Para o meu gmail. E eu aproveito-o, para
o meu blog, como sempre seduzida com o estilo claro e lúcido de António Barreto, pleno de referências sócio-económicas,
e de juízos de valor, caso deste texto, sobre o problema português da imigração
e dos seus aspectos positivos e negativos no país receptor – neste caso, o
nosso país, cada vez mais amolecido por uma deseducação que despromove o valor
do estudo, da disciplina e do trabalho.
Comida à moda do tempo da sardinha para três, não me
lixem, pá!
"Ninguém
sabe ao certo quantos estrangeiros vivem em Portugal. Nem a que título. Nascido
no estrangeiro ou aqui?
De
nacionalidade estrangeira ou naturalizado?
Imigrante
temporário ou definitivo?
Com
ou sem familiares?
Legal
ou ilegal?
Turista,
empresário, assalariado, reformado ou desportista?
Com
ou sem idosos, crianças e parturientes para os serviços de saúde?
À
procura de oportunidade para ir para outro país europeu?
À
espera de autorização?
Tratador
de estufas ou comerciante de endereços falsos?
Africanos,
europeus, latino-americanos, árabes ou asiáticos?
Do
INE à PORDATA, passando por vários organismos oficiais (ACM, SEF, etc.), pelos
jornais, pelas universidades e por entidades privadas, não se conseguem números
aproximados. Entre 400.000 e 850.000 tudo é possível. O que revela pelo menos
um facto essencial: ninguém realmente se interessa e as autoridades preferem
esta situação pois lhes poupa esforços, clareza no propósito político e
escolhas difíceis. Mesmo as indispensáveis previsões para os impostos, assim
como os grandes serviços de saúde, educação e segurança social são impossíveis!
Com
valores anuais de emigração de portugueses para o estrangeiro oscilando entre
os 30.000 e os 70.000, o
nosso país voltou a uma era parecida com a dos anos 1960: são dois períodos
muito parecidos neste denominador comum, o do falhanço da
economia e da sociedade para alimentar e empregar a sua população. Mas com diferenças interessantes. Primeiro,
na altura, não havia imigração,
agora há, com valores por vezes parecidos (20.000 a 50.000 por ano). Segundo, então, saíam
portugueses analfabetos, sem formação profissional, pobres e dispostos a tudo. Hoje, saem portugueses educados, com
formação profissional e experiência, muitas vezes com diplomas superiores e universitários. Portugal fica a perder e muito! Terceiro, a emigração, naqueles
anos, contribuiu para a rarefacção da mão-de-obra, o pleno emprego e o aumento
generalizado dos salários. Hoje, a
imigração é um incentivo ao decréscimo de salários e à precaridade do emprego.
Não
tenhamos dúvidas: a emigração continua a ser um problema sério do
país e a imigração está a transformar-se numa das mais graves questões da
sociedade. Tal como noutros países
europeus, a imigração e as suas consequências mudaram as sociedades e têm
influência na política muito acima do que se esperava. A discussão está de tal
modo envenenada que poucos são os que dizem claramente o que pretendem e o que
propõem.
Há grandes mal-entendidos e enormes
preconceitos relativamente aos imigrantes. Do lado positivo,
rejuvenescem e diversificam a população, aumentam a democraticidade e o
pluralismo da sociedade, dão rendimentos ao país e sustentabilidade à segurança
social, fazem o que os portugueses já não querem fazer, ajudam à exportação
através de muito trabalho com salários baixos, permitem uma grande
flexibilidade no recurso à força de trabalho por parte das empresas, diminuem a
rigidez do mercado de emprego, alargam os horizontes culturais e religiosos do
país e diminuem a carga nacionalista da educação e da cultura nacionais.
Do lado negativo, não são menores as consequências da chegada de
imigrantes que desvirtuam
a identidade nacional, alteram as características culturais do povo, não
respeitam as regras e leis do país que os acolhe, promovem a ilegalidade, vivem
na marginalidade, alimentam redes de tráfico e de criminalidade, comportam-se
como verdadeiros racistas, exigem que os seus usos e costumes se sobreponham às
leis em vigor, contribuem para o desemprego de nacionais, fazem concorrência
desleal aos trabalhadores nacionais e forçam a manutenção de salários baixos.
Em
tudo o que precede, há verdade e mentira, há facto e preconceito. Mas há de tudo. E é por isso
que a questão da imigração é tão difícil.
Num mundo simples, há duas políticas essenciais. De um lado, a porta aberta, a aceitação de todos os imigrantes que queiram vir
para o país, o fácil acolhimento dos que vêm, a ajuda automática aos que querem
residir aqui, eventualmente trabalhar, fazer família, educar, recorrer aos
serviços públicos… Os
defensores desta atitude proclamam que ninguém deve ser obrigado a legalizar-se
à chegada, que não se deve exigir autorização de residência nem contrato de
trabalho. Que se devem aceitar, sem condições, os que venham à procura de
trabalho. Que não se devem impor regras e costumes contrários às suas crenças e
se devem respeitar os seus costumes. Que se deve permitir a imigração de
núcleos familiares completos e não apenas dos trabalhadores. Que se deve
garantir a todos os imigrantes, legalizados ou não, acesso gratuito e universal
aos cuidados de saúde e à educação dos menores.
Do outro lado, ninguém propõe, que se saiba, a porta fechada, isto é,
a total proibição de imigração, mas defendem-se várias orientações ou
políticas, como sejam a restrição de candidatos à imigração em conformidade com
as necessidades do mercado e da economia e a obrigatoriedade de chegar ao país
já com um contrato de trabalho. Defende-se que ninguém tenha vistos e
autorizações permanentes sem contratos e residência e sem ter previamente uma
história de contratos temporários. Que se devem institucionalizar formas de
integração como sejam a prática da língua nacional e o conhecimento de
fundamentos da história do país. Que se devem taxativamente proibir todas as
práticas culturais dos imigrantes que manifestamente promovam a violência
contra as mulheres e as crianças.
Quaisquer
que sejam os argumentos e as justificações, das necessidades de
mão-de-obra à humanidade e da competitividade à fraternidade, uma coisa é
certa: as políticas e as práticas seguidas por Portugal, actualmente, são
incentivos à clandestinidade, ao tráfico de mão-de-obra, ao abuso dos
trabalhadores e a novas formas de racismo. As
tensões que se anunciam, exploradas já por grupos políticos activistas, são resultado
da falta de certeza e de clareza nas políticas públicas. Por exemplo, as ideias anunciadas pela comunicação
social relativas à abertura de legalizações aceleradas de mais de uma ou duas
centenas de milhares de imigrantes até ao fim do ano são perigosas e nefastas.
O
que fará a qualidade da sociedade portuguesa não é o número de imigrantes que o
país receberá. Mas sim o conforto, o respeito e a dignidade com que souber
acolher os que cá viverem. E a fraternidade com que saibamos receber alguns por
reconhecer o desespero e o sofrimento nos seus países de origem."
Público, 25.2.2023
ANTÓNIO BARRETO
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