sábado, 14 de outubro de 2023

Prazer de leitura

 

Quando o espírito, formado pelos componentes inteligência, saber, sensibilidade de uma formação moral pelos caminhos do Bem, acompanharam o acto da escrita. O caso de Alberto Gonçalves, a quem os leitores portugueses devem ser gratos e regozijados, por ser uma figura nacional. Brilhante.  

A extrema-esquerda, anti-racista e anti-semita

Por ignorância ou perversão, os manifestantes à solta em Amã, no “campus” de Harvard e no Largo de Camões partilham o sonho do Hamas: apagar Israel do mapa e do território.

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador

OBSERVADOR, 14 out. 2023, 00:215

Nos dias seguintes à carnificina em Israel, em todo o mundo milhares de pessoas saíram às ruas em protesto. Contra a carnificina? Não: contra Israel. Escrevo na sexta-feira, 13, data convocada pelo Hamas para uma internacional caça ao judeu. Chamaram-lhe o Dia da Raiva, uma redundância a cargo de criaturas permanentemente raivosas. De qualquer maneira, as autoridades de diversos países estão alertadas para prováveis “incidentes”, como o esfaqueamento de um funcionário da embaixada de Israel em Pequim. Em Nova Iorque, Londres e Paris, fecharam-se escolas para evitar agressões a alunos judeus, e numa escola aberta no norte de França um professor foi assassinado por criticar a chacina do último Sábado.

Nessas e noutras cidades, árabes e ocidentais andam há uma semana a glorificar em público e aos berros as câmaras de gás e outros métodos de extinção do inimigo. Em universidades de gabarito, estudantes e académicos responsabilizaram os israelitas pela matança de israelitas, enquanto também condenam os israelitas pelos bombardeamentos de Gaza. Há sinagogas, por exemplo a do Porto, profanadas com insultos. O ambiente geral tresanda aos anos 1930, embora o anti-semitismo tenha começado largos séculos antes e não tenha desaparecido depois.

É verdade que os rugidos em curso, uma interessante irmandade de fanatismo islâmico e as inevitáveis facções comunistas, não escondem o ódio ao Ocidente, ou à ideia que mantêm acerca do que o Ocidente é. Mas o ódio a Israel é bastante maior, e confere uma escala desmesurada a tudo isto. Os muçulmanos não se manifestariam perante um conflito entre os EUA e a Bolívia. E mesmo que a extrema-esquerda, em regular harmonia com alguma extrema-direita felizmente marginal, esteja sempre, sempre, sempre do lado oposto ao dos regimes democráticos, a circunstância de a democracia em causa ser Israel eleva a motivação e a fúria a níveis estratosféricos. Se parece anti-semitismo, deve ser anti-semitismo, velha tradição que inspirou “pogroms” desde o antigo Egipto, passando pela Europa medieval, pelo Leste dos cossacos, pela Alemanha nazi e nações ocupadas, pela União Soviética e pelo Médio Oriente anterior a 1948 (pormenor curioso dada a convicção, repetida à exaustão, de que não havia ali judeus até à resolução da ONU).

Há dois mil e setecentos anos, quando os israelitas históricos surgiram na região que, grosso modo, é agora o seu país, que os judeus são discriminados, perseguidos e mortos ao longo da rota da Diáspora. Durante esse tempo, raramente beneficiaram de protecção e nunca da possibilidade de retaliação. Só há bocadinho, ou sete décadas e meia, é que, a partir de um pedaço de deserto e uma imensa vontade, a fundação do actual Israel deu aos judeus um esboço de segurança, constantemente ameaçada e ocasionalmente falível. Pela primeira vez, os judeus deixaram de viver em estado de completa impotência. Pela primeira vez, os judeus tinham forma de se defender, reagir e vingar. Pela primeira vez, graças à existência de Israel, os judeus eram uma força. E se não toleram judeus débeis e expostos à injustiça, os anti-semitas toleram ainda menos judeus fortes e capazes de lutar. Para os anti-semitas, religiosos ou descrentes, Israel é a suprema blasfémia.

Não vale a pena enganarmo-nos. As únicas palavras sinceras nos desfiles “pela Palestina” são as que exigem a aniquilação de Israel. O resto são eufemismos. A conversa alusiva à “paz”, aos perigos da “escalada”, ao sofrimento do povo de Gaza são o verniz que cobre pessimamente o que vai naquelas alminhas. Por ignorância ou perversão, os manifestantes à solta em Amã, no “campus” de Harvard e no Largo de Camões partilham o sonho do Hamas: apagar Israel do mapa e do território. E, o que é sobretudo repulsivo, no fundo ou à superfície aprovam os métodos do Hamas, incluindo a tortura, a violação e o homicídio de homens, mulheres e crianças, civis jamais inocentes porque “colonos” e “opressores”. Ou seja, invariavelmente culpados porque judeus.

Quanto à lendária “rua árabe”, que hoje atravessa avenidas europeias e que se sente muito mais representada pelos terroristas do que o nosso ecumenismo gostaria, não há surpresas no ódio que expele. Já o anti-semitismo (ou “anti-sionismo”, na versão dos cínicos) da extrema-esquerda surpreendeu alguns, decerto chegados à Terra anteontem. A mim, não. A mim impressiona-me que semelhantes espécimes vivam por aqui, entre as pessoas comuns, e desfrutem do respeito que as pessoas comuns merecem. Eles dão aulas, lideram partidos, votam nesses partidos, comentam nas televisões, cruzam-se connosco no café e no passeio. E é triste ter de conviver com gente que convive bem com a morte alheia, a morte directa e deliberada e executada com crueldade patológica. Para disfarçar, essa gente finge afligir-se com as vítimas colaterais das tropas e das políticas israelitas – e da estratégia do Hamas – como não se aflige com as vítimas, colaterais ou degoladas, de Cuba, da China ou do Sudão. Excepto quando a cartilha manda condenar os carrascos, essa gente não lamenta as vítimas de lado nenhum. No limite, essa gente lamenta a escassez de vítimas em todos os lados. E a de israelitas em particular.

Linhas vermelhas, não era o que por aí propunham uns simples a propósito de irrelevâncias? As linhas vermelhas estão traçadas por natureza: separam, ou deviam separar, a extrema-esquerda da civilização. São desenhadas a sangue.

ISRAEL     MÉDIO ORIENTE     MUNDO     EXTREMA ESQUERDA     POLÍTICA

COMENTÁRIOS:

João Amorim: Tenho uma enorme empatia pelo povo e pelo Estado de Israel, por tudo o que aquela gente conseguiu fazer de um deserto em 75 anos. Estão ali bem evidentes os dons do povo escolhido, e que são irrevogáveis (Deus não revoga os dons que concede às pessoas e aos povos): quase três milénios de desgraças e perseguições deixaram incólumes essas qualidades. Mas a situação ali é dramática: nestes três quartos de século dois povos em tudo distintos e opostos reclamam o mesmo território invocando, cada um deles, direitos históricos por assim dizer imunes à passagem do tempo. Sendo que, a meu ver, junta-se um outro factor à lógica (já de si implacável em qualquer lado do mundo) da luta pela sobrevivência colectiva, um dos lados através de um Estado (Israel) que usa (e dificilmente pode deixar de usar em toda a sua extensão) o monopólio que detém da supremacia militar, e o outro lado por meio de um proto-Estado (a Autoridade Palestiniana) a quem apenas é permitido o protesto pacífico e a reclamação nas instâncias diplomáticas dos legítimos direitos que lhes confere também a lei internacional. E esse outro factor é a escassez da caridade cristã, que torna árido o coração da maioria das pessoas de um lado e do outro. Na verdade, as religiões que professam grande parte dos israelitas (o judaísmo) e dos palestinianos (o islamismo), e que constituem a espinha dorsal das respetivas culturas e concepções de vida, prestam culto à força e à lógica do domínio ou destruição do outro (do estranho, do estrangeiro que os desafia) em detrimento da caridade. Quanto a este grotesco acto de terror que voltou a incendiar o Médio Oriente, e que (uma vez mais) destruiu por completo quer o paciente trabalho diplomático da Autoridade Palestiniana, quer os esforços pela paz de uma parte significativa da sociedade israelita, foi evidentemente causado e orientado pela mão invisível do poder oculto que hoje manda no Mundo e que mexe todos os cordelinhos nos bastidores, e que não são os EUA, nem a Rússia, nem o Irão. É aqui que se decide o destino do Mundo, por aqui começará a Terceira Guerra Mundial.

alex ferraz: Como sempre brilhante. E está tudo dito!

Manuel Martins: O ódio aos judeus, sobretudo dos muçulmanos, em minha opinião, tem por base a histórica divergência religiosa,  mas também a inveja da força, inteligência e união colectiva do povo judeu. A transformação de muitos muçulmanos em máquinas de terror,  capazes das barbaridades contra inocentes, só é possível com uma cultura doentia de ódio,  violência e opressão permanentes em que nascem e são educados. Mas não nos podemos iludir que apenas judeus são o alvo,  pois numa cultura em que quem não é muçulmano é "infiel" e não tem os mesmos direitos humanos,  qualquer um pode ser alvo dessa barbárie

F. Mendes: Muito bom artigo, faltando acrescentar algo de politicamente incorrecto. Faço-o sem problemas: nos EUA, os Judeus dão hoje cartas nas melhores Universidades, na imprensa financeira, nos orgãos de regulação, na Banca, no governo, entre outros sectores-chave da sociedade. Subsiste algum anti-semitismo na sociedade Americana, que, no entanto, se não compara com o existente até aos anos 70. Desde aí, talvez um pouco antes, o peso e prestígio judaico aumentaram a uma velocidade espectacular. Porquê: serão mais inteligentes, ricos e cultos que o americano comum, despertando invejas? Terão tido que se esforçar mais, por uma questão de sobrevivência a tentativas de menorização? Não houve, e continua a haver, uma enorme influência de judeus e descendentes, emigrados da Europa para fugir ao Nazismo (veja-se o exemplo de judeus Húngaros e Lituanos, alguns deles com cérebros brilhantíssimos). Não haverá aqui alguma inveja face a uma comunidade particularmente bem sucedida? Não tenho respostas sólidas para estas perguntas, embora seja para mim claro que o anti-semitismo não se confina à extrema-esquerda na Europa, ou à "esquerda caviar" nos EUA. 

S Belo > F. Mendes: Subscreveria todo o seu comentário; obrigada. Desde cedo na vida me intrigou a sanha anti-semita nas sociedades "ocidentais". A inveja ! A inveja básica,  corrosiva e fatal  sempre presente desde os tempos bíblicos!  O " coração  do faraó  permanecia empedernido" e não  deixava partir o povo de deus, por piores que fossem as pragas que, por castigo,  assolavam o Egipto. Como dantes,  a verdade e a justiça  não interessam; sempre na sombra, sempre relativas.  Despreocupados ou obcecados comentamos e manifestamo-nos e deixamo-nos atrair, ignorantes, pelo mundo das trevas.

 

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