quarta-feira, 25 de outubro de 2023

“Infanta”, entre parêntesis

 

Também pode ser entre parentes, e fica tudo em família, sem ironias do foro intelectivo. Ou intelectual - este último termo concedendo mais dignidade aos usufrutuários desse foro, caso de José Pacheco Pereira, que põe parêntesis na infanta do título da sua crónica do “PÚBLICO” de 14/10/23 - A causa monárquica e o casamento da “infanta - não sei, em todo o caso, se por ironia, se pelo reconhecimento histórico da passagem à história das tais “infantas” e, diga-se de passagem, também dos “infantes”, embora o feminino possa ser mais especificamente sublinhado hoje, em letra de jornal, por conta da fragilidade feminina, cuido eu - um qualquer “infante” atrabiliário menos disposto a encarar, sem arrebatamento de ríspida exaltação, o tom aleivoso da ironia de PP.

Passaram à história pois, no nosso país, os infantes, filhos de reis, e daí os parêntesis na “infanta” da crónica de PP, cuja boda (não a de PP mas da Infanta, está claro), que misturou elementos de fidalguia e de burguesia, JPP aproveita para, com o seu saber, de intelectual burguês, salientar um acto que naturalmente perdeu as suas características aristocráticas, pese embora o espaço em que foi realizado – o Convento de Mafra – (provavelmente por estar ligado ao antepassado da “infanta”, D. João V, segundo demonstrou exaustivamente o Prémio Nobel da nossa literatura, na sua condenação exaustiva do esforço popular, ordenado por um rei exaustivamente descrito nas suas peculiaridades condenáveis de petulância aristocrática – a que a gente da esquerda progressista se mostra definitivamente avessa, como demonstram Saramago, o nosso Prémio Nobel, contudo, ou por isso mesmo, e PP, que também tem vasta obra trabalhosa, embora de menor criatividade romanesca.

Pacheco Pereira aproveita, pois, o evento, para expor sobre a primeira República, que mudou os destinos da Nação, que os intelectuais de esquerda, contudo, encaravam com reserva - talvez por ter descambado na ditadura que condenavam - mas sentindo também, pela monarquia passada, não direi animosidade, dada a distância que os separava desses tempos de realeza, mas a ironia que sobressai nos parêntesis da “infanta”, bem vincados com as aspas de PP.

Eis a parte final da sua crónica, que o comprova:

A minha geração política, radicalizada na extrema-esquerda” (mau grado a sua filiação actual, para mim contraditória e incompreensível, no PSD - a menos que o centro-direita lhe transmita a serenidade que a sua intelectualidade real hoje requer - embora com traiçoeira desvergonha), “considerava o 5 de Outubro como uma data “burguesa”, que servia a ala da oposição ligada aos velhos republicanos e a Maçonaria, tidos como símbolo da ineficácia política face ao Estado Novo. Alguns desses homens sonhavam de manhã à noite em derrubar Salazar, e sofreram muito por isso. Mas toda a gente via o 5 de Outubro como uma data em que se cumpriam alguns rituais e nada mais. Mudei de ideias quando, numa “romagem”, essa coisa bizarra, ao cemitério no 31 de Janeiro, um velho oposicionista do Porto, um alfaiate muito pequeno de estatura e com várias prisões, gritou emocionado: “Viva a República!” O grito vinha de tão fundo que toda a gente se calou e eu passei a olhar para o 5 de Outubro de outra maneira.

Nos dias de hoje, os monárquicos ficam para os casamentos de pobre pompa, e pouco valem junto desse grito”.

Pacheco Pereira parece continuar a preferir o “alfaiate muito pequeno de estatura e com várias prisões”, dos seus tempos juvenis de extrema-esquerda, nobremente arruaceira, segundo deveria e deve julgar ainda. A busca da estabilidade o fez mudar de partido, em todo o caso, mas sem deixar de fazer o humor que lhe proporciona carisma e glória, sendo mesmo dos agraciados, segundo colho na Internet “com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade pelo então Presidente da República Jorge Sampaio, a 9 de Junho de 2005” - o que de resto, acho muito justo, como intelectual e construtor do seu mundo de trabalho e de prestígio – embora contraditório - de “poeta pessoano”, talvez, conquanto Pessoa fosse mais desprendido das “Cruzes”, definitivamente livre “do que não está ao pé”:

«O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente,

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente…”

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