Parece que
qualquer ponto de vista é aceitável, mesmo os pontos resultantes das escolhas
partidárias que nos ajudam a elevar-nos no plano social – esses, acima de todos
os mais. O que vale é que Alberto Gonçalves apenas se diverte e nos diverte. E é o que conta para os amantes da
diversão e das leituras divertidas. Mas também há os que se ainda se espantam,
com estas aberrações tão caprichosamente rebarbativas, na vacuidade dos seus
discursos, nadas que foram de pais tão notoriamente ilustres de sensatez e
saber, como foi Adriano Moreira, o qual devia merecer
respeito a sua filha, notória de saliência palavrosa, acintosamente oposta aos
ditames decentes desse seu pai ilustre.
Autópsia de uma crónica de Isabel Moreira
O “prestígio internacional” é uma
alucinação típica da dra. Isabel e uma obsessão digna de caipiras. Os
“direitos” consagrados são três: impostos, pobreza, dependência.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador
OBSERVADOR, 18 nov. 2023, 00:225
No mundo civilizado, são comuns as
edições anotadas dos grandes textos da literatura universal,
da Bíblia a Lolita. Nada impede, porém, que em Portugal se
anotem os pequenos textos da corrente edição do “Expresso”, tarefa que dedico
ao seguinte artigo de Isabel Moreira, “Pedro
Nuno Santos, por um futuro merecido”.
“Como já referi, considero terrivelmente
injusta a forma como ocorreu a demissão de António Costa. Foi um choque.”
Além da original repetição da palavra
“como” numa única frase, destaca-se a original utilização da palavra “choque”
para classificar o mais trivial dos acontecimentos: um primeiro-ministro do PS
que foge do lodaçal que ele próprio edificou.
“O dia daquele comunicado de
imprensa da PGR, com um último parágrafo vago sobre o primeiro-ministro é, objectivamente,
um trauma. (…)”
A dra. Isabel é um bocadinho
hiperbólica: tudo é terrível, choque, trauma. Também merece relevo a adopção
fiel das indicações da central de propaganda socialista, que atribui a demissão
a um “parágrafo vago”, tão vago e inconsequente que ditou a queda voluntária do
dr. Costa. Afinal, o dr. Costa decidiu sair sem culpa nem motivo, opção que não
abona em favor do homem. Ao querer fazer dele um inocente no sentido jurídico
do termo, a central de propaganda socialista arrisca transformá-lo num inocente
no sentido popular.
“Devemos muito a António Costa.
As pessoas lembram-se dos horrores que foram vociferados contra a Geringonça e
de como esse governo do PS, com o apoio da esquerda parlamentar é, até hoje,
altamente apreciado em todos os estudos de opinião. Vivemos em harmonia institucional,
paz social e o país ficou mais justo e mais igual. Ganhámos prestígio
internacional, equilibrámos as contas que a direita deixou tortas apesar de
tantos orçamentos retificativos, devolvemos direitos e consagrámos direitos.”
Não duvido que a dra. Isabel deva
bastante ao dr. Costa, desde logo a manutenção de uma cadeira no parlamento.
Quanto ao resto, por “esquerda parlamentar” a dra. Isabel quer dizer dois
partidos comunistas, de natureza totalitária e anti-democrática. A “paz social”
deve-se à cedência aos sindicatos e à apatia endémica dos portugueses. A
“harmonia institucional” talvez seja uma referência à cumplicidade do prof.
Marcelo na deriva bolivariana destes anos. O “país mais justo” prende-se,
decerto, com a facilidade acrescida de os compinchas do regime realizarem
negociatas. Ao “país mais igual” faltou acrescentar “à Venezuela”. Os “estudos
de opinião” foram feitos no Rato ou junto de velhinhos iludidos por esmolas. O
“prestígio internacional” é uma alucinação típica da dra. Isabel e uma obsessão
digna de caipiras. Os “direitos” consagrados são três: impostos, pobreza,
dependência.
“De 2015 até agora certamente
foram cometidos erros, mas foi com António Costa como primeiro-ministro, quer
com o rasgo político e histórico que foi a Geringonça, quer sem o apoio
parlamentar à esquerda, que o salário mínimo nacional foi aumentado em 50% e
que assistimos a uma redução do desemprego de 12% para 6,1%. A população
empregada está hoje em máximos históricos. As pensões, desde 2016, aumentaram
23%.”
Não consigo decidir se a dra. Isabel
sabe que está a torturar os factos ou se sinceramente julga que o aumento dos
salários e das pensões disfarça o tombo do poder de compra, esse sim terrível,
chocante e dramático, para recorrer ao estilo enfático de uma conhecida
deputada. Se ainda não somos os mais miseráveis da Europa, a falha não é do dr.
Costa, que fez tudo para lá chegarmos. No que depender do PS, lá chegaremos.
Sobre o desemprego, num país em que 7 (sete) mil euros anuais colocam um
desgraçado na classe média, é capaz de ser preferível viver dos subsídios do
IEFP, para cúmulo resguardados do fisco. “Erros”? Quase nenhuns.
“Foi com António Costa que todas
as pessoas entraram no arco-íris da igualdade. Todas. (…) É exactamente isso
que o fascismo ou a extrema-direita abomina: a liberdade e a segurança de
todos, porque as quer só para alguns. O PS é, pois, um espaço de liberdade e de
segurança para todas as pessoas. Não deixa ninguém para trás. Assente nos
valores da liberdade e da igualdade, numa política de “libertação” das
desvantagens socioeconómicas, não esquece direitos civis, não esquece as
mulheres, as pessoas racializadas e pessoas LGBTI.”
Na peculiar imaginação da dra.
Isabel, parece ter havido, na época A.C. (Antes de Costa), um tempo mítico em
que, à luz do dia, fascistas perseguiam, insultavam e chacinavam senhoras,
indivíduos de outras raças e homossexuais em geral. Suponho que ela confunde
Portugal com a Palestina. Adiante. O importante é que o dr. Costa enfiou toda a
gente no “arco-íris da igualdade”, devaneio lírico que, apesar do “espaço de
liberdade”, devia dar cadeia.
“(…) Um partido que conseguiu, no
Governo, ultrapassar os seus objectivos orçamentais em ritmo e em dose (temos
excedente) não pode permitir que o cansaço e a desesperança de muitos (que se
entende) seja campo fértil para fazer vender a destruição de abril; isto é, a
destruição do SNS, da escola pública ou da segurança social, nomeadamente com
as “máximas” dos liberais portugueses da “liberdade de escolha” e do “menos Estado”.”
“A destruição do SNS, da escola
pública ou da segurança social”. Agora sim, a dra. Isabel foi directa ao
assunto. Por azar, não o compreendeu e desatou a responsabilizar os “liberais
portugueses” por aquilo que o PS tem conseguido impecavelmente fazer sozinho.
De passagem, sublinho que a despromoção de “Abril” para “abril” é um pormenor
misterioso ou, quiçá, moderno.
“O Estado somos nós (…).”
Aqui a dra. Isabel é quase explícita:
“nós, os socialistas”.
“O Estado não é uma abstracção a
que se atira setas como que a um inimigo extractivo.”
Desculpe?
Ninguém consegue atirar setas a uma “abstracção”, e “extractivo” remete para a
medicina dentária ou para a indústria mineira. Às vezes, a dra. Isabel tropeça
no seu talento literário.
“O Estado é a comunidade organizada que assim
consegue que ninguém deixe de ser tratado num hospital.”
E tem corrido maravilhosamente.
“Pedro Nuno Santos (PNS) foi
claro a desmistificar a falsa ideia dos moderados e dos radicais no PS. O
alegado radicalismo de PNS surgiu na semântica da direita e em alguma
comunicação social. PNS é um social-democrata. Foi ministro dos assuntos
parlamentares no Governo da geringonça, um óptimo ministro, numa pasta que
exigia recato, diálogo permanente, cautela, ponderação e maturidade. (…)”
Para uma crónica que tem Pedro Nuno
Santos no título, estava a ver que o sujeito não aparecia. Pertinho do final,
apareceu. E de que maneira: logo enquanto “social-democrata”, o tipo de
social-democrata que privilegia alianças e amizades com saudosos de Estaline e
entusiastas do Hamas. Dado que a dra. Isabel acumula as carreiras de deputada,
jurista e bajuladora com a de escritora de ficção, o deslize compreende-se.
Nesta linha, saliento as considerações acerca da prestação do dr. Santos como
ministro dos Assuntos Parlamentares. Não sei se a prestação foi “óptima”, mas
sei que não foi má: o dr. Santos nunca desempenhou semelhante cargo.
“PNS foi um ótimo ministro das
infraestruturas, tendo conseguido fazer aprovar o plano de reestruturarão [sic] da
TAP que tantos diziam ser tarefa impossível. Hoje a TAP é uma empresa saudável
a dar lucro e o que correu mal a PNS foi pelo próprio assumido, sem hesitação,
qualidade que prezo na política.”
Ao contrário dos Assuntos
Parlamentares, o dr. Santos esteve mesmo nas Infraestruturas. Em ambas as
pastas, pelos vistos, foi “óptimo”, se acharmos óptimo subtrair 4 mil milhões
aos contribuintes para brincar às companhias aéreas. Em paragens menos
folclóricas, seria realmente impossível. Já a última frase é a prova de que,
quando quer, a dra. Isabel domina os meandros da ironia. Ou então são os nervos
de avaliar a sumidade que o dr. Santos, inequivocamente, é.
“PNS é uma pessoa carismática não
porque “parece qualquer coisa”, mas porque se vê na sua palavra e nos seus actos
a enorme capacidade de decidir, de fazer, de pensar o tal país do abril que
merecemos, aglomerando gente de proveniências diferentes e apresentar
resultados. Com as suas cicatrizes e falhas, percebe-se nele a angústia de não
ver feito no país o que reunia todas as condições para ter sido feito.”
Felizmente entrámos no derradeiro
parágrafo: a emoção tomou conta da dra. Isabel e a coisa ameaça descambar.
Vamos por partes: 1) o dr. Santos tem o carisma de uma chaleira; 2) o que se
“vê na sua palavra” é que não tem nenhuma, e o que se vê “nos seus actos” é a
leviandade de quem jamais trabalhou; 3) a angústia que se percebe é a dos
cidadãos receosos de que o poder acabe entregue a um tonto desprovido de noção
e escrúpulos.
“É por isto tudo que apoio PNS.
Quero preservar o presente abruptamente interrompido e assim feito herança, mas
quero mais do que o presente. Quero o futuro que todos e todas merecemos, um
abril inabalável, quero que o PS seja liderado pela marca da acção e da
coragem.”
Hã?
Palpitante de trambolhões poéticos e sabujice ao futuro chefe, o coração da
dra. Isabel está entregue. A cabeça, essa, está obviamente perdida.
PEDRO NUNO SANTOS POLÍTICA ISABEL MOREIRA CRISE POLÍTICA
COMENTÁRIOS:
Maria Paula
Silva: Hilariante!!! A baixa qualidade do texto
apaixonado, mas piroso e tontinho, da escritora de ficção que pinta as
unhas na AR é.... assustadora! Como é que de um homem tão culto e inteligente,
sai um(a) filho(a) assim? O partido
socialista, salvo raríssimas excepções, é mesmo o galinheiro dos incompetentes
deste país. Quer-me parecer
que "aquele que se julga a melhor bolacha do pacote" deve incendiar
os corações destas meninas que ocupam lugares na AR, pois já a outra, a
chorona, gritava aos berros entre lágrimas: "estou contigo, Pedro
Nuno". Isto não é um partido nem um governo. É uma casa de passe.
Rodrigo Machado: Excelente
ironia. Ah, mas o texto da Isabel Moreira (deverá ela ser o orgulho do seu Pai)
é mesmo real? Ou ele próprio carregado de ironia?
Alfredo Vieira: Demência
em estado puro, sublimemente desconstruída. Por
outro lado, pode até não ser demência, e tratar-se apenas de uma situação mais
próxima daquela que constitui a essência da "mais antiga profissão do
mundo". Nesse caso, não teremos "desconstrução", mas sim mera
denúncia. De qualquer forma: parabéns, está, como sempre, muito bem escrito!
Cupid Stunt: LOL!
Muito bom. Ao que parece esse texto da pindérica (que, felizmente, desconhecia)
saiu num do órgãos (tipo baço) oficial da propaganda xuxalista.
Rui Castro: Um
prazer, a leitura deste texto.
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