Por mau posicionamento geográfico, num
centro, como expõe Jaime
Nogueira Pinto, a respeito de uma Polónia
sacrificada. Por cá, trata-se antes de um posicionamento num extremo de
mar e sol, justificativo de incontinência extremista…
Polónia: do cativeiro à liberdade
Após séculos sujeitos a estrangeiros,
reaccionários e progressistas, czaristas e comunistas, os polacos olham
apreensivos para a Europa. Nações que foram cativas pressentem bem os caminhos
de servidão
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 30 set. 2023, 00:2031
A sorte ou o azar da Geografia acabam
por ditar diferentes histórias na História, umas boas, outras más, outras
piores.
Falámos
disso em Varsóvia, na semana passada, numa conferência sobre a “Nova Europa”. Há
nações – como a Polónia e
a Hungria, nações antigas, com mais de mil anos – que,
situadas em zonas turbulentas de sucessivas hegemonias imperiais, acabam por
viver em cativeiro grande parte da sua História. Há outras, como Portugal, que por só terem um vizinho
e estarem na ponta do continente, são, nessa matéria, mais felizes.
Escravos da Geografia
A Polónia é o exemplo extremo de uma má geografia. Lembrávamo-lo em Varsóvia, precisamente
na parte da Cidade Velha reerguida das ruínas a que foi reduzida, por ordem de
Hitler, depois da insurreição no Verão de 1944 contra os ocupantes alemães;
tudo sob a expectativa cúmplice das tropas soviéticas que, por imposição de
Estaline, esperaram do outro lado do Vístula que a rebelião fosse aniquilada e
a cidade destruída, para avançar e ocupar, a terra queimada.
Mas a Polónia tem uma longa História. Nas vésperas do Ano Mil, em 966,
o rei dos polacos, Miecislau I (930-992) converteu-se ao cristianismo romano e
à obediência ao Papa, também para escapar à incorporação e obediência ao
Sacro Império Romano-Germânico. A
evangelização dos eslavos fora obra de dois irmãos, os santos Cirilo e Metódio, nascidos em Tessalónica, no Império Bizantino, que missionaram na Crimeia e
na Morávia. Na Europa da época, o poder religioso e o poder
político eram chaves da mesma ordem, antes da luta entre o Império e o Papado
que marcou o Ocidente medieval.
Nestas grandes planícies da
Europa Oriental, entre os pagãos e a par da dinastia Piast, a dos primeiros
reis polacos, emergiam os Cavaleiros
Teutónicos, os Hospitalários de Jerusalém em versão germânica (Orden
des Hospitals zu Sankt Marien der Deutschen zu Jerusalem). que conquistaram
a Prússia. Todos estes poderes e os respectivos povos sofreram, por volta de 1241, a devastação das invasões dos Mongóis. Nos
séculos XIII e XIV, a Ordem Teutónica, o Grão-ducado da Lituânia, os reinos da
Boémia, da Hungria e da Polónia repartiram
o território, o poder e a influência.
Internamente, nestes Estados, o
poder partilhava-se
entre o monarca e os senhores feudais, às vezes com o protagonismo de
cidades independentes como Dantzig (hoje Gdansk, na
Polónia), parte da Liga Hanseática.
Em 1386, um ano
depois da consolidação da independência portuguesa em Aljubarrota, Ladislau II
fundou a dinastia dos Jaguelões. Ladislau
converteu-se ao Cristianismo e casou com Edwiges, rainha da Polónia, que tinha
sido coroada em Cracóvia. A dinastia dos Jaguelões reinou na Polónia de 1386 a
1572; no mesmo período reinou também por temporadas na Lituânia, na Hungria e
na Boémia. Foi nos reinados finais dos
Jaguelões, com Segismundo I e Segismundo II, que se deu o tempo
conhecido por “Idade do Ouro” da
Polónia, quando a chamada comunidade
polaco-lituana se expandiu e chegou a ter mais de um milhão de quilómetros
quadrados, abrangendo território de sete países actuais e uma população de 11
milhões de habitantes. Eram também economicamente fortes, numa época em que o idioma polaco se tornou
a língua franca da Europa Central e Oriental.
Em 1573, depois da morte sem
descendência de Segismundo Augusto II, o último rei dos Jaguelões, uma
assembleia de milhares de nobres polacos teve de escolher um novo rei da
Polónia e grão-duque da Lituânia entre quatro candidatos – Henrique de Valois, Ernesto de Habsburgo,
João III da Suécia e Ivan, o Terrível, da Rússia. Ganhou o
Valois, mas o seu reinado foi muito curto pois, pela morte do seu irmão Carlos IX (o
do massacre de Saint-Barthélemy), Henrique
preferiu ser rei de França a ser rei da Polónia, e discretamente abandonou
Cracóvia.
Entre cativeiros
A
monarquia electiva da comunidade polaco-lituana, consagrando uma oligarquia
feudal, acabou por levar, nas últimas décadas do século XVIII, à debilidade, ao
confronto interno e às sucessivas partilhas do país entre a Prússia, a
Rússia e a Áustria. E depois de
uma efémera autonomia
no tempo napoleónico, com o grão-ducado de Varsóvia, a Polónia ficou cativa até
1918. Com a derrota e fragmentação da Rússia, da Alemanha e da Áustria
imperiais, o país teve uma ressuscitada independência, sob a égide do marechal Pilsudsky, mas logo
em Setembro de 1939 foi outra vez invadido e partilhado entre Hitler e Estaline. E, a seguir à guerra, de
acordo com as cedências de Roosevelt e Churchill à União Soviética, ficou na
esfera de influência de Moscovo.
No pós-guerra, os comunistas fizeram
o número do costume: um governo
de Frente Popular, cheio de “companheiros de caminho” e marionetas. Stanislas
Mikolajezyk, um dos membros desse governo, mas anticomunista e líder do Partido
dos Agricultores, tentou organizar a resistência. Mas os comunistas alteraram
fraudulentamente os resultados do Referendo de 1946 e das eleições de 1947, e
Mikolajezyk teve de deixar o país.
A partir de 1948, os comunistas polacos, liderados por
Władysław Gomułka, impuseram pelo terror a socialização acelerada da economia
da Polónia, com a colectivização da agricultura e a concentração dos recursos
na indústria pesada. O terror estalinista redobrou e o próprio Gomulka, acusado
de “titismo”, chegou a ser preso, voltando depois ao poder no pós-estalinismo.
O cardeal Wyszynski foi também
detido. Mas no
pós-estalinismo o cardeal e Gomulka chegaram a um entendimento tácito e
colaboraram até para evitar que a Polónia tivesse a mesma sorte que a Hungria
depois da revolta de Budapeste de 1956.
Entre altos e baixos da
repressão ou do degelo, o sucessor de Gomulka, Edward Gierek, procurou captar
alguns capitais ocidentais para a Polónia. Mas o facto mais decisivo na história
da Polónia moderna e de todo o Leste europeu foi a eleição
do cardeal Karol Wojtyla, arcebispo de
Cracóvia, como Papa João Paulo II, em 1978. Assim, quando no Verão de 1980 nos
estaleiros de Gdansk um carismático operário electricista, Lech Walesa,
mobilizou os trabalhadores para a luta sindical, criando com o Solidariedade um
sindicato livre com milhões de filiados, o poder comunista reagiu; mas já não
reagiu ao modo de Estaline, ou mesmo de Kruschev, na Hungria em 1956.
E o medo, o grande cimento das sociedades comunistas, não se
compadeceu com a moderação. Com Reagan na Casa Branca e João Paulo II no
Vaticano, os resistentes polacos encontraram apoio para resistir à repressão e
ao terror.
A
sua luta e exemplo encorajaram os húngaros e outros povos da Europa Central a
resistir. E a partir daí, já nada podia parar os povos e as nações cativas do
Leste.
Na Polónia, o cativeiro comunista, ao
“congelar” a sociedade, impediu que ali se desse a deriva hiperindividualista e
libertária que, no Ocidente, acabaria por conduzir aos delírios culturais
fantasistas e decadentistas a que hoje assistimos. Na Polónia comunista, entre o medo da
denúncia e a perseguição policial, a Religião e a Família foram determinantes
como refúgio e porta para o mundo além-cativeiro. E durante todo esse tempo, a
Europa, a Europa
ocidental era para os polacos símbolo e modelo de Liberdade.
Depois de tanto tempo
submetidos a poderes estrangeiros, reaccionários e progressistas, czaristas e
comunistas, os polacos olham agora com apreensão e estranheza para a Europa,
para a mesma Europa livre que tanto admiravam, vendo óbvios sinais totalitários
na “benevolente” tutela ideológica e cultural que, pela chantagem económica,
Bruxelas lhes quer impor.
As nações que
foram cativas pressentem bem os caminhos de servidão.
COMENTÁRIOS (de 31):
Maria Nunes: Polónia,
um país mártir. Não admira que não alinhe com certas políticas da UE. Obrigada, JNP, por mais uma excelente lição de
História. João
Floriano: Começar o dia com a leitura de uma
crónica como esta, não nos deixa nada animados. Olham para leste e os polacos
observam os péssimos vizinhos que têm, a Rússia e a Bielorrússia. Olham para o
Ocidente e Bruxelas preocupa-se mais com as ditas questões fracturantes, os
direitos das minorias, o repovoamento da Europa com gente que nada tem a ver
com a nossa cultura e a tradição, dirigida por políticos medíocres como um
certo socialista que no plano externo gosta muito de se fazer grande,
magnânimo, que fala das enormes oportunidades que a Europa tem para oferecer,
sem se preocupar em criar oportunidades para os jovens no seu próprio país. Outros
que sacrificam a integridade do seu país ao seu desejo de se manter no poder,
custe o que custar. Se eu fosse polaco não confiaria nem nos vizinhos de leste,
desejosos de lhe saltar o muro do quintal, nem nesta Europa decadente, com
valores baralhados. Rui Lima: Vendo os novos tempos hoje quem tem má
geografia é a Itália que está condenada a ser uma prolongação de África com
tudo o que isso implica ( a Alemanha financia barcos em buscas de refugiados
para os descarregar na Itália , fechando a sua fronteira com a Itália como já
tinha feito a França) . O que
acontecerá a Itália será mais destruidor para a sua cultura do que foram as
ocupações da Polónia eram ocupantes
do mesmo Deus ou irmãos desse Deus,
esses ocupantes queriam apenas o poder para não ter na Polónia um adversário
porque a Polónia tem aspirações, caminha para ser a maior potência militar da
Europa já está nos 4% do PIB na despesa militar, já Itália terá outro povo e
outro Deus . vitor
Manuel: É sempre com prazer que leio o 1º dos
bons colunistas deste jornal e esta magnífica lição reforça o que desde há
muitos anos é minha convicção, a de que toda esta actual situação se deve
aos erros da maior potência mundial imediatamente ao fim da II G.G., quando
tudo tinham para eliminar de imediato a serpente que só por ingenuidade, ou
algo ainda pior, alguém poderia subestimar. Glorioso SLB: Traduzido por miúdos: Duda, Orban e Meloni, são os faróis e a esperança do
Mundo. Q triunfem! O Tintin: E Bruxelas está dominada pelos Woke norte
americanos.
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