Bem humilhantes, para nós, portugueses, os
citados pelo Dr. Salles da Fonseca,
no texto infra, a respeito do nosso posicionamento educacional, num mundo que
se vai desenvolvendo no reconhecimento do respeito pela valorização do ser humano,
provido de uma razão amplificadora de exigência moral e intelectual.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 14.10.23
Do CENSUS21
extrai-se que:
- Da população residente com mais
de 10 anos de idade, 3,08%
eram analfabetos pois não sabiam ler
nem escrever - (0% na Noruega);
- Da população com mais de
18 anos de idade, 25% tinha o
ensino obrigatório (82% na Noruega);
- da população com mais de 18 anos de idade 20% tinha formação
superior (48% na Noruega) * * *
Conclusões imediatas:
- Para uma população de 10 milhões de habitantes, havia (já depois da
chacina provocada pelo Covid nos idosos), algo como 308 mil analfabetos em
Portugal;
- Da população com mais de 18 anos de idade, 75% não tinha concluído o
ensino obrigatório;
- A percentagem de licenciados é muito baixa (apesar de muito
«gato por lebre» que por aí pulula). * * *
De acordo com os sucessivos relatórios anuais do desenvolvimento humano
do PNUD
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), a Noruega é a campeã mundial e a «lanterna vermelha» tem sido a Somália
alternando com o Sudão do Sul e quejandos países martirizados por rixas
sucessivas. O rol integra algo como 160 países e nós temo-nos passeado à volta da 30ª posição.
Quando, nos anos 20 do século XX, se descobriu um analfabeto que
vivia isolado num recanto obscuro de um fiorde da Noruega, o escândalo foi tal
que o Governo se demitiu. Eis por que preconizo uma campanha a nível nacional de
alfabetização de adultos. Admito que não se incomode quem já esteja acamado,
mas sugiro, isso sim, que o IEFP forme alfabetizadores que passem a actuar a
nível autárquico, Misericórdias, etc. Os idosos não são negligenciáveis e é
nossa obrigação pôr um ponto final no desprezo (intelectual) a que as elites
nacionais quase sempre votaram hordas sucessivas de «servos das glebas».
No que se refere ao ensino obrigatório (12º ano de escolaridade),
é maioritário e legalmente inconsequente o incumprimento dessa obrigação. A
banalidade está no abandono escolar precoce. Porquê? Creio que por duas razões
principais e algumas, outras, secundárias. As principais são a mândria
intelectual e a chatice dos programas; as secundárias são todas as outras.
(Entre irmãos e primos direitos, éramos
21 dos quais apenas 4 concluímos o ensino secundário o que hoje corresponde ao
ensino obrigatório, mas, destes, apenas um se licenciou com curso superior. E
não foi por razões económicas).
Então, se quanto à mândria se
podem inventar acções (positivas ou punitivas) que a corrijam, solução
mais fácil parece ser a criação de vias profissionalizantes que se mostrem mais atractivas para quem
não esteja motivado para a intelectualidade e a reabertura da telescola para
regiões remotas. Vias essas profissionalizantes equivalentes ao
nível do ensino obrigatório e, portanto, abrindo caminho para o superior. A
igualdade de oportunidades deve ser universal, a começar pela liberdade de se
optar pela via erudita, a do ensino geral, e as vias pragmáticas, as
profissionalizantes. O Estado
Social de que hoje dispomos permite que «quem queira e não possa» se
consiga candidatar ao ensino superior. Basta que tenha notas. A
questão está em que há quem não encontre alternativa à maçada da Filosofia preferindo
aprender electrónica naval, mecânica de máquinas agrícolas ou informática de
uso industrial… A falsa questão de
que «nem todos podemos ser Doutores» deve ser substituída pela realidade de que
nem todos querem ser Doutores. Eis por que há tanta gente que não
possui o ensino obrigatório. Urge,
pois, alargar a panóplia da oferta de vias profissionalizantes equivalentes ao
ensino obrigatório e, daí, permitindo o acesso ao ensino superior. Por
exemplo, instalando mais Escolas Práticas de Agricultura (por cópia da que
funciona na Paiã)
e
outras de modelo equivalente vocacionadas para o mar.
Dominando as volatilidades e desprezando as ciências exactas,
a Universidade de Coimbra funcionou durante séculos em regime de autismo
hermético e teve o monopólio da formação superior em Portugal até que a
República instituiu as Universidades de Lisboa e do Porto.
O corporativismo
universitário foi absoluto até
à queda do dogma do exclusivismo público do ensino superior durante o consulado
marcelista, mas só depois de1974 é que a oferta de cursos pós-secundários
cresceu como cogumelos. Contudo, apareceu muito gato disfarçado de
lebre para satisfação da apetência por um título de Dr. Ou Eng. Mesmo que
se trate de passaporte directo para o desemprego.
CONCLUSÕES:
A génese dos nossos problemas
de desenvolvimento está no elevado nível de iliteracia;
É politicamente importante
erradicar o analfabetismo;
Há que diversificar o ensino
secundário pelas vias profissionalizantes;
No pós-secundário, há que
«defender o consumidor».
Outubro de 2023
Henrique Salles da
Fonseca
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COMENTÁRIOS
antónio pinho
cardão 15.10.2023 12:23: Muito bom, com uma reticência. Independentemente dos
pressupostos, concordo com as conclusões finais, 2,3,e 4, mas não com a
primeira. A génese dos nossos problemas está no fraco desenvolvimento económico
e não na iliteracia. A iliteracia, qualquer que seja, atenua-se ou vai-se
resolvendo com o desenvolvimento económico. Não ao contrário. Não havendo
dinheiro, não há escolas nem função social. Penso eu de que... francisco
amorim 16.10.2023 13:48: Para mim a base de tudo está na educação, de valores morais, éticos e na
instrução. Curioso é saber-se que no sec. XV, no Japão, as
crianças eram obrigadas a, todos os dias, se reunirem debaixo de uma árvore,
durante a manhã, para ficarem a ouvir um mestre que as ensinava. Há 500 ou 600
anos. Portugal nessa altura navegava com
iletrados, e mais para trás, os primeiros reis de Portugal não sabiam ler nem
escrever e o sultão de Córdova tinha uma biblioteca com mais de 4.000 livros.
A iliteracia é... congénita< e os
des-governantes não querem saber disso. Não rende votos nem grana. Rui Bravo Martins 17.10.2023 16:33: Realidade vergonhosa que aqui foi bem e oportuna
exposta. Nunca vi tal desiderato em "bocas" politicas. Nem passadas
nos tempos recentes nem para provisões futuras. Uma lástima entre muitas.
Parabéns pela oportunidade em tempos de preparação de novo OE. Adriano Miranda
Lima 18.10.2023 06:58: Não
é a primeira vez que o Dr. Salles da Fonseca trata este tema, e sempre com todo
o acerto e conhecimento profundo da realidade. E acredito que não será a última
vez. Penso que seria uma obra meritória e patriótica promover a alfabetização
dos adultos que ainda não conhecem uma letra. A percentagem de analfabetos,
ainda que sem qualquer paralelo com os tempos recuados, é mais que suficiente
para constituir uma chaga social. Seria, pois, uma questão de honra nacional a
sua erradicação total. Será sempre importante saber se o nosso relativo atraso
no desenvolvimento não terá mais a ver com os tais "gatos por lebres"
que por aí andam e que não é só no ensino superior. É que existem também nas
faixas secundárias do ensino. E sem dúvida que tem peso significativo o
descaso, ou aposta insuficiente, que desde há décadas passou a verificar-se no
ensino secundário profissionalizante. Mas, no fundo, creio que grande parte do
problema se deve à nossa dificuldade com a planificação do futuro, o que se
agravou com a democracia e a preocupação de agradar o eleitorado com as
respostas mais viradas para o imediato e o curto prazo.
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