De riscos, de coragem, de falsa aparência
de confiança e tranquilidade. De ódios ocultos. Na Ucrânia. Os receios na Polónia.
Os cinismos dos chefes da Rússia e da Bielorrússia. As bestialidades dos
wagner. A coragem, também, dos jornalistas. Histórias bem contadas, que assim
vivemos, na distância.
"Os Wagner vão para ali provocar,
mas nem uma mosca passa". O nervosismo destemido na fronteira com a
Bielorrússia
Na Polónia e Ucrânia a chegada dos
Wagner à Bielorrússia aumentou o nervosismo ("mas não o medo") e
levou ao reforço militar. O Observador esteve nas fronteiras a poucos metros do
país de Lukashenko.
RUI PEDRO
ANTUNES (EM RAHIVKA, UCRÂNIA): TEXTO
JOÃO PORFÍRIO (EM
RAHIVKA, NA UCRÂNIA): FOTOGRAFIA
OBSERVADOR,15 out. 2023, 15:102
Índice
Polónia. “Isto aqui é espaço NATO, estamos seguros.
Quer dizer, acho eu…”
“Sou uma terrorista no meu país”
Os autocolantes na marginal de Varsóvia: “PWC Wagner.
Junta-te a nós!”
A estrada ainda tem as marcas dos tanques russos que
por ali passaram quando chegaram às portas de Kiev em fevereiro de 2022. Surge uma bifurcação: de um lado, o caminho para Chernobyl; do outro, uma estrada que vai até à Bielorrússia. A caminho de Poliske, a dez
quilómetros do país de Lukashenko, já não há civis. As placas indicam ser zona
de fronteira, mas também obrigam a recuar, de marcha à ré, para prevenir
outro perigo: minas nas bermas. Não se
vê ninguém, não se ouve nada. Mas assim que o motor do carro pára, seis
militares ucranianos saem de uma casa onde controlavam, camuflados, a zona. “Quem são vocês? O que estão a fazer aqui?”
São os nervos de quem
se apresentaria, minutos depois, como a “primeira linha de defesa da
Ucrânia”.
Na fronteira com a Bielorrússia, do lado ucraniano,
“ninguém tem medo”, dizem, por as tropas do grupo Wagner terem acampado na Bielorrússia, mas o nervosismo está
no ar e na postura. Identificação feita, armas em
baixo. E
um aviso daquela brigada do exército ucraniano: “Tiveram sorte em recuar, andavam
mais uns metros e íamos atirar aos
pneus. É que, daqui, ninguém passa. Nem para lá, nem para cá”.
▲ A brigada anti-tanque,
de artilharia, chama-se Kit Kat: um gato que representa um militar
ucraniano ("cat", de 'kit-kat') a abusar sexualmente de um soldado
russo
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
A brigada
anti-tanque, de artilharia, chama-se Kit Kat, “como o chocolate”, explicam
os militares ao Observador, enquanto a tensão vai baixando em Rahivka, o nome
da povoação. “Wait“, diz um dos militares, que vai até ao interior da
casa-esconderijo e traz na mão um emblema com um desenho: um gato que representa um militar
ucraniano (“cat“, de ‘kit-kat’) a abusar sexualmente de um soldado russo. Riem todos. Justificam ao
Observador a agressividade inicial: “Os Wagner agora vão para ali para a
fronteira provocar e
mandar tiros para o ar”. E como sabem que são Wagner? “Só podem ser, os
bierrolussos têm medo de nós”. E mais não podem dizer.
"Os
Wagner vão para ali [para a fronteira] provocar (...). Como sabemos que são os
Wagner? Só podem ser os Wagner porque os bierrolussos têm medo
de nós"
Membro
da brigada de artilharia Kit-Kat do exército ucraniano
O comandante quer deixar as palavras
para o autarca local e dá ordens para que o Observador recue dois quilómetros:
“Vão lá, que ele está à vossa espera e
fala convosco”. O homem que os
militares identificaram como “mayor” é Ihor Kucher que, em frente à sua casa, ali bem perto, em
Mar’yanivka, espera o Observador.
O autarca Ihor tem 34 anos e começa
por esclarecer que, quando a guerra de larga escala começou, em fevereiro de
2022, não era ele o presidente da junta local, mas que foi escolhido pelos
populares quando os russos se retiraram. A vila é pequena, mas não houve
eleições oficiais em nenhum ponto da Ucrânia, pelo que o Observador não tem
forma de confirmar se aquele que os militares e os populares reconhecem como
autarca tem uma legitimidade oficial.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
“Aqui nem uma mosca passa”
Ihor aponta
para o horizonte, que é a fronteira, para demonstrar a proximidade dos Wagner: “Nesta direcção é Minsk”. O
acampamento do grupo de mercenários está a pouco mais de quatro horas dali, em Asipovich, que fica
a cerca de uma hora da capital bielorrussa. O proclamado
autarca confirma o que os militares tinham dito ao Observador minutos
antes e diz que “os wagner já
tentaram entrar, mas estavam lá os nossos rapazes“. A provocação wagnerista, conta, é feita com “tiros de
metralhadora” do lado de lá da fronteira e com a tentativa de entrada de
“grupos de sabotagem, com 5 a 10 pessoas”.
Sobre os fregueses e conterrâneos,
Ihor
diz que “as pessoas já se habituaram”
e tentam “viver uma vida normal”. Mas todos os populares têm o seu
número de telemóvel e continuam interessados em perceber o que está a acontecer
quando ouvem sons mais estranhos. “Ligam-me
a perguntar: que tiros são estes? Que explosões são estas?”, diz Ihor Kucher. Muitas vezes esses sons, explica, “são treinos” do exército ucraniano junto
à fronteira.
"Eles provocam do lado de lá da fronteira com
tiros de metralhadora. E também com movimentações de grupos de sabotagem de 5 a
10 pessoas (...) Os Wagner já tentaram entrar [na Ucrânia], mas estavam lá os
nossos rapazes. Aqui não passa uma mosca“.
Ihor Kucher, autarca em Maryanivka, povoação ucraniana
perto da fronteira com a Bielorrússia
O
autarca reconhece, assim, alguma ansiedade na vila. Mar’yanivka ainda tem bem viva a memória da
presença dos russos que, nos primeiros dias da invasão, fizeram daquela
povoação uma base para atacar posições mais próximas de Kiev, como Zhytomyr — que foi
atacada a 27 de fevereiro de 2022. Na altura, as tropas russas chegaram
ali sem grande resistência, já que os populares, sem armas, foram forçados a
fugir.
Ainda
custa ao autarca recordar aqueles dias. Com o indicador, Ihor aponta para umas árvores e vai
descrevendo que era naquele sítio que os russos “estacionaram os GRADS,
eram talvez 12, e começaram a disparar em direção a Zhytomyr.” Os GRADS são lançadores de rockets de
122mm de fabrico soviético, que foram utilizados pelo exército russo na invasão
de larga escala e estiveram estacionados durante quatro dias em Mar’yanivka.
Eram
“duas e tal da manhã”, quando Ihor
acordou com o som das bombas no dia da invasão. “Como foi? BUM!”, recorda. Foi aí que começou a ajudar a vila toda a
deslocar-se para uma “cave numa escola pública” que tinha ajudado a transformar
em abrigo. O abrigo foi equipado com colchões e comida e acabou por dar
proteção a centenas de pessoas nos primeiros dias, enquanto havia
bombardeamentos de parte a parte. A organização deste bunker improvisado
e a forma como ajudou a defender a população é que levaram a que Ihor
fosse escolhido como autarca.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Durante a
ocupação da vila, os russos não atacaram massivamente os locais, ao contrário
do que aconteceu em Bucha. Quase todos escaparam aos invasores. Os
soldados russos permitiram, aliás, que populares saíssem por um corredor
humanitário, mas ao mesmo tempo estavam munidos com uma “lista”, que se revelou
fatal para um “rapaz” da vila. “Depois de o terem caçado no corredor
humanitário, foi encontrado próximo da floresta com as pernas baleadas, os
lábios cortados e outros sinais de tortura agressiva”, conta Ihor sobre um
jovem conterrâneo. Foi a única vítima da vila. E não foi um acaso: “Ele tinha
combatido na Operação Antiterrorista no Leste da Ucrânia [do lado de Kiev]”.
Agora tudo mudou. E Ihor acredita que o cenário não se vai repetir. Com a
mesma confiança dos militares, o autarca assegura que o exército ucraniano
“enviou muito equipamento para a fronteira logo a seguir aos russos se terem
retirado” das posições a norte de Kiev. O
reforço ainda foi maior quando os Wagner se deslocaram para a Bielorrússia. Apesar de Prighozin
(CEO dos Wagner) e Utkin (comandante militar) terem morrido (a 23 de
agosto) e isso ter
enfraquecido o grupo, os militares continuam no país de Lukashenko. Para o autarca é, no entanto, indiferente se
são tropas bielorrussas, o grupo Wagner ou o exército russo e dá uma garantia:
“Aqui nem uma mosca passa“.
Mas se, mesmo assim, os russos conseguirem voltar a entrar,
Ihor não tem dúvidas de que fará
como em fevereiro de 2022. “Nasci aqui. Estive aqui a minha vida toda. Não saio
daqui. Ainda ontem a minha mulher me perguntou: ‘E se houver um novo ataque?’ E
eu respondi: ‘Vou levar-te e volto para aqui'”.
O risco, assumem militares e
autarca, existe sempre. Mas o crescente nervosismo da fronteira com a Bielorrússia, no lado
ucraniano, não é exclusivo de um país em guerra. Também no espaço NATO, os
nervos militares estão à flor da pele. Alguns dias e 500 quilómetros depois, o ambiente é igualmente tenso do lado polaco.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Polónia.
“Isto aqui é espaço NATO, estamos seguros. Quer dizer, acho eu…”
O arame farpado é visível, mas a multa é
pesada para quem se aproximar em demasia. Os muros e cercas de centenas de
quilómetros foram construídos para travar migrantes, mas foram agora reforçados
em alguns troços como protecção para eventuais movimentações do Grupo
Wagner. A 50 metros está a Bielorrússia e, do lado polaco, membros de
um batalhão, com o rosto tapado com um passa-montanhas, aproximam-se do carro
do Observador com metralhadoras na mão a passo acelerado. “Go out, go out“, dizem, a partir de um território que só
está militarizado desde julho.
A presença militar foi reforçada nos
últimos três meses, incluindo com helicópteros que, a espaços, cruzam os céus. O Governo polaco começou por enviar mil militares para
a fronteira no início de julho, mas uma conversa
pouco discreta em São Petersburgo
aumentou ainda mais o nível de alerta.
Vladimir Putin e Aleksandr Lukashenko,
ambos sem gravata, e numa conversa aparentemente informal, lançaram a
provocação durante um encontro público a 23 de julho em São Petersburgo:
Aleksandr Lukashenko: “Se calhar não devia dizer isto, mas vou dizer. Os
Wagner já nos começaram a chatear a dizer: ‘Queremos ira para Ocidente.
Deixe-nos ir’. E eu pergunto: Porque é que querem ir para Ocidente? Bem,
queremos ir numa excursão a Varsóvia, a Rzeszów”.
Vladimir
Putin
[Putin
sorri, acena com a cabeça e recosta-se na cadeira]
Aleksandr Lukashenko: “Eles não gostam de Rzeszów. Porque quando estavam a
combater em Artyomovsk [perto de Bakhmut] eles sabiam de onde vinha o
equipamento militar [utilizado pelos ucranianos] e por isso têm maus
sentimentos relativamente a Rzeszów. Mas eu vou mantê-los, como combinado, no
centro da Bielorrússia.”
A conversa de Lukashenko sobre
a “excursão” à capital Varsóvia e à cidade média de Rzeszów (é a 23ª maior do
país) foi vista pelo Governo polaco como uma ameaça. Duas
semanas depois a Polónia faria uma reforço de forças de segurança na fronteira,
que aumentou para 10 mil homens entre militares, guardas de fronteira
e polícia de choque. No final do mês, quando o Observador se dirigia para
a fronteira da Polónia com a Bielorrússia, os noticiários das rádios polacas
abrem com a mesma notícia: “Lukashenko
considera estúpidas as exigências do Governo polaco e não vai
expulsar o grupo Wagner.”
A tensão
continua. É neste clima que o Observador
chega à zona de fronteira. Após os “go
out“, um veículo da guarda de fronteira interceta o carro do Observador
mais à frente. Seguiu-se mais de uma hora de paragem, de identificação, de
verificação de documentos. O tom começa por ser agressivo (“Podem apanhar uma
multa se se aproximarem da fronteira”), mas acaba com apaziguamento (“Sabemos
que estão só a fazer o vosso trabalho, mas não podem fotografar nem
aproximar-se da fronteira”).
▲ Continuando
por esta estrada, a poucos metros, é a fronteira terrestre da Polónia com a
Bielorrússia onde estão centenas de militares polacos.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
A
intercepção policial (e militar, que entretanto se juntou) acontece na aldeia
de Chomontowce, na única rua habitada e onde há casas em que o
edifício principal está na Polónia, mas parte do quintal está na Bielorrússia. Os populares, agastados com a presença
militar, tentam ajudar os jornalistas do Observador, indiferentes às armas que
empunhavam: “Há
problemas? Precisam de alguma coisa?”.
Andrzej Klos e a mulher ficam ali, tipo sentinela, até militares e polícia
desmobilizarem.
Só querem conversar dentro de casa,
com uma tranquilidade que contrasta com a dos militares. Andrzej, de
51 anos, conta que aquela é o seu refúgio de fim de-semana e que vai para ali
para fugir da azáfama da cidade. Nos últimos tempos, a calma foi substituída
pelos helicópteros e outras movimentações militares que, garante, os habitantes
dispensariam. Ao Observador diz
que não tem medo que os Wagner passem a fronteira: “Isto aqui é espaço NATO,
estamos seguros”. Mas, mais inseguro na voz, acrescenta: “Quer dizer, acho eu…”
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
O país liderado
de forma autoritária por Lukashenko é, literalmente, do outro lado da rua. “Aqui da cozinha vejo a
Bielorrússia”, diz Andrzej. “Olá, bielorrussos”, diz, enquanto acena da janela junto ao fogão. Apesar da proximidade, o polaco garante que naquela aldeia ninguém tem
medo de uma invasão bielorrussa. “Há pessoas daqui com família do lado de lá e
vice-versa, as pessoas dão-se bem”, explica. E evoca razões históricas:
“Chomontowce já foi Bielorrússia, depois Polónia, as fronteiras andaram sempre
a mover-se, portanto a proximidade é grande”.
“Isto aqui é espaço NATO,
estamos seguros. Quer dizer, acho eu…”
Andrzej
Klos, 51 anos, com casa a 100 metros da Bielorrússia, em Chomontowce (Polónia)
No início dos anos 1920, Chomontowce já tinha uma maioria ortodoxa
(eram poucos os católicos) e, após a II Guerra Mundial, tornou-se parte da
República Socialista Soviética da Bielorrússia. Três anos depois foi feita uma
correcção de fronteiras entre a Polónia e a Bielorrússia e Chomontowce ficou do
lado polaco. Ou seja: só há 75 anos é que aquela terra é oficialmente Polónia.
Enquanto a noite
cai em Chomontowce, as
rádios polacas dão outra notícia: a
Bielorrússia acusou a Polónia de ter violado espaço aéreo daquele país,
precisamente na região onde o Observador pôde constatar a presença de
helicópteros. E fez um grafismo que, alegadamente, o confirma. O nervosismo
continua.
“Sou
uma terrorista no meu país”
Chomontowce faz
parte do distrito de Bialystok, uma cidade de 300 mil habitantes, mas mais
afastada da fronteira. É lá que Karina Malinowska, oposicionista ao regime de
Lukashenko, abriu uma loja de tatuagens depois de ter sido forçada a fugir do país. A primeira coisa que refere ao Observador sobre o reforço militar nos
últimos meses não é muito diferente do que dizem os polacos: “Vejo helicópteros de combate a voarem
baixo a toda a hora”.
Karina Malinowska decidiu fugir da Bielorrússia há
três anos quando a mãe, prisioneira política, foi libertada e lhe contou que,
quando estava detida, os polícias bielorrussos lhe pediram para “desenhar a
planta da casa” onde a filha vivia e especificamente o quarto onde dormia a
neta (filha de Karina). No momento em que saiu da prisão, a mãe disse apenas a
Karina que não podia falar por telefone, foi buscá-la de carro, contactou a
Casa da Bielorrússia em Varsóvia (“para que os militares polacos nos deixassem
passar a fronteira”) e não voltou a olhar para trás.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Meses antes,
quando o regime de Lukashenko prendeu a tia e o padrinho, também
oposicionistas, ameaçaram que iam dar um tiro na cabeça de Karina. Ao passar a
fronteira, não se calou. “Não fiquei em
silêncio, tinha o meu próprio blogue no
Instagram com mais de 20 mil
seguidores e incentivava as pessoas a lutarem nas ruas contra o
regime”, conta. Além disso, já na Polónia, Karina foi
formada por membros do BYPOL — associação paramilitar que luta contra o regime
bielorrusso — e aprendeu “tiro, tácticas de guerra, assistência médica e outras
valências”. E publicava tudo: “Não escondia a cara e, claro, fui considerada terrorista no meu país“.
É hoje um alvo a abater? “Sim, eles querem matar-me”, diz ao Observador.
A viver na
Polónia, não muito longe da fronteira, Karina é também observadora privilegiada
do medo que os polacos sentem. A tatuadora diz que tem vários clientes polacos
e não se importa de dizer que “alguns têm medo de uma invasão”, mas
também há “outros que dizem que querem ‘rasgar a garganta aos russos'”. E
acrescenta: “Se tivesse de dividir, diria que 70% querem combater os russos
e 30% têm medo [de uma
invasão]”.
A partir de Bialystok, a oposicionista mantém contactos com a rede de
resistência a Lukashenko e é através dela que vai
sabendo novidades da presença das tropas do grupo Wagner no seu país. “Mantenho contacto com um
prisioneiro político, que apesar de estar em prisão domiciliária em Brest,
contou-me que os wagner andam pela
cidade. Ele conta histórias de como se embebedam e a própria polícia
bielorrussa tem medo deles”, conta.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Se
a história do amigo de Karina Malinowska bater certo, há wagners bem mais perto
do que Lukashenko prometeu enquanto trocava sorrisos com Putin: o tal centro da
Bielorrússia. Na verdade, no
mesmo mês de julho em que o vídeo foi gravado, o próprio ministério da Defesa
do Governo de Lukashenko admitiu que uma parte dos militares do grupo Wagner
estiveram num campo de tiro próximo de Brest em exercícios militares durante
uma semana. Ora, Brest é a dez minutos de carro da Polónia.
Brest,
cidade na Bielorrússia, é
praticamente colada a Terespol,
cidade fronteiriça do lado polaco. O presidente da câmara local, Jacek
Banieluk, já admitiu em declarações à imprensa local que a presença dos Wagner
na Bielorrússia deixa os habitantes “ansiosos”, mas reforça o que também diziam os ucranianos na
fronteira: “Medo, não”.
"Mantenho
contacto com um prisioneiro político, que apesar de estar em prisão
domiciliária em Brest, contou-me que os wagner andam pela cidade. Ele conta
histórias de como se embebedam e a própria polícia bielorrussa tem
medo deles."
Karina Malinowska, opositora de Lukashenko no exílio e tatuadora em
Bialystok
Nos pórticos de fronteira, em Terespol, o Observador aborda mais de
vinte pessoas e ninguém fala inglês. Apenas duas mulheres, bielorrussas, que explicam que estão a regressar
ao país depois de passarem “férias” na Polónia. Sobre se temem os Wagner no
país, respondem em uníssono: “Não temos visto as notícias”. E como é ir para um
país em ditadura? “Não falamos sobre política”. Ao fim de cinco minutos de
não-respostas lá admitem constrangimentos: “Desde que a guerra [na Ucrânia]
começou, a entrada demora muitas horas”. As filas comprovam-no.
▲ Fronteira
terrestre da Polónia com a Bielorrússia. Do lado desta rede de arame farpado é
o país liderado por Lukashenko. Na placa diz: Fronteira de Estado - Passagem
Proibida
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Os
autocolantes na marginal de Varsóvia: “PWC Wagner. Junta-te a nós!”
Karina Malinowska vive mais perto da fronteira, mas foi outro opositor de Lukashenko, Ruslan Guseinov, que a
colocou em contacto com o Observador. Ruslan conduz um
TVDE em Varsóvia, a capital, que fica
ainda a uns seguros 200 quilómetros da fronteira. Mas a distância não faz diminuir o seu pessimismo.
O bielorrusso foi observador nas eleições de 2020 e,
por denunciar irregularidades do regime de Lukashenko, esteve detido 15 dias.
Desde então dedica-se, nas suas redes sociais, a atacar o regime bielorrusso.
Faz questão de mostrar, na sua página de Facebook, o dia em que saiu da prisão,
apenas com um saco de plástico na mão. O agora condutor da Uber traça um
cenário mais dramático, crítico do país que o acolheu, e diz que “90% dos polacos vivem alheados
da política, mais preocupados os negócios, o crescimento profissional, além de
que os jovens estão pouco importados com o que os rodeia”.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ruslan Guseinov diz mesmo ao Observador que “o principal erro dos polacos é pensarem
que estão sob a proteção da NATO”. E acrescenta: “Nenhuma NATO pode salvá-los de serem atingidos por
uma ogiva nuclear“. O
oposicionista bielorrusso considera ainda a presença dos Wagner a
poucas centenas de quilómetros “perigosa”, já que estão a aproveitar a “pausa”
para “sobreviver” e regressarem mais fortes.
Pelas
ruas em que Guseinov conduz o seu carro também andaram recrutadores
alegadamente a mando do Grupo Wagner. Em
meados de agosto, a polícia polaca deteve mesmo dois homens por espalharem
propaganda pela capital (e em outras cidades polacas). O modus
operandi utilizado foi a colagem de autocolantes com o símbolo do Grupo
Wagner que diziam “junta-te a nós” e um QR Code que redirecionava para
propaganda de adesão àquele grupo.
A
actividade foi particularmente intensa na Avenida de Vístula, uma zona ribeirinha na marginal do rio homónimo, onde
os recrutadores colaram autocolantes em postes, caixotes do lixo e casas de
banho. Duas semanas
depois dos homens serem detidos, o Observador foi àquela zona da capital polaca
e ainda encontrou vários desses autocolantes — embora quase todos
danificados. Há um simbolismo especial quanto à zona onde foi
colada a propaganda: o rio que dá nome à avenida está associado à resistência
da Polónia contra a Rússia, já que foi no chamado “milagre do Vístula” que,
contra todas as expectativas, as tropas de Varsóvia venceram o exército
vermelho em 1920, forçando Moscovo a assinar um tratado de paz que
assegurou que a Polónia continuasse um Estado independente.
Na
Avenida Vístula, em Varsóvia, ainda há muitos autocolantes que apelam à
inscrição no Grupo Wagner. Na sequência dessa propaganda foram detidos
dois homens.
Na
Avenida Vístula a vida segue normal. Da vendedora de cachorros ao funcionário
de um bar fancy, passando por uma família que passeia pela marginal, ninguém
tinha reparado nos autocolantes. Nem do que sobra deles. “Não tinha visto isso
e passo aqui todos os dias”, diz o trabalhador do bar. “Nem sei o que é isso
dos Wagner”, acrescenta a vendedora de cachorros. “Não sabemos nada sobre
isto”, complementa o pai com o carrinho de bebé. A indiferença à propaganda dos
Wagner na Avenida Vístula contrasta com o clima político, em que, à beira de
eleições legislativas, cada movimentação dos Wagner é tema de campanha
eleitoral.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Quando
o grupo Wagner se deslocou para a Bielorrússia, o presidente polaco
Andrzej Duda foi rápido a classificar a deslocação
como “ameaça”. Donald Tusk, líder do
principal partido da oposição (a Plataforma Cívica), chegou a temer que os
comentários de Duda e do primeiro-ministro Morawiecki sobre os Wagner fizessem
parte de uma estratégia para forçar o adiamento das eleições. As legislativas
estão, no entanto, marcadas para este domingo, 15 de outubro, e Tusk tenta
tirar o poder que está há oito anos nas mãos do partido nacionalista Lei e
Justiça (o PiS), numas eleições em que enfrenta Jaroslaw Kaczynski.
Os conservadores tentam utilizar a
guerra na Ucrânia e o medo como trunfos eleitorais, já que tentam capitalizar o
facto de serem defensores de uma linha mais securitária e de militarização. O
lema de Kaczynski é, aliás, um “futuro seguro para os polacos”. Além de ter
reforçado a presença militar, o Governo do PiS já ameaçou também fechar as
fronteiras com a Bielorrússia. A guerra e, por arrasto, os Wagner são um dos
grandes temas de campanha. Os nervos da fronteiras já chegaram ao núcleo central:
o Palácio Belweder, em Varsóvia.
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO POLÓNIA
COMENTÁRIOS
pertinaz: Podiam visitar a faixa de gaza… António Cézanne > pertinaz: Os
Wagner têm um atraso mental em relação à civilização ocidental de mais de 50
anos, mas também não é assim esse atraso tão grande. É que eles ainda conseguem perceber pelo menos que se
fosse para Gaza defender aquilo, ficavam lá todos. Era uma vez os Wagner.
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