Os anões, digo, metaforicamente. Ou então,
é porque não leram o Micromégas, do Voltaire, para poderem relativizar. Ou mesmo
as viagens de Gulliver e os seus liliputianos que nos mostram a mesma coisa, na
questão das diferenciações. A cor da pele também origina idênticos parâmetros
de avaliações e frustrações. Daí as mudanças nos livros, e nos filmes, por via
das novas culturas… assépticas segundo o designativo certeiro de José Crespo de
Carvalho, que escreveu o texto, sem relativizar.
E assim se acaba com a beleza dos 7 anões
Sempre entendi Branca de Neve como a
história de 7 seres que eram espelho de uma lição de inclusão de uma pessoa
diferente, sobre as perspectivas negativas dos sentimentos de vingança e de
inveja.
JOSÉ CRESPO DE CARVALHO
Professor Catedrático; Presidente da Comissão Executiva – INDEG – ISCTE
Executive Education
OBSERVADOR, 13
out. 2023, 00:095
Branca de Neve e os Sete Anões foi
a primeira longa-metragem de animação produzida nos Estados Unidos, a primeira
totalmente a cores no mundo, a primeira a ser produzida por Walt Disney e a
primeira dos considerados Clássicos Disney. Fantástico e a comemorar e
preservar. É história, é memória, e há um contexto.
A
história que deu origem ao filme vem de um conto de fadas clássico originário
da tradição oral alemã, que foi compilado pelos Irmãos Grimm e publicado entre
os anos de 1817 e 1822, num livro com várias outras fábulas,
intitulado Kinder-und Hausmärchen (Contos de Fada para Crianças e
Adultos).
A
história, ou fábula, relata a vida de um rei que vivia no seu reino com a sua a
sua filha pequena, que se chamava Branca de Neve. O rei, como se sentia só após
a morte da sua mulher, voltou a casar, achando que seria também bom para a sua
filha ter nova mãe. A nova rainha era uma mulher muito bela mas também muito
má. Não gostava de Branca de Neve que, quanto mais crescia, mais bela se
tornava.
A
rainha tinha um espelho mágico, ao qual perguntava todos os dias:
– Espelho
meu, espelho meu, haverá mulher mais bela do que eu?
E
o espelho respondia, inexoravelmente:
–
Não minha rainha, és tu a mulher mais bela!
Mas
um dia o espelho mudou a resposta e a rainha perguntando o mesmo de sempre ao
espelho obteve como resposta:
–
Tu és muito bonita, minha rainha, mas Branca de Neve é agora a mais bela.
E
é assim que a madrasta decide perseguir e contratar um caçador para matar
Branca de Neve, que foge para a floresta e se refugia na casa dos sete anões. E
depois vem a maçã envenenada que a coloca a dormir. O Soneca, o
Dengoso, o Feliz, o Atchim, o Mestre, o Zangado e o Dunga (o único sem
barba) são personagens absolutamente incontornáveis do nosso imaginário
infantil. São trabalhadores, dedicados e,
apesar dos diferentes perfis, são seres humanos interessantes, generosos,
acolhedores e que sabem onde está o lado certo do coração.
A história é a história de ajuda dos
anões a Branca de Neve, a história dos males da inveja da rainha, a história da
vitória da bondade, da ajuda desprendida dos anões a um ser estranho,
diferente, que lhes entrou pela casa dentro (Branca de Neve), da perspetiva
negativa da vingança, enfim, é a história do triunfo do bem sobre o mal.
E
os anões estão do lado bom.
E tudo estava tranquilo. E as crianças
continuariam e continuam a gostar da história. E a fábula está correcta. E tudo
corria bem até que Peter Dinklage, um actor
que deveria mais que agradecer o sucesso e o dinheiro que tem à Guerra dos
Tronos, põe em causa os anões. Ou melhor,
acha que a fábula está a estigmatizar
os anões. Se não o dissesse,
juro que nunca teria pensado nisto. Nunca. E porquê o estigma? Porque ele mesmo
sofre de acondroplasia, uma forma de nanismo. E eis que fez emergir o papão dos
estereótipos sobre anões.
Pessoalmente, e peço que respeitem a
minha opinião, já que a história, a memória e o contexto não me parece que se
respeitem, acho tudo isto absurdo. Totalmente absurdo. Sempre entendi a
história da Branca de Neve e dos 7 anões
como a história de 7 seres magnânimos que, não obstante diferentes, eram
espelho de uma lição de acolhimento, de inclusão de uma pessoa diferente
(ao contrário – e isto deve ser sublinhado – porque tão pouco conheciam
“gigantes” como era Branca de Neve e, ainda assim, a aceitaram), sobre as
perspetivas negativas dos sentimentos de vingança e de inveja.
A
Disney cedeu a tudo isto e vai trocar os anões por uns seres especiais num novo
filme. Ninguém sabe como ou quais. Mas a verdade, e como
alguém que apanhei num post não identificado diz, “o mundo está a ficar sem encanto e sem senso do ridículo. Qualquer
dia, as histórias das princesas serão queimadas em praça pública. E então será
o fim do belo e a vitória do grotesco.”
Pior que isto serão as crianças e jovens
da nossa sociedade porque estarão mais uma vez sem contexto a ser colocados numa bolha onde não há fábulas,
não há pensamento, não há avaliação, não há diferença, não há tão pouco
capacidade crítica ou de debate à volta de qualquer questão. Não haverá
liberdade de opinião nem debate dessa opinião. Onde jamais saberão distinguir o
bem do mal. Será tudo igual.
Indiferente. Asséptico, pois então, como hoje se quer.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO LIBERDADES SOCIEDADE DESENHOS ANIMADOS CULTURA WALT DISNEY CINEMA POLITICAMENTE CORRETO
COMENTÁRIOS (de 5):
João Floriano > PEDRO LOPES RIBEIRO: A única notícia animadora é que os filmes realizados
de acordo com a cartilha woke têm-se revelado flops na bilheteira. Eu
ficaria muito triste se visse o papel do patinho feio ser feito por uma galinha
pedrês.
PEDRO LOPES RIBEIRO: Óptima
reflexão! A Disney (e tantas outras corporações e/ou instituições), está refém
da cultura ditatorial "woke" que, na sua praxis, adopta o
conceito binário, manipulador e intolerante "Quem não é por mim é
contra mim". E se queremos deixar aos nossos filhos e netos um mundo
melhor do que o que encontramos, não podemos ficar indiferentes perante os riscos
e reais perigos dessa cultura.
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