Do nosso dia-a-dia curioso, de perguntas
e respostas críticas sobre os artesãos políticos e os dinheiros da nossa
mediania mais do que de real propósito de uma formação cultural que nos distinguisse
positivamente. Um texto esclarecedor de Nuno
Gonçalves Poças.
Ninguém gosta de estrangeiros
A Lisboazinha-que-sabe-ler lida agora
com «os estrangeiros ricos» como lidou com os retornados: fica incomodada
porque são eles que expõem as suas misérias intelectuais, culturais e
financeiras.
NUNO GONÇALO POÇAS
Colunista do Observador. Advogado, autor de "Presos Por Um Fio –
Portugal e as FP-25 de Abril"
OBSERVADOR, 10
out. 2023, 00:1735
É certo que não se trata de
uma novidade, mas cada vez mais parece um ponto sem retorno. Estamos viciados
em sentimentos e não em factos, reféns de um jornalismo de entretenimento e de
governos e oposições cujo único propósito é a sondagem do dia seguinte. É
inevitável, perante este cenário, que os populismos proliferem à esquerda, à
direita e ao centro. Em Portugal, onde não resiste o mínimo mecanismo de
avaliação de políticas públicas, onde a memória histórica é inexistente, onde a
generalidade dos cidadãos tem apenas o mínimo interesse pela condução dos
destinos políticos do país e onde cada vez mais os eleitores se vão
influenciando pela lógica dos sentimentos televisivos e das falsas percepções,
é ainda mais natural que subsista um campo aberto para o desastre.
A chamada «crise de habitação»,
entretanto já promovida a «emergência», como escrevia Rui Tavares, no Expresso da
passada sexta-feira, é apenas mais um
dos sinais dessa degradação.
Parece ter sido perdida algures a
capacidade de olhar para o tema e compreender que problemas existem em concreto
e como podem ser resolvidos. Num país
onde a larga maioria das pessoas é proprietária e não arrendatária, e onde
grande parte desses proprietários não tem financiamento bancário, de que crise
estamos a falar, afinal? Que perguntas devíamos estar a fazer e não estamos?
Quem tem problemas de acesso à habitação e porquê? Onde existe dificuldade no
acesso à habitação? Será no país inteiro? O problema é de oferta ou de procura?
Há problemas paralelos por resolver e que têm influência directa no acesso à
habitação? Como funcionam as redes de transportes públicos nas grandes áreas
metropolitanas? Em mercado aberto será boa escolha ajustar as rendas aos
salários ou seria preferível viver num país com salários competitivos capazes
de suportar as rendas ditadas pelo mercado? Que percentagem representam os
estrangeiros nas transacções imobiliárias? Qual tem sido, nos últimos dez anos,
o valor médio das indemnizações pagas a inquilinos com contratos antigos como
compensação pela celebração de acordos de revogação? Quantos inquilinos com
rendas congeladas nas grandes cidades têm segunda habitação? Será justo,
proporcional e intergeracionalmente equilibrado que os titulares de contratos
antigos ou inquilinos acima de determinada idade sejam beneficiados com rendas
baixíssimas, independentemente dos seus rendimentos? Qual é a percentagem de
habitação pública que temos? Porque é que a habitação pública existente é quase
sempre habitação social e em regime de gueto? Porque é que os jovens
portugueses sem capacidade de suportar uma renda em Portugal emigram e lá fora
conseguem encontrar casa e pagá-la, sem que os preços sejam substancialmente
diferentes dos nossos, quando não são mesmo mais elevados? Será
aceitável que um processo de despejo se prolongue durante 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9
ou 10 anos num tribunal? Será
equilibrado que um inquilino incumpridor possa ocultar os seus incumprimentos e
celebrar novos e sucessivos contratos de arrendamento com outros proprietários,
incumprindo sempre? Que garantias tem um senhorio de que o
não pagamento de rendas lhe será ressarcido? Será um sistema justo quando
permite que um inquilino possa permanecer durante anos ou décadas numa casa sem
pagar renda e que possa não sofrer uma consequência por isso?
A lista de perguntas é longa. Muitas têm resposta factual conhecida.
Mas nenhuma delas parece ter influência na tomada de decisão política. O Governo, em funções há oito anos, a
maioria desse tempo em acordo com o PCP e o Bloco de Esquerda, é o mesmo
Governo que providenciou edifícios
públicos para a criação de hotéis e que não tem habitação pública para mostrar. De
que temos andado a falar, afinal? De que tem servido este incêndio mediático da
comunidade, que não traz soluções para coisa nenhuma, e que vende mesmo a ideia
absurda de que é possível encontrar soluções rápidas quando o problema é de
oferta, e que serve apenas para acicatar revoltas e manifestações de movimentos
radicais? A quem serve este discurso já vulgarizado contra os
senhorios, os construtores, os promotores, os mediadores imobiliários, os
estrangeiros, os ricos?
Serve um Governo, que em oito
anos não resolveu um único problema, antes agravou muitos outros, e não tem
assim de responder pelos seus fracassos. Serve a esquerda radical, interessada em combater todas as formas de
vida independente e em fazer crescer o seu potencial de luta anti-burguesa e
anti-capitalista. Serve uma imprensa feita
de jornalistas-activistas, muito interessados em dramas pontuais e pouco por
factos e resultados. Serve para perpetuar um sistema político e económico
de miserabilismo social, de
assistência permanente e de favores devidos aos partidos que melhor vendem a
ideia (e não o resultado) de que estão preocupados com a vida das pessoas. E serve,
por fim, o grande propósito nacional, que une esquerda e direita radicais, e
junta os pobres deste país aos remediados da capital: tirar daqui qualquer forma de vida rica, independente, livre e
inteligente. É assim há demasiado tempo, aliás. A
Lisboazinha-que-sabe-ler lida agora com «os estrangeiros ricos» como lidou com
os retornados: fica incomodada perante a sua chegada, porque são eles que
expõem as suas misérias intelectuais, culturais e financeiras.
António Costa já o
anunciou, para gáudio da parolada lisboeta (e também de espanhóis, gregos e até
dinamarqueses, que atrairão gente que podia estar a viver, a investir e a
gastar dinheiro em Portugal e vai deixar de o fazer): o regime
dos residentes não habituais terminará. Este mecanismo, criado pelo
Governo de José Sócrates, aliado a uma série de outros regimes jurídicos,
entretanto também destruídos ou em vias disso, invadiu Lisboa dos tais
«estrangeiros ricos». Vieram pagar IRS que de outra forma não teríamos; vieram
consumir e pagar IVA que não arrecadaríamos; vieram reabilitar casas; vieram
criar empresas; vieram pagar salários; vieram pagar IMT, IMI, Imposto de Selo;
trouxeram para muitos sectores uma dinâmica empresarial e até uma forma de
pensar, de estar e de trabalhar que devíamos aproveitar e não negligenciar. Mas,
caramba, o que se esperaria de um sítio que transformou em teoria dominante
a patetice de preferir acolher estrangeiros cujas vidas precisam da presença do
Estado para tudo (e não, não estou a dizer que não devam ser acolhidos todos os
que nos procuram e que possamos acolher) e de detestar estrangeiros que não
precisam do Estado para nada? O resultado de todo este esforço
político à esquerda em matéria de habitação terá um resultado previsível: mais
dificuldades no acesso à habitação; casas mais caras; menos confiança no Estado;
menos capital disponível. Como a avaliação de resultados é a que se conhece,
daqui a um ano o bode expiatório será outro. O
culpado será sempre outro, de preferência um grupo que tenha capital e não
dependa do Estado. A esquerda radical detesta estrangeiros ricos. A direita
radical abomina estrangeiros pobres. É isto o populismo: não nos serve para
nada, mas oferece a todos uma satisfação considerável. Um dia seremos, por fim,
ultrapassados pela Roménia, e teremos orgulho nisso. Estais todos de parabéns.
COMENTÁRIOS (de 35):
Elizabeth Coelho: Excelente Fernando CE: Concordo. Só não entendi um artigo seu há poucos meses
atrás em comparar os governos e obra de Cavaco Silva com os de António Costa,
dizendo-os algo semelhantes. Há uma certa direita que julga mostrar inteligência
e isenção de julgamento ao criticar os tempos do “cavaquismo”. Nada mais
errado. E foi Cavaco Silva , que transformou o país para muitíssimo melhor
nos seus governos, e que como Presidente da República ”segurou” o governo de
Passos Coelho e as suas difíceis medidas para saneamento das finanças e no
relançamento da economia. Não se esqueça que chegou a ser alvo de um “alerta”
de Mário Soares para ter cuidado, “pois porque por muito menos D. Carlos foi
assassinado” (em entrevista ao jornal i a 13 de abril de 2013). Pontifex Maximus: O problema na verdade somos nós, os portugueses, pois a
verdade é que não consta que o Sócrates ou o Costa tenham acedido ao poder
cometendo fraude nas eleições. Eles são a fraude em pessoa e nós vamos
votando nestes trastes, esta é que é a verdade. Alexandre Areias
> Carlos Real: O mercado de arrendamento não funciona porque há décadas
que não o deixam funcionar. Não é com congelamento ou imposição de rendas ou a
protecção do incumprimento e comportamento delinquente de inquilinos que se vai
fazer o mercado funcionar. Só um louco investe as suas poupanças num imóvel
para arrendar para depois ver o seu bem e fonte de poupança expropriado pelo
Estado. E nessas
condições claro que não há nem vai haver oferta, e o mercado não funciona. As
soluções do socialismo (cada vez mais comunista) são sempre iguais: impõe-se ao
mercado condições que o mercado não pode aceitar. E quando o mercado deixa de funcionar em
consequência dessas condições, a solução volta a ser a mesma, impondo ainda
mais restrições e arbitrariedades. Quando finalmente já não resta qualquer
oferta no mercado, culpa-se o grande capital e os capitalistas gananciosos.
Como já diz o velho adágio: a definição de insanidade é fazer a mesma coisa
repetidamente e esperar resultados diferentes.
João Ramos: O país
socialista é composto por incompetentes e corruptos, está mais que provado que
é um perigo para Portugal, mas tragédia das tragédias, continuam a votar neles,
será que isto é um país maioritariamente de burros e portanto não há remédio…
joao lemos: enquanto
os estrangeiros não incomodaram os "intelectuais" de serviço (Clara F
Alves ; MS Tavares e tantos outros privilegiados que vivem, no centro da Cidade
e viajavam com o conforto de não "atropelo" no aeroporto), tudo
corria bem. Até que , agora sentem-se incomodados ou porque há
estrangeiros a mais ou porque têm espera nos aeroportos ou até porque o
Alentejo começou a produzir e reduziu o número de lebres e perdizes , ou por qualquer
outra razão, estes tais, esquecem-se que o Turismo representa 8-10 do %PIB e
provavelmente sem este valor , uns teriam que ficar em casa a coser meias e
outros teriam que começar a ler! e talvez até, quem lhes paga por serem comentadeiros ou
escrituradeiros, deixasse de ter dinheiro para lhes pagar. João Eduardo
Gata: Os lisboetazinhos, falhados na vida por
sua exclusiva responsabilidade, são invejosos e mal resolvidos. São parte do
Lixo de Lisboa. Jorge Reis: Informo que já fomos ultrapassados pela Roménia
Alexandre Areias > Ana Luís da Silva: A alternativa neste caso vai ser não ter estrangeiros a
pagar impostos (nenhum, incluindo o IVA, IMI e outros) e vai sobrar mais conta
para pagar para os que cá ficam. Agora numa coisa tem razão, só se ofereceram
estas condições de excepção a estrangeiros porque na verdade a carga fiscal em
Portugal é aberrante e sem corresponder a um serviço do Estado minimamente
aceitável. O que devia realmente acontecer era baixar-se significativamente
a carga fiscal, reduzir drasticamente as muitas gorduras do nosso Estado e com
isso tornar Portugal um país atraente, não só para estrangeiros mas sobretudo
para todos os portugueses Miguel Ramos > Carlos Real: O mercado a funcionar é a frase mais correcta que
existe... mas pressupõe um conhecimento económico que o Carlos ou não tem ou
finge não ter. O mercado funciona sempre (e
agora preste atenção) segundo as condicionantes a que esse mercado está
sujeito. E as principais são a procura e
a oferta.
Qq pessoa com bom senso vai ao google earth, observa
um raio de 40km à volta do Marquês de Pombal e percebe o problema da habitação
em Lisboa. As soluções concretas: 1 - Criação de um novo plano urbanístico para a Grande Lisboa que
contemplasse a) a criação de novos fogos de construção em número suficiente
para expandir a oferta e b) novas áreas empresariais, com a respectiva expansão
de redes de transporte e outras infraestruturas. 2 - Requalificação da utilização das dezenas de milhares
de fogos em Lisboa que estão ocupados com profissões liberais. Já para não
falar do cancro que são todos os processos de licenciamento de novas
construções que introduz uma distorção enorme nos preços, além da
extraordinária carga fiscal que existe neste sector. O mercado funciona como
pode e não como o Carlos quer.
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