domingo, 15 de outubro de 2023

Números arrasadores


Bem humilhantes, para nós, portugueses, os citados pelo Dr. Salles da Fonseca, no texto infra, a respeito do nosso posicionamento educacional, num mundo que se vai desenvolvendo no reconhecimento do respeito pela valorização do ser humano, provido de uma razão amplificadora de exigência moral e intelectual.

DAS ESTATÍSTICAS

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO,  14.10.23

Do CENSUS21 extrai-se que:

- Da população residente com mais de 10 anos de idade, 3,08% eram analfabetos pois não sabiam ler nem escrever - (0% na Noruega);

- Da população com mais de 18 anos de idade, 25% tinha o ensino obrigatório (82% na Noruega);

- da população com mais de 18 anos de idade 20% tinha formação superior (48% na Noruega)                  * * *

Conclusões imediatas:

- Para uma população de 10 milhões de habitantes, havia (já depois da chacina provocada pelo Covid nos idosos), algo como 308 mil analfabetos em Portugal;

- Da população com mais de 18 anos de idade, 75% não tinha concluído o ensino obrigatório;

- A percentagem de licenciados é muito baixa (apesar de muito «gato por lebre» que por aí pulula).                * * *

De acordo com os sucessivos relatórios anuais do desenvolvimento humano do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), a Noruega é a campeã mundial e a «lanterna vermelha» tem sido a Somália alternando com o Sudão do Sul e quejandos países martirizados por rixas sucessivas. O rol integra algo como 160 países e nós temo-nos passeado à volta da 30ª posição.

Quando, nos anos 20 do século XX, se descobriu um analfabeto que vivia isolado num recanto obscuro de um fiorde da Noruega, o escândalo foi tal que o Governo se demitiu. Eis por que preconizo uma campanha a nível nacional de alfabetização de adultos. Admito que não se incomode quem já esteja acamado, mas sugiro, isso sim, que o IEFP forme alfabetizadores que passem a actuar a nível autárquico, Misericórdias, etc. Os idosos não são negligenciáveis e é nossa obrigação pôr um ponto final no desprezo (intelectual) a que as elites nacionais quase sempre votaram hordas sucessivas de «servos das glebas».

 No que se refere ao ensino obrigatório (12º ano de escolaridade), é maioritário e legalmente inconsequente o incumprimento dessa obrigação. A banalidade está no abandono escolar precoce. Porquê? Creio que por duas razões principais e algumas, outras, secundárias. As principais são a mândria intelectual e a chatice dos programas; as secundárias são todas as outras. (Entre irmãos e primos direitos, éramos 21 dos quais apenas 4 concluímos o ensino secundário o que hoje corresponde ao ensino obrigatório, mas, destes, apenas um se licenciou com curso superior. E não foi por razões económicas).

Então, se quanto à mândria se podem inventar acções (positivas ou punitivas) que a corrijam, solução mais fácil parece ser a criação de vias profissionalizantes que se mostrem mais atractivas para quem não esteja motivado para a intelectualidade e a reabertura da telescola para regiões remotas. Vias essas profissionalizantes equivalentes ao nível do ensino obrigatório e, portanto, abrindo caminho para o superior. A igualdade de oportunidades deve ser universal, a começar pela liberdade de se optar pela via erudita, a do ensino geral, e as vias pragmáticas, as profissionalizantes. O Estado Social de que hoje dispomos permite que «quem queira e não possa» se  consiga candidatar ao ensino superior. Basta que tenha notas. A questão está em que há quem não encontre alternativa à maçada da Filosofia preferindo aprender electrónica naval, mecânica de máquinas agrícolas ou informática de uso industrialA falsa questão de que «nem todos podemos ser Doutores» deve ser substituída pela realidade de que nem todos querem ser Doutores. Eis por que há tanta gente que não possui o ensino obrigatório. Urge, pois, alargar a panóplia da oferta de vias profissionalizantes equivalentes ao ensino obrigatório e, daí, permitindo o acesso ao ensino superior. Por exemplo, instalando mais Escolas Práticas de Agricultura (por cópia da que funciona na Paiã)

 e outras de modelo equivalente vocacionadas para o mar.

 Dominando as volatilidades e desprezando as ciências exactas, a Universidade de Coimbra funcionou durante séculos em regime de autismo hermético e teve o monopólio da formação superior em Portugal até que a República instituiu as Universidades de Lisboa e do Porto. O corporativismo universitário foi absoluto até à queda do dogma do exclusivismo público do ensino superior durante o consulado marcelista, mas só depois de1974 é que a oferta de cursos pós-secundários cresceu como cogumelos. Contudo, apareceu muito gato disfarçado de lebre  para satisfação da apetência por um título de Dr. Ou Eng. Mesmo que se trate de passaporte directo para o desemprego.

 CONCLUSÕES:

A génese dos nossos problemas de desenvolvimento está no elevado nível de iliteracia;

É politicamente importante erradicar o analfabetismo;

Há que diversificar o ensino secundário pelas vias profissionalizantes;

No pós-secundário, há que «defender o consumidor».

Outubro de 2023

Henrique Salles da Fonseca

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COMENTÁRIOS:  antónio pinho cardão  15.10.2023  12:23: Muito bom, com uma reticência. Independentemente dos pressupostos, concordo com as conclusões finais, 2,3,e 4, mas não com a primeira. A génese dos nossos problemas está no fraco desenvolvimento económico e não na iliteracia. A iliteracia, qualquer que seja, atenua-se ou vai-se resolvendo com o desenvolvimento económico. Não ao contrário. Não havendo dinheiro, não há escolas nem função social. Penso eu de que...              francisco amorim  16.10.2023  13:48: Para mim a base de tudo está na educação, de valores morais, éticos e na instrução. Curioso é saber-se que no sec. XV, no Japão, as crianças eram obrigadas a, todos os dias, se reunirem debaixo de uma árvore, durante a manhã, para ficarem a ouvir um mestre que as ensinava. Há 500 ou 600 anos. Portugal nessa altura navegava com iletrados, e mais para trás, os primeiros reis de Portugal não sabiam ler nem escrever e o sultão de Córdova tinha uma biblioteca com mais de 4.000 livros. A iliteracia é... congénita< e os des-governantes não querem saber disso. Não rende votos nem grana.           Rui Bravo Martins  17.10.2023  16:33: Realidade vergonhosa que aqui foi bem e oportuna exposta. Nunca vi tal desiderato em "bocas" politicas. Nem passadas nos tempos recentes nem para provisões futuras. Uma lástima entre muitas. Parabéns pela oportunidade em tempos de preparação de novo OE.     Adriano Miranda Lima  18.10.2023  06:58: Não é a primeira vez que o Dr. Salles da Fonseca trata este tema, e sempre com todo o acerto e conhecimento profundo da realidade. E acredito que não será a última vez. Penso que seria uma obra meritória e patriótica promover a alfabetização dos adultos que ainda não conhecem uma letra. A percentagem de analfabetos, ainda que sem qualquer paralelo com os tempos recuados, é mais que suficiente para constituir uma chaga social. Seria, pois, uma questão de honra nacional a sua erradicação total. Será sempre importante saber se o nosso relativo atraso no desenvolvimento não terá mais a ver com os tais "gatos por lebres" que por aí andam e que não é só no ensino superior. É que existem também nas faixas secundárias do ensino. E sem dúvida que tem peso significativo o descaso, ou aposta insuficiente, que desde há décadas passou a verificar-se no ensino secundário profissionalizante. Mas, no fundo, creio que grande parte do problema se deve à nossa dificuldade com a planificação do futuro, o que se agravou com a democracia e a preocupação de agradar o eleitorado com as respostas mais viradas para o imediato e o curto prazo.


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