Também pode ser entre parentes, e fica
tudo em família, sem ironias do foro intelectivo. Ou intelectual - este último
termo concedendo mais dignidade aos usufrutuários desse foro, caso de José Pacheco Pereira, que põe parêntesis
na infanta do título da
sua crónica do “PÚBLICO” de 14/10/23 - A causa monárquica e o casamento da “infanta” - não sei,
em todo o caso, se por ironia, se pelo reconhecimento histórico da passagem à
história das tais “infantas” e, diga-se de passagem, também dos “infantes”, embora
o feminino possa ser mais especificamente sublinhado hoje, em letra de jornal, por
conta da fragilidade feminina, cuido eu - um qualquer “infante” atrabiliário
menos disposto a encarar, sem arrebatamento de ríspida exaltação, o tom
aleivoso da ironia de PP.
Passaram à história pois, no nosso país,
os infantes, filhos de reis, e daí os parêntesis na “infanta” da crónica de PP, cuja boda
(não a de PP mas da Infanta, está claro), que misturou elementos de
fidalguia e de burguesia, JPP aproveita para, com o seu saber, de intelectual
burguês, salientar um acto que naturalmente perdeu as suas características
aristocráticas, pese embora o espaço em que foi realizado – o Convento de Mafra – (provavelmente
por estar ligado ao antepassado da “infanta”, D. João V, segundo demonstrou
exaustivamente o Prémio Nobel da nossa
literatura, na sua condenação exaustiva do esforço popular, ordenado por um rei
exaustivamente descrito nas suas peculiaridades condenáveis de petulância aristocrática
– a que a gente da esquerda progressista se mostra definitivamente avessa, como
demonstram Saramago, o nosso Prémio
Nobel, contudo, ou por isso mesmo, e PP, que também
tem vasta obra trabalhosa, embora de menor criatividade romanesca.
Pacheco
Pereira aproveita, pois, o evento, para expor sobre a primeira República, que mudou
os destinos da Nação, que os intelectuais de esquerda, contudo, encaravam com
reserva - talvez por ter descambado na ditadura que condenavam - mas sentindo
também, pela monarquia passada, não direi animosidade, dada a distância que os separava
desses tempos de realeza, mas a ironia que sobressai nos parêntesis da “infanta”,
bem vincados com as aspas de PP.
Eis a parte final da sua crónica, que o
comprova:
“A minha geração política, radicalizada na extrema-esquerda” (mau grado a
sua filiação actual, para mim contraditória e incompreensível, no PSD - a menos que
o centro-direita lhe transmita a serenidade que a sua intelectualidade real
hoje requer - embora com traiçoeira desvergonha), “considerava o 5 de Outubro como uma data “burguesa”, que servia a
ala da oposição ligada aos velhos republicanos e a Maçonaria, tidos como
símbolo da ineficácia política face ao Estado Novo. Alguns desses homens
sonhavam de manhã à noite em derrubar Salazar, e sofreram muito por isso. Mas
toda a gente via o 5 de Outubro como uma data em que se cumpriam alguns rituais
e nada mais. Mudei de ideias quando, numa “romagem”, essa coisa bizarra, ao
cemitério no 31 de Janeiro, um velho oposicionista do Porto, um alfaiate muito
pequeno de estatura e com várias prisões, gritou emocionado: “Viva a República!”
O grito vinha de tão fundo que toda a gente se calou e eu passei a olhar para o
5 de Outubro de outra maneira.
Nos dias de hoje, os monárquicos
ficam para os casamentos de pobre pompa, e pouco valem junto desse grito”.
Pacheco Pereira parece
continuar a preferir o “alfaiate
muito pequeno de estatura e com várias prisões”, dos seus tempos juvenis de
extrema-esquerda, nobremente arruaceira, segundo deveria e deve julgar ainda. A busca
da estabilidade o fez mudar de partido, em todo o caso, mas sem deixar de fazer
o humor que lhe proporciona carisma e glória, sendo mesmo dos agraciados,
segundo colho na Internet “com a
Grã-Cruz da Ordem da Liberdade pelo então Presidente
da República Jorge Sampaio, a 9 de Junho de 2005” - o que de resto, acho muito justo, como
intelectual e construtor do seu mundo de trabalho e de prestígio – embora contraditório
- de “poeta pessoano”, talvez, conquanto Pessoa fosse mais desprendido das “Cruzes”, definitivamente livre “do que não está ao pé”:
«O
poeta é um fingidor.
Finge
tão completamente,
Que
chega a fingir que é dor
A
dor que deveras sente…”
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