para os soldados da coluna esfomeados pela fome e
fatigados pelo falta de sono e comentou: «com esta gente já se não pode aqui
fazer nada».
Paiva Couceiro ainda tentou
atacar a Rotunda. O
general Malaquias de Lemos, comandante da Guarda Municipal, recusou-se contudo
a sair com a sua coluna do Carmo. Entretanto, os marinheiros de Mendes Cabeçadas
começaram a desembarcar e o povo saiu à rua a festejar antecipadamente a
vitória dos revoltosos. Logo, Malaquias mandou içar um lençol branco. Era a
rendição Às 7 da manhã cessaram as hostilidades.
Depois
veio o "regressar a quartéis". Domingos d'Oliveira chorou mas nada podia fazer. Manter-se-ia para sempre
reservado sobre tão melindroso assunto.
Discutia-se ao tempo se tinham sido traidores os políticos e chefes
militares da Monarquia - Teixeira
de Sousa, Hintze Ribeiro, Vilhena, os generais António Carvalhais, Malaquias de
Lemos e outros - por terem deixado triunfar um movimento
que saiu para rua com tão pouca gente - na Rotunda estariam uns cinquenta -, com poucas armas e, pior, sem
vintém. O
jornalista Raul
Brandão,
debruçou-se sobre a matéria e concluiu que os visados não tinham sido
traidores, mas apenas "burros" e isto porque, quando rebentou a
revolta, não cortaram a liberdade de movimentos aos cabecilhas da mesma. Ficou
a dúvida.
Do
pouco que ouvi a meu avô sobre o assunto, fiquei a saber que o filho do
conde de Sabugosa, seu
vizinho em Alcântara, cavalgou no dia 4 de Outubro, até Mafra para se inteirar
da vontade régia. No regresso,
parou em Queluz e falou com Paiva
Couceiro - então capitão e respeitado herói
de África - que ali aprontava a Bataria de Artilharia para seguir para o alto
de Campolide com o objectivo de varrer as barricadas da Rotunda. Foi Paiva Couceiro quem, ao
chegar a Palhavã, comunicou à restante oficialidade, muito à sua maneira:- «Nada a fazer. O filho da puta fugiu».
Referia-se ao rei. Não foram portanto os próceres políticos e militares
que decidiram não combater. Terá sido
a própria Rainha D. Amélia - a quem o seu filho, então com 20 anos, obedecia -
a pessoa que optou pelo desterro.
"Do desterro não há retorno," foi o último comentário que
lhe ouviram. Como
princesa da Casa de Orleães ela sabia de que estava a falar. Entendeu - como
escreveu no seu diário - que nenhum Rei ou Rainha pode reinar com medo do seu
próprio povo. Já antes perdera o marido e um filho em defesa da Monarquia; não
tinha agora vontade de perder ou sacrificar mais ninguém.
Consta que a última despedida feita à Rainha foi a de uma garota,
filha de pescadores, que, já no cais da Ericeira, se atravessou no caminho e
ajoelhou á sua frente para lhe beijar a mão. Pode ser lenda, mas talvez não
seja. A gente do mar não vai atrás de atroadas e sabe quem é seu amigo. Artesão
pescador não alimenta ódios e isto, em grande medida, porque o mar não tem
dono. A propriedade da terra criou o ódio entre os homens. No mar, tal não
aconteceu. Lá, é o próprio mar e não uma qualquer pessoa quem rege o sofrimento
humano.
D.ª Amélia mais não fez do que
seguir o conselho de Sun Tzu, o sábio da guerra: "à força opõe o
vazio". O tempo diria quem tinha razão. A rainha compreendeu aquilo que
Paiva Couceiro não compreendeu: - o uso da violência no caso só poderia servir
- se servisse - para ensanguentar o curso independente e previsível da história.
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