sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Para a gaveta das recordações


Ou seja, este meu blog. Textos esquecidos, para completar um livro que em tempos escrevi, livro de memórias “Melodias do passado” que a Editora online “Sinapses” publicou, mas entretanto, eliminou da Internet e que mereceu um comentário de Sandra Machado, no seu facebook, em 18/10/2010, (onde se define do seguinte modo: “Sou, simplesmente, alguém simples”) e que sobre esse meu livro escreveu o seguinte, encimado pela capa do livro:

«Um passeio de 77 páginas por um Portugal não muito distante. Um olhar saudoso por uma época, onde havia mais vagares. Um tempo desconhecido para muitos de nós e relembrado ainda por outros tantos. Época anterior ao 25 de Abril. As colónias portuguesas, os portugueses aí cativos, as saudades que ficam desses lugares. A autora leva-nos por simplicidades, alegrias, alguma tristeza (como a morte do seu pai).

Para mim foi o conhecer um pouco mais de um tempo anterior ao meu nascimento. Uma leitura que prende, onde descansamos somente depois de ler toda a narração.»

(Texto encimado por foto retirada do site da editora do livro: “Sinapses”).

 

Nem sei mesmo se já referi esse facto, mas como repego no tema primeiro desse meu livro, exposto no seu Prefácio – de admiração no reconhecimento das qualidades morais e intelectuais do meu Pai, que a sua modéstia sempre desejou apagadas – e por isso rasgou tudo o que escrevera e lhe merecera, entre outras conquistas do seu talento, nesse nosso viver simples, os primeiros prémios em dois concursos de quadras a marcas de cigarros, em Lourenço Marques, com pena minha, que transcrevi alguns de cor, nesse meu livro.

Nele, transcrevi também versos que o meu pai nos enviava frequentemente, quer em forma de carta quer como prendas de anos – da minha irmã e meus – que a minha irmã reuniu em um dossier, (juntamente com as cartas em prosa e textos nossos escolares que enviávamos para o meu Pai), com que ele ia acompanhando a nossa formação, lá de Moçambique, para onde regressara sozinho, em 38, depois da licença na Metrópole, por a minha Mãe se sentir com anemia - e entretanto a guerra ter impossibilitado o nosso regresso mais precoce, pelo medo do meu Pai de que o nosso barco fosse apanhado por algum submarino alemão. Voltámos só em 44 para África, já na nossa 4ª classe, numa ausência de seis anos, em que o meu pai nos ia acompanhando de longe – cartas bem amorosas e orientadoras na formação das suas filhas, que reli há pouco, por a minha irmã as ter organizado em dossier que reencontrei nas minhas arrumações, pois mo oferecera, talvez para poder corroborar lembranças desses afectos, cujos versos eu levara para Coimbra, quando vim para cá estudar, companheiras nas horas de saudades da nossa casa lourençomarquina.

Ao reler esses textos, encontrei mais dois poemas, que gostaria de ter acrescentado ao meu livro “Melodias do Passado”, e faço-o hoje, no meu blog, como post scriptum perdido de uma lembrança jamais esmorecida, de que não raras vezes o café de domingo nos ocupa, à minha irmã e a mim, antes de chegarem os companheiros desse café do nosso entardecer - descendentes tardios, com as suas próprias memórias, mais libertas, por enquanto – e talvez para sempre – dessas nossas pieguices rememorativas.

Eis os versos do meu Pai: versos formais, talvez, um tanto piegas, inspirados no modelo ultrarromântico de alguns dos livros da sua estante, mas versos sinceros, que poderiam servir de exemplo para um acompanhamento de muitas crianças ainda, em que esses modelos de sentimentos pátrios, sobretudo, ou de modelos esmoleres, vão sendo paulatinamente apagados, como ridículos fantasmas cada vez menos identificáveis - pese embora os gestos de fraterna ajuda social, hoje pateticamente disseminados, a contrariar, não com a ponderação sobre as tais paridades sociais tão declamadas, mas bem à nossa maneira da caridadezinha, decididamente imprescindível, com tantos “sem abrigo”, entre outros desabrigados, da nossa pequenez definitiva:

1º Texto, 1944:

«PORTUGAL!»

(para a Nandita)

«Que mais lindo pode haver

Que esta minha terra amada,

Que este lindo Portugal?

Nada!

Se até Deus, com seu poder

Omnipotente e profundo,

Não pôde fazer no mundo

Um outro cantinho igual!...

 

Portugal, meu berço amado,

 Ai quanta beleza encerras!

Torrão belo, delicado!

És a rainha das terras!

 

Deitado à beira do mar

És um manto de princesa

Que o mar bordou com encanto…

E  quem olhar ao  luar

Esse tão formoso manto,

Verá, de prata, um tesouro.

Mas quem o olhar de dia,

Vê-lo-á bordado em ouro!

 

E a cor do céu?! Que subtil!

Onde existe um céu igual

Ao céu do meu Portugal,

Um céu de tão lindo anil?

……………………………………..

………………………………………..

 

Portugal dos meus amores

De beleza peregrina!

És um Poema de Flores

Nascido da mão divina

Numa aguarela de cores!

 

«Que mais lindo pode haver

Que esta minha terra amada,

Que este lindo Portugal?

Nada!

Se até Deus, com seu poder

Omnipotente e profundo,

Não pôde fazer no mundo

Um outro cantinho igual!...»

2º Texto, 1944:

«O TRISTE SONHO DA LILI»

(para a Berta)

Lili

«Esta noite tive um sonho...

Que triste sonho, mãezinha!

Sonhei que era pobrezinha

E no meu viver tristonho,

Só no mundo e sem ter pão,

Rogara uma esmola a alguém...

 

Mãe

E depois, meu doce bem?

 

Lili

E depois... que decepção!...

Esse alguém disse que não.

Não me podia valer!

Se visses o meu sofrer!

A minha angústia! Oh! Que dor!

 

Mãe

Talvez a quem tu pediste,

Igual a ti fosse um triste

Pobrezinho?

 

Lili

                                        Minha mãe!

Lembre que Nosso Senhor

Foi pobrezinho também,

E repartiu seu amor

Quando mais nada podia...

Eu, por mim, se alguém viesse

Uma esmola mendigar,

Teria prazer em dar

Um pão, um beijo, um carinho...

 

Mãe

Que santo coraçãozinho

Tu tens, filhinha adorada!

Tão cheio de encanto e luz,

Coração de oiro! De fada!

Tal como tu, foi Jesus,

Que o Bem, o Amor pregou.

E porque o Bem praticou,

Morreu pregado na cruz!

Segue do Bem a doutrina

E dessa maneira pensa

Que terás a recompensa

Que aos humildes Deus destina;

Pois aqueles, meu amor,

Que tal qual o Salvador,

Pregam amor e bondade,

Jamais morrem. Viverão

No peito da Humanidade!»

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