Alexandre Borges disse tudo, em severa crónica. Com tudo roído assim, será que haverá restauro?
O fazedor de vazios
António Costa deixa uma economia que
se alimenta de duas coisas: turismo e impostos; uma, volátil; a outra, canibal.
Sai na semana em que o Presidente do STJ declarou que a corrupção está a crescer.
ALEXANDRE BORGES Escritor
e argumentista
OBSERVADOR, 09 nov. 2023, 00:195
Um dia, quando olharmos para trás, será estranho perceber qual foi o
legado de António Costa.
António
Costa foi o segundo primeiro-ministro que mais tempo governou no Portugal
democrático. Mais tempo do que Sócrates, mais tempo do que Passos, muito mais
tempo do que Soares. Durante
oito anos, não fez uma reforma. Gabou-se de sentir “calafrios” de cada vez que ouvia a expressão
“reformas estruturais”. Conduziu o governo mais rico dos últimos
50 anos em Portugal, consequência do reforço das verbas europeias e do contínuo
somar de recordes no arrecadamento fiscal, e não fez nada com o dinheiro. Aumentou
o salário mínimo, mas deixou enterrar o médio; distribuiu esmolas, mas só
aumentou o número de pobres. Cavaco tinha o CCB e as estradas; Guterres
a Expo lançada por Cavaco; Durão os estádios lançados por Guterres; Sócrates as
estradas duplicadas e as eólicas; Costa
deixa um buraco aqui e um pasto ali, para o aeroporto que nem sequer conseguiu
decidir onde fazer.
Durante oito anos, somaram-se os
desastres. Na Administração Interna, quando Pedrógão ardeu e o Estado
colapsou. Quando nada daquilo alguma vez voltaria a acontecer e, afinal,
aconteceu logo em Outubro. Quando agentes do SEF mataram à paulada um cidadão
estrangeiro e, a seguir, simplesmente, se desmantelou o SEF. Quando o ministro
andou a vender golas anti-fogo que, afinal, eram inflamáveis, e acabou a
atropelar um homem na autoestrada e nem saiu do carro. Quando
Costa segurou esse ministro contra tudo e todos – até alguém lhe dizer que ia
perder as eleições se não o deixasse cair. Porque, durante
oito anos, a única coisa que pareceu importar a António Costa foi isto: o
poder. Para fazer o quê? Ninguém sabe. Ninguém viu.
Na Defesa, foi o pior ataque. Do embaraçoso roubo das armas de Tancos
ao escândalo do secretário de Estado envolvido num caso de corrupção, passando
pelos Leopards oferecidos à Ucrânia de que, afinal, só se aproveitavam três e
pelo navio da Marinha em que os próprios militares se recusaram a embarcar e
que acabaria a avariar em plena missão, meia dúzia de dias depois. Nas infraestruturas,
tivemos ministros e adjuntos à pancada. Na economia, um ministro inútil,
desmentido pelos seus próprios secretários de Estado.
Durante oito anos, António Costa criou os maiores governos de
sempre, entre pastas que não existiram – Economia, Ciência, Cultura,
Planeamento, Coesão Territorial (o
que quer que isso seja), e outras cujos titulares chegam ao
fim envoltos nas maiores suspeitas – Finanças, Infraestruturas, Negócios Estrangeiros. Oito anos em que a única coisa que
cresceu foi o PS e os seus tentáculos, estendendo-se ainda mais pelas empresas
públicas, pelos órgãos reguladores, por tudo o que mexe, e onde tudo, cada vez
mais, em Portugal, depende de uma só coisa: a fidelidade a quem seja,
circunstancialmente, líder do Partido Socialista.
Durante oito anos, António Costa tentou,
acima de tudo, ser ambíguo. Que
as suas palavras pudessem querer dizer o máximo de coisas possíveis, de maneira
a nunca se comprometer com nada. Nas vezes em que arriscou não o fazer, foi o
fracasso absoluto: nos médicos de família que todos os portugueses iam ter e cada
vez menos têm; nos milhares de casas que se ia construir e que nunca saíram da imaginação sabe-se lá de quem. A
TAP foi o símbolo do seu reinado: comprou-a
de volta para a voltar a vender e nem isso conseguiu levar até ao fim. Pelo
caminho, fez o país gastar milhares de milhões de euros e, o que ainda é pior,
anos de vida. Para absolutamente nada.
Mas o mais estranho, o mais
inexplicável, foi a bazófia. Durante
oito anos, António Costa deixou acumular o que tentou desvalorizar como “casos
e casinhos”. Incompetências, mentiras, acusações de corrupção dentro do seu
governo, entre pessoas cada vez mais próximas do seu círculo. Se,
a princípio, ainda tentou manter a uma distância de segurança a tralha socrática,
a dado momento chamou-a, como agora se vê, para dentro do seu próprio gabinete.
E apesar de tudo, de todos os avisos, de todo o histórico, continuou a cantar
de galo, cada vez mais alto, cada vez mais arrogante, de forma cada vez mais
gratuita, por pura e simples exibição da mesma coisa: o poder.
Na semana passada, tentou achincalhar
o Presidente, a oposição, o regime, colocando o ministro cuja cabeça há tanto
tempo Marcelo pedira a encerrar o debate do Orçamento – e a dar-se ao cinismo
supremo de citar essa mesma “sua excelência” Marcelo. Parecia ter tudo sob
controlo – mais sob controlo do que nunca. Para cair, afinal,
descontroladamente e sem aviso, uma semana depois. Fica, ao menos, uma
declaração digna na demissão, e uma das poucas sem ambiguidades que alguma vez
logrou fazer.
Oito anos volvidos, deixa Portugal ainda mais dependente dos fundos
europeus e os portugueses ainda mais dependentes do Estado. Um Estado que fez
engordar de novo para números-recorde e que, no entanto, está mais incapaz do
que nunca de cumprir sequer as suas funções essenciais: na Saúde, na
Educação, na Defesa, na Justiça. Não
conseguiu vender a TAP, não fez o novo aeroporto, não lançou a alta velocidade,
não estancou a emigração, afastou investimento, agravou, drasticamente, os
problemas no SNS e na habitação.
Nas escolas, os alunos não têm
professores e os professores não têm habilitações. Nos
hospitais, falta tudo, dos instrumentos mais básicos aos próprios médicos. Na
habitação, chegámos ao triste ponto em que um ordenado médio no país não chega
sequer para pagar a renda de um apartamento exíguo na capital. António Costa deixa uma economia que se alimenta de duas coisas: turismo e impostos;
uma, volátil; a outra, canibal. Sai na semana em que o Presidente do Supremo Tribunal declarou que a
corrupção está instalada no país e a crescer, e no mês que o responsável máximo
pelo SNS anunciou como “o pior da História”. Não são
exageros da imprensa nem da oposição; são os factos.
Para isto, derrubou o líder do seu
partido em pleno mandato. Não por questões ideológicas, não por uma divergência
de visão para o país, mas porque ganhava por poucos, por “poucochinho”. Para
isto, provocou um terramoto na política portuguesa, impedindo, pela primeira
vez, que fossem os partidos mais votados pelo povo a formar governo. E com isso
deixou aquele que se arrisca a ser o seu verdadeiro legado: a
fragmentação da direita e o quase desaparecimento da esquerda. Em suma, o
vazio. O desfecho inevitável
para um homem cujo grande desígnio para o país, resta agora evidente, era
deixá-lo absolutamente na mesma.
E o pior, caro leitor? O pior,
receio, é o que vem a seguir.
AS PEQUENAS
COISAS OBSERVADOR CRISE
POLÍTICA POLÍTICA ANTÓNIO COSTA
MAIS OPINIÃO
José B. Dias: A última frase
da crónica é algo que parece estar a ser esquecido ... observador censurado: Não sei quem será pior: se o sr. António Costa, se quem
aprove que uma pessoa que nunca terá trabalhado na vida possa concorrer a
cargos de responsabilidade no Estado. É urgente haver uma lei sobre a elegibilidade para
cargos dirigentes na administração pública que impeça o acesso a todos os
senhores Antónios Costas. Os cargos de responsabilidade não são para
"habilidosos". Não se pode fazer experiências sociais/brincar com a
vida de milhões de pessoas. Só deverá ser elegível quem na vida profissional já
provou ter requisitos éticos e de racionalidade em processos de tomada de
decisão. observador censurado > observador censurado:
Excelente artigo. JOHN MARTINS: Com um curriculum vitae, escrito com tanto detalhe,
sobre o mais hábil político da sua geração, segundo alguns propagandistas da
nossa praça; proponho que seja enviado: para o largo das ratazanas, para
Bruxelas, por precaução e para Luis
Montenegro para o repetir até à exaustão, onde houver um português vivo.
A.Costa, sendo o tal hábil político (com inteligência
duvidosa ) como foi possível cair com tanto estrondo, que nem o galamba se
safou? É que ninguém o avisou desta vez!!!Terá sido? Ou coisas do diabo??? Glorioso SLB: Ñ deixou na msm. Deixou bem pior. Obrigado pelo
exercício de memória. A do povo é curta.
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