Quando o espírito, formado pelos componentes inteligência,
saber, sensibilidade de uma formação moral pelos caminhos do Bem, acompanharam
o acto da escrita. O caso de Alberto
Gonçalves, a quem os leitores portugueses devem ser gratos e
regozijados, por ser uma figura nacional. Brilhante.
A extrema-esquerda, anti-racista e anti-semita
Por ignorância ou perversão, os
manifestantes à solta em Amã, no “campus” de Harvard e no Largo de Camões
partilham o sonho do Hamas: apagar Israel do mapa e do território.
ALBERTO GONÇALVES Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 14 out. 2023, 00:215
Nos dias seguintes à carnificina em
Israel, em todo o mundo milhares de pessoas saíram às ruas em protesto. Contra a carnificina? Não: contra Israel. Escrevo na
sexta-feira, 13, data convocada pelo Hamas para uma internacional caça ao
judeu. Chamaram-lhe o Dia da Raiva, uma redundância a cargo de criaturas permanentemente raivosas. De
qualquer maneira, as autoridades de diversos países estão alertadas para
prováveis “incidentes”, como o esfaqueamento
de um funcionário da embaixada de Israel em Pequim. Em Nova Iorque, Londres e Paris,
fecharam-se escolas para evitar agressões a alunos judeus, e numa escola aberta
no norte de França um professor foi assassinado por criticar a chacina do
último Sábado.
Nessas e noutras cidades,
árabes e ocidentais andam há uma semana a glorificar em público e aos berros as
câmaras de gás e outros métodos de extinção do inimigo. Em universidades de
gabarito, estudantes e académicos responsabilizaram os israelitas pela matança
de israelitas, enquanto também condenam os israelitas pelos bombardeamentos de
Gaza. Há sinagogas, por exemplo a do Porto, profanadas com insultos. O ambiente
geral tresanda aos anos 1930, embora o anti-semitismo tenha começado largos
séculos antes e não tenha desaparecido depois.
É verdade que os rugidos em curso,
uma interessante irmandade de fanatismo islâmico e as inevitáveis facções
comunistas, não escondem o ódio ao Ocidente, ou à ideia que mantêm acerca do que
o Ocidente é. Mas o ódio a Israel é bastante maior, e confere
uma escala desmesurada a tudo isto. Os muçulmanos não se manifestariam perante
um conflito entre os EUA e a Bolívia. E mesmo que a extrema-esquerda, em
regular harmonia com alguma extrema-direita felizmente marginal, esteja sempre,
sempre, sempre do lado oposto ao dos regimes democráticos, a circunstância de a democracia em causa
ser Israel eleva a
motivação e a fúria a níveis estratosféricos. Se parece anti-semitismo, deve ser anti-semitismo,
velha tradição que inspirou “pogroms” desde o antigo Egipto, passando pela
Europa medieval, pelo Leste dos cossacos, pela Alemanha nazi e nações ocupadas,
pela União Soviética e pelo Médio Oriente anterior a 1948 (pormenor curioso
dada a convicção, repetida à exaustão, de que não havia ali judeus até à
resolução da ONU).
Há dois mil e setecentos anos, quando
os israelitas históricos surgiram na região que, grosso modo, é agora o seu
país, que os judeus são discriminados, perseguidos e mortos ao longo da rota da
Diáspora. Durante esse tempo, raramente beneficiaram de
protecção e nunca da possibilidade de retaliação. Só há bocadinho, ou sete décadas e
meia, é
que, a partir de um pedaço de deserto e uma imensa vontade, a fundação do actual
Israel deu aos judeus um esboço de segurança, constantemente ameaçada e
ocasionalmente falível. Pela primeira vez, os judeus deixaram de viver em
estado de completa impotência. Pela primeira vez, os judeus tinham forma de se
defender, reagir e vingar. Pela primeira vez, graças à existência de Israel, os
judeus eram uma força. E se não toleram judeus débeis e expostos
à injustiça, os anti-semitas toleram ainda menos judeus fortes e capazes de
lutar. Para os anti-semitas, religiosos ou descrentes, Israel é a suprema
blasfémia.
Não vale a pena enganarmo-nos. As únicas palavras sinceras nos
desfiles “pela Palestina” são as que exigem a aniquilação de Israel. O resto são eufemismos. A conversa
alusiva à “paz”, aos perigos da “escalada”, ao sofrimento do povo de Gaza são o
verniz que cobre pessimamente o que vai naquelas alminhas. Por ignorância ou
perversão, os manifestantes à solta em Amã, no “campus” de Harvard e no Largo
de Camões partilham o sonho do Hamas: apagar Israel do mapa e do
território. E, o que é sobretudo repulsivo, no fundo ou à
superfície aprovam os métodos do Hamas, incluindo a tortura, a violação e o
homicídio de homens, mulheres e crianças, civis jamais inocentes porque
“colonos” e “opressores”. Ou seja, invariavelmente culpados porque judeus.
Quanto
à lendária “rua árabe”, que
hoje atravessa avenidas europeias e que se sente muito mais representada pelos
terroristas do que o nosso ecumenismo gostaria, não há surpresas no ódio que
expele. Já o anti-semitismo (ou “anti-sionismo”,
na versão dos cínicos) da extrema-esquerda surpreendeu alguns, decerto chegados
à Terra anteontem. A mim, não. A mim
impressiona-me que semelhantes espécimes vivam por aqui, entre as pessoas
comuns, e desfrutem do respeito que as pessoas comuns merecem. Eles dão aulas,
lideram partidos, votam nesses partidos, comentam nas televisões, cruzam-se
connosco no café e no passeio. E é triste ter de conviver com gente que convive
bem com a morte alheia, a morte directa e deliberada e executada com crueldade
patológica. Para disfarçar, essa gente finge afligir-se com as vítimas
colaterais das tropas e das políticas israelitas – e da estratégia do Hamas –
como não se aflige com as vítimas, colaterais ou degoladas, de Cuba, da China
ou do Sudão. Excepto quando a cartilha manda condenar os carrascos, essa gente
não lamenta as vítimas de lado nenhum. No limite, essa gente
lamenta a escassez de vítimas em todos os lados. E a de israelitas em
particular.
Linhas vermelhas, não era o que por aí propunham uns simples a
propósito de irrelevâncias? As linhas vermelhas estão traçadas por natureza:
separam, ou deviam separar, a extrema-esquerda da civilização. São desenhadas a
sangue.
ISRAEL MÉDIO
ORIENTE MUNDO EXTREMA
ESQUERDA POLÍTICA
COMENTÁRIOS:
João Amorim: Tenho uma enorme empatia pelo povo e pelo Estado de Israel, por tudo o que
aquela gente conseguiu fazer de um deserto em 75 anos. Estão ali bem
evidentes os dons do povo escolhido, e que são irrevogáveis (Deus não
revoga os dons que concede às pessoas e aos povos): quase três milénios de
desgraças e perseguições deixaram incólumes essas qualidades. Mas a
situação ali é dramática: nestes três quartos de século dois povos em tudo
distintos e opostos reclamam o mesmo território invocando, cada um deles,
direitos históricos por assim dizer imunes à passagem do tempo. Sendo que, a
meu ver, junta-se um outro factor à lógica (já de si implacável em qualquer
lado do mundo) da luta pela sobrevivência colectiva, um dos lados através de um
Estado (Israel) que usa (e dificilmente pode deixar de usar em toda a sua
extensão) o monopólio que detém da supremacia militar, e o outro lado por meio
de um proto-Estado (a Autoridade Palestiniana) a quem apenas é permitido o
protesto pacífico e a reclamação nas instâncias diplomáticas dos legítimos
direitos que lhes confere também a lei internacional. E esse outro factor é a escassez da caridade cristã, que torna árido o
coração da maioria das pessoas de um lado e do outro. Na verdade, as religiões
que professam grande parte dos israelitas (o judaísmo) e dos palestinianos (o
islamismo), e que constituem a espinha dorsal das respetivas culturas e
concepções de vida, prestam culto à força e à lógica do domínio ou destruição
do outro (do estranho, do estrangeiro que os desafia) em detrimento da caridade.
Quanto a este grotesco acto de
terror que voltou a incendiar o Médio Oriente, e que (uma vez mais) destruiu
por completo quer o paciente trabalho diplomático da Autoridade Palestiniana,
quer os esforços pela paz de uma parte significativa da sociedade israelita,
foi evidentemente causado e orientado pela mão
invisível do poder oculto que hoje manda no Mundo e que mexe todos os
cordelinhos nos bastidores, e que não são os EUA, nem a Rússia, nem o Irão. É
aqui que se decide o destino do Mundo, por aqui começará a Terceira Guerra
Mundial.
alex ferraz: Como sempre brilhante. E está
tudo dito!
Manuel Martins: O ódio aos judeus, sobretudo dos muçulmanos, em minha
opinião, tem por base a histórica divergência religiosa, mas também a
inveja da força, inteligência e união colectiva do povo judeu. A transformação
de muitos muçulmanos em máquinas de terror, capazes das barbaridades
contra inocentes, só é possível com uma cultura doentia de ódio,
violência e opressão permanentes em que nascem e são educados. Mas não nos
podemos iludir que apenas judeus são o alvo, pois numa cultura em que
quem não é muçulmano é "infiel" e não tem os mesmos direitos
humanos, qualquer um pode ser alvo dessa barbárie.
F. Mendes: Muito bom artigo, faltando acrescentar algo de
politicamente incorrecto. Faço-o sem problemas: nos EUA, os Judeus dão hoje
cartas nas melhores Universidades, na imprensa financeira, nos orgãos de
regulação, na Banca, no governo, entre outros sectores-chave da sociedade. Subsiste algum anti-semitismo na sociedade Americana, que, no entanto, se
não compara com o existente até aos anos 70. Desde aí, talvez um pouco antes, o peso e
prestígio judaico aumentaram a uma velocidade espectacular. Porquê: serão mais inteligentes, ricos e cultos que o
americano comum, despertando invejas? Terão tido que se esforçar mais, por uma
questão de sobrevivência a tentativas de menorização? Não houve, e continua a
haver, uma enorme influência de judeus e descendentes, emigrados da Europa para
fugir ao Nazismo (veja-se o exemplo de judeus Húngaros e Lituanos, alguns deles
com cérebros brilhantíssimos). Não haverá aqui alguma inveja face a uma
comunidade particularmente bem sucedida? Não tenho respostas sólidas para
estas perguntas, embora seja para mim claro que o anti-semitismo não se confina
à extrema-esquerda na Europa, ou à "esquerda caviar" nos EUA.
S Belo > F. Mendes: Subscreveria todo o seu
comentário; obrigada. Desde cedo na vida me intrigou a sanha anti-semita nas
sociedades "ocidentais". A inveja ! A inveja básica, corrosiva e
fatal sempre presente desde os tempos bíblicos! O "
coração do faraó permanecia empedernido" e não deixava
partir o povo de deus, por piores que fossem as pragas que, por castigo,
assolavam o Egipto. Como dantes, a verdade e a justiça não
interessam; sempre na sombra, sempre relativas. Despreocupados ou
obcecados comentamos e manifestamo-nos e deixamo-nos atrair, ignorantes, pelo
mundo das trevas.
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