O inteligente humor de Alberto Gonçalves, que não se coíbe de corajosamente o
expor, com os dados precisos da sua elasticidade de saber e de julgar, que nos
fazem rir pela precisão condenatória destes tempos de cinismo e de laracha nos
afectos.
Minúsculo glossário da guerra Israel-Hamas
Há quase vinte anos que Israel retirou
de Gaza, mas Gaza permanece “ocupada”. E, pior, vítima de um bloqueio que
limita o acesso a todos os bens essenciais excepto material para produzir “rockets”.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador
OBSERVADOR, 28 out. 2023, 00:2111
“Anti-sionismo”. O sionismo moderno nasceu no século XIX e
foi popularizado por Theodore Herzl. Este defendia a necessidade de os judeus da Diáspora
regressarem ao lugar histórico de origem, de modo a escaparem de uma vez das
crescentes, ou no mínimo, recorrentes perseguições de que eram alvo na Europa e
não só. Literalmente, ser contra o sionismo é ser contra a
existência de Israel, um
obstáculo a que os judeus, esses marotos, se deixem caçar com a facilidade que
vigorou durante milénios. E é uma confissão pouco subtil de
ódio: os que proclamam “Eu não sou anti-semita: sou anti-sionista” são
anti-semitas dissimulados. Mas dissimulam muito mal.
Antissemitismo. Está
vivo e em determinados meios recomenda-se. Dizem que a moda é cíclica, e isso
nota-se. A tendência da estação, fortíssima na Europa e na América, é reciclar o estilo ousado dos anos 1930,
mediante a agressão a judeus e a destruição das propriedades de judeus. A
vandalização de sinagogas é imprescindível. A título de acessórios, não podiam
faltar as estrelas de David e os insultos pintados na entrada das casas.
“Apartheid”. Cerca
de 21% da população israelita é árabe e tem cidadania plena. Cerca de 0% da
população de Gaza é judia e, por definição, não tem grande coisa. Pergunta para
queijinho, kosher ou halal: em qual dos territórios se pratica o apartheid?
“Causa palestiniana”. Costumo
perguntar a quem calha qual é,
afinal, a famosa “causa palestiniana”. Não costumo obter respostas, excepto a de
que consiste na aniquilação de Israel.
“Genocídio”. É consabido que Israel pratica genocídio em
Gaza. Os números não mentem. Em 1970, o território tinha 300 mil habitantes. Em 2000, um milhão e pouco. Hoje, dois milhões e tal. É um genocídio peculiar, mas um genocídio sem sombra
de dúvida. O Hamas, o sr. Varoufakis e a rapaziada do Bloco não iam
mentir.
Guterres. Ao que
consta, o Homem do Pântano é um “humanista”. É capaz, é. Enquanto nosso
primeiro-ministro, o seu “humanismo”
deixou marcas profundas e um legado de cujas metástases ainda hoje beneficiamos.
Enquanto secretário-geral da prestimosa ONU, mantém-se um portento de carácter:
não há opressão de povos que escape à
vigilância do engenheiro, tirando
a cometida pela China. E pela Rússia. E pela Turquia. E pelo Irão. E pela
Venezuela. E um longo etc. Pensando melhor, todas as opressões
sanguinárias escapam à vigilância do engenheiro. Mas Israel não.
Homossexuais. Não é raro ver homossexuais berrarem
“pela” Palestina, leia-se pelo direito a serem presos,
torturados e executados. Também é
possível que o exercício se deva à ignorância do que lhes sucederia em
semelhante caldo, digamos, “cultural”. Em qualquer dos casos, a verdade é que a
exibição pública de masoquismo terminal ou de boçalidade irrecuperável não faz
maravilhas pela causa LGBTEtc.
“Inocentes”. Incontáveis
pessoas, algumas de boa-fé, sentem-se na obrigação de repetir a cada dez minutos
que o Hamas não representa os palestinianos. É uma meia-verdade e uma meia mentira. A
julgar por sondagens, um terço, talvez metade dos moradores em Gaza e na
Cisjordânia apoia o Hamas e os seus propósitos. E uma larga maioria apoia certamente os propósitos
no que tocam à eliminação de Israel, sonho aliás partilhado por uma percentagem
considerável dos árabes em geral –
e, diga-se, pela totalidade dos “activistas” da esquerda ocidental. Uns
e outros marcham assiduamente a favor da barbárie. Já os viram marchar contra?
Manifestações. Não é
um exclusivo nacional, mas em Portugal o BE e o PCP já promoveram não sei
quantas manifestações pela
“paz” e pela “Palestina”. Em Lisboa, pelo menos, parecem acontecer dia sim, dia não. Embora eu não frequente
essas pândegas, aposto que em nenhuma os esforços pacificadores vão ao ponto de condenar as chacinas
cometidas pelo Hamas, exigir que o Hamas devolva os reféns, lamentar que o
Hamas continue a bombardear ininterruptamente Israel ou sequer reparar nos
mortos que os “rockets” transviados e os escudos humanos do Hamas causam na
pobre “Palestina”.
“Ministério da Saúde de Gaza”. Não
existe. É o Hamas, uma agremiação de selvagens que quando aparece na mesma
frase que a palavra “saúde” não augura nada de bom. Isto, porém, não impede inúmeros “media” ocidentais de, por
ecumenismo, tratarem as respectivas “informações” como fidedignas. Eu,
se fosse a eles, duvidaria de quem confunde um parque de estacionamento com um
hospital, uma dúzia de carros com 500 mortos e um foguete avariado com um
míssil israelita. E que, sob os
hospitais de facto, alberga centros operacionais de terroristas e armamento.
“Ocupação”. Há quase vinte anos que Israel retirou de
Gaza, mas Gaza permanece “ocupada”. E, pior, vítima de um bloqueio que limita o acesso
dos habitantes a todos os bens essenciais excepto material para produzir
“rockets”. As mais de cem mil passagens anuais de pessoas,
alimentos, combustível e produtos sortidos na fronteira de Erez, entre Gaza e
Israel, não existem. A fronteira com o Egipto não existe. A realidade não
existe.
Propaganda. Nos
últimos dias, vi diversos vídeos
chocantes sobre o drama que decorre em Gaza. Vi um homem a festejar o massacre
de judeus. Vi um homem a chorar a casa que os israelitas arrasaram. Vi um homem
a morrer numa cama de hospital. Vi um homem a passear entre os escombros. Vi um
homem com o filho ferido nos braços. O
curioso é que o homem era sempre o mesmo. Chama-se Saleh Aljafarawi e é
apresentado como jornalista ou fotógrafo. Após pesquisa, apurei que é também o
quinto classificado no “ranking” local de ping-pong (juro), além de
cançonetista. Acima de tudo, Saleh é actor. À revelia da guerra, Gaza tornou-se a verdadeira Meca do cinema.
Qatar. Este rascunho de país, aliado dos EUA,
acolhe com cortesia os líderes do Hamas. De castigo, o Ocidente, que não dorme
quando os direitos humanos e a decência estão em risco, forçou o Qatar a acolher também o
“Mundial” da bola. Foi há menos de um ano e, indignada, a “comunidade
internacional” nem ligou os televisores.
ISRAEL MÉDIO
ORIENTE MUNDO HAMAS CONFLITO
ISRAELO-PALESTINIANO ANTÓNIO
GUTERRES POLÍTICA
COMENTÁRIOS (de 19)
Pertinaz:Não podia estar mais de acordo
com AG. A dualidade de critérios de uma esquerdalha moralmente superior é
gritante. Aliás, tem sido essa lavagem cerebral aos incautos que nos levou ao
ponto a que chegámos, também em Portugal.
José Paulo C Castro: Esqueceu
"povo palestiniano". Um
povo ancestral, feito de árabes iguais aos outros árabes dos países vizinhos,
com raízes locais tão profundas como a sua língua milenar igual à dos das
caravanas árabes do Sahara até Bagdad; com uma identidade tão própria e única
que matam sunitas se forem xiitas e vice-versa; com um nome tão próprio que
deriva de uma província definida e nomeada por uns colonizadores britânicos;
com um tal amor ao seu território que o foram vendendo a judeus, pedaço a
pedaço, antes de pensarem que estes iam fazer surgir Israel; com uma história
tão antiga que nunca se tinha ouvido falar dele como povo distinto antes do
século XX, apenas como habitantes daquele local, maioritariamente árabes. A ficção do "povo palestiniano"
existe para nos fazer crer que aqueles árabes são dali e não apenas uma
extensão dos árabes à volta dali. Para converter uma mera disputa territorial
numa questão de genocídio, xenofobia e ocupação de uma nação. Para fazer
equivaler a questão existencial de um povo (judeu) no seu território ancestral
à de um outro "povo local" que também só poderia viver ali apesar de
serem iguais aos habitantes de países à volta.
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