União jamais existiu entre os Portugueses… Mas gostei do corajoso e lúcido texto de Ricardo Pinheiro Alves.
Devemos celebrar o 5 de Outubro de 1910?
Ao ser uma imposição forçada que visa
dividir, o 5 de Outubro de 1910 não é consensualmente reconhecido como sendo
historicamente benéfico para Portugal e não é um factor de união entre os
portugueses
RICARDO PINHEIRO
ALVES Vice-Coordenador do Gabinete Estratégico do CDS-PP
OBSERVADOR, 5/10/23
Esta semana há um feriado e a quase
totalidade dos portugueses aprecia-o porque pode fazer o que bem lhe apetecer.
E por isso todos concordam em manter o dia como feriado, mesmo que nem saibam
muito bem qual é a razão para tal.
Independentemente de quase todos
gostarmos de um dia feriado (há quem trabalhe nesses dias), o seu
estabelecimento destina-se normalmente a comemorar ou homenagear algum facto
que é consensualmente reconhecido como sendo historicamente importante e benéfico
para Portugal, sendo por isso um factor de união entre os portugueses.
Enquanto dorme... O mundo não pára
Um
exemplo de data que se enquadraria nesta definição seria a fundação da
nacionalidade e a independência de Portugal que deu origem a quase 900 anos de
História. No entanto, em Portugal não há um feriado por esse
motivo.
Mas
há um feriado que não se enquadra naquela definição: o 5 de
Outubro. Qual a razão para comemoramos o 5 de Outubro, como
acontece esta semana? Uma busca no Google “esclarece” que “A partir de 5
de outubro de 1910, Portugal deixou de ser uma monarquia e passou a ser
uma república. Celebra-se assim o dia
da Implantação da República. Ou seja, deixou de haver monarcas a
governar o país, mudou-se a bandeira, o hino e o regime político.”
E porque havemos nós de celebrar a
implantação da república? Porque deixou de haver “monarcas a governar o país”?
Em 1910 os monarcas não governavam o país, pelo que o Google, que repete o que
os livros de história ensinam aos alunos portugueses, induz em erro. Na
verdade, o que deixou de haver foi um monarca a representar o país para haver
outra pessoa a quem se decidiu chamar presidente, como os que encabeçam as
colectividades.
É
esse um motivo de celebração e factor de união entre os portugueses? Na
realidade, não. O 5 de Outubro de 1910 foi um grande factor de desunião entre
os portugueses. Separou famílias, dividiu comunidades, pôs Lisboa em
sobressalto permanente durante vários anos e fez correr muito sangue pelas
ruas.
Como
foi um acontecimento local, também dividiu Lisboa do resto do país. É
verdade que, como relatou Vasco Pulido Valente, o resto do país que critica a
macrocefalia de Lisboa aceitou acriticamente as notícias que recebeu por
telégrafo. Os representantes do resto do país no parlamento mudaram-se de
monárquicos para republicanos nesse mesmo dia e continuaram a sua vidinha de
sempre.
Mesmo
assim é quase um mistério celebrar-se um motivo de divisão entre os
portugueses. Poderá então pensar-se que, mesmo tendo provocado divisão, o 5 de
Outubro de 1910 trouxe coisas muito boas ao país e que os que não concordaram
viriam posteriormente a perceber as vantagens da mudança verificada naquela
data. Terá sido assim?
Se virmos os factos, concluímos que não. A
república trouxe a liberdade?
Não, o 5 de Outubro de 1910 marcou o início de um período em que as liberdades
essenciais foram colocadas em perigo e criou as condições para que o Estado
Novo fosse aceite e perdurasse por 42 anos. Após
1910, os republicanos armaram milícias trauliteiras para calar quem criticava,
atacar e fechar jornais, proibir a livre associação, reprimir manifestações,
promover assassinatos e derramar sangue. O 5 de Outubro é o início de um
período em que as liberdades foram diminuídas, pelo que não há qualquer motivo
para celebração.
A
república trouxe a democracia? Não, “república” não é sinónimo de “democracia”,
nem “monarquia” é sinónimo de “ditadura”, como é erradamente transmitido aos
alunos portugueses nas escolas geridas pelo Estado e em algumas privadas. Basta
pensar nas repúblicas que se autointitulam “democráticas” e que ainda perduram
ou no Reino Unido, uma
monarquia que é a democracia mais antiga dos tempos modernos. Com a
restrição das liberdades em 1910, a democracia foi coartada e foram várias as
tentativas de instalar uma ditadura republicana.
A república limitou a liberdade e não
trouxe a democracia, mas trouxe o desenvolvimento a Portugal? Também não. Neste gráfico vê-se que após 1910
Portugal se atrasou ainda mais em relação aos países mais desenvolvidos
(excepto Reino Unido) e que face aos países vizinhos, Espanha e França, o
atraso cresceu mais de 60%. Quase todos eram monarquias, como ainda
hoje acontece em países muito mais ricos do que Portugal como Noruega, Suécia, Dinamarca, Bélgica ou Holanda. Pior
ainda, a república colocou Portugal em bancarrota e foi para salvar o país
desta irresponsabilidade que Salazar foi “chamado” de Coimbra.
Um outro argumento é que o 5 de
Outubro trouxe uma tentativa de imitação das leis francesas para afastar a
igreja do poder e tornar Portugal um país laico. Isso não é verdade porque em
Portugal havia eleições livres antes de 1910 e a igreja não governava o país.
Mais, Portugal não é um país laico como França, e como os anticlericais desejam,
mas um estado não confessional.
A razão para afastar a igreja é que estava muito presente no ensino
e era vista como um entrave à imposição da ideologia republicana. O 5 de Outubro de 1910 foi usado para
tentar afastar a igreja do sistema educativo, e para isso não se hesitou em
fechar colégios e deixar crianças sem acesso à aprendizagem, num retrocesso
civilizacional que apenas o fanatismo cego que liderou o processo pode
explicar.
Para isso os republicanos não hesitaram em imitar o Marquês de
Pombal, o maior déspota da História de Portugal – e que
era por eles muito elogiado – e fazer um ataque frontal à igreja
católica. E, dentro
desta, aos que mais odiavam porque lhes faziam frente, os sectores da Igreja
mais evoluídos cientificamente como os Jesuítas, que humilharam publicamente
antes de os expulsar (publicando fotografias em que lhes era medido o cérebro
para uma avaliação pretensamente científica do seu carácter perverso).
Não deixa de ser revelador que apesar
das premonições de radicais como Afonso Costa de que
a igreja acabaria em duas gerações, tenhamos
tido em 2023, passados mais de 100 anos, um evento como as Jornadas Mundiais da
Juventude, que é incomparável com qualquer
manifestação republicana que alguma vez ocorreu e que foi obra da uma Igreja
Católica que nega tudo o que o 5 de Outubro representa: o
republicanismo, o socialismo e a laicidade.
Há ainda quem argumente que a república trouxe a mudança de um Rei
para um presidente e que só por isso vale a pena celebrar, pois nem todos se
identificam com a monarquia. A monarquia
e a igreja representam a própria origem do país e constituem uma tradição
histórica e cultural e um factor de união porque não podem ser dissociadas da
própria ideia da fundação
de Portugal. ´
Os que não valorizam Portugal ou querem
mesmo subordinar a ideia de um país soberano à pertença a organizações
internacionais preferem um presidente eleito por ser mais moldável para esses
fins. Mas o presidente continua a representar uma divisão entre os
que votam nele e os que o recusam, os que o aceitam relutantemente e os que nem
se dão ao incómodo de manifestar a sua preferência.
Por
isso os que defendem o presidente estão também a afirmar que não se importam de
provocar a divisão do país, e querem impor a sua vontade, à força se for
preciso, como fizeram antes e após 1910. O facto de um assassino como Buíça estar no Panteão Nacional (percebo que descendentes de Eça de
Queiroz não queiram a transladação do seu corpo) ou a criação de um museu da presidência da república num palácio real
que está vedado a chefes de Estado monárquicos são sintomas da divisão que se
quer provocar.
Na verdade, este é o único e verdadeiro motivo pelo qual é celebrado
o 5 de Outubro de 1910 em Portugal. Apesar
da diminuição da liberdade, da limitação da democracia, do atraso no nível de
vida e do retrocesso educativo que resultaram da república, há um grupo de
pessoas que quer impor a sua propaganda e quer “apagar” o que os outros pensam.
É precisamente pela razão que se comemora o 5 de Outubro que o dia
não deveria ser celebrado. Ao ser uma imposição forçada que visa dividir, o 5
de Outubro de 1910 não é consensualmente reconhecido como sendo historicamente
benéfico para Portugal e não é um factor de união entre os portugueses, pelo
que não merece ser celebrado.
COMENTÁRIOS de 20):
Jorge Tavares: Sim,
devemos celebrar o 25 de Novembro de 1975. Alguém precisa de explicar, a muita gente com pancada, que o 25 de
Abril de 1974 foi apenas o início de um processo revolucionário e que a
liberdade e a democracia só começaram a consolidar-se com o 25 de Novembro de
1975 - só que essa data estraga a narrativa dos comunistas e neo-comunistas. A 25 de Novembro de 1975, ocorreu uma tentativa de golpe militar
conduzido por uma facção das forças armadas, apoiadas pelo o PCP, com o
objectivo de uma ditadura do proletariado.
Joao M: O único 5 de outubro que merece ser celebrado por Portugal é o de
1143. Faz hoje 880 anos que o Reino de Portugal declarou a sua independência
com a assinatura do Tratado de Zamora.
António Cézanne: Bom texto e certeiro. Nada mais a acrescentar.
Luís Rosário: Concordo em absoluto. Excelente texto.
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