Ou repartida, tanto faz. Sendo frustração
para os de fora, como aceitam isso os de dentro? E lembrei-me dos inícios do 1º Capítulo
do segundo livro mais traduzido no mundo, depois da Bíblia - (leio na Internet)
- “El
ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha” - que de
menina colhi na estante do meu pai, em português, mais tarde comprei-o em
francês e hoje consulto na Internet em espanhol. Dele extraio as frases que a
leitura dos livros de cavalaria dos primórdios literários que fizeram a cabeça
do Don Quijote girar em crenças
de amores e loucuras andantes, colhidas nesses tais livros, como coisas reais e
o dispuseram a seguir as pisadas dos Amadises
e Cia, em busca das suas Orianas, ou, neste caso, de uma doce Dulcineia, nome atribuído a uma lavradora
Ana Lourenço, das suas paixões primárias
mais reais, embora com desconhecimento da própria eleita do seu coração. E daí que tais leituras
de trocadilhos e exaltações hiperbólicas, nos tais livros, tenham contribuído para o
fortalecimento das crenças empreendedoras dos percursos hispânicos do Dom
Quixote, em aventuras imitadoras das que lia, de longa data, irreais embora,
que ele se propôs imitar, percorrendo os espaços do seu território. Apenas um
breve trecho, não só de saudade dos tempos moços em que o li e reli em português,
como porque está na génese e justificação da sua criação ficcional:
«Es, pues, de saber que este sobredicho hidalgo, los ratos
que estaba ocioso, que eran los más del año, se daba a leer libros de
caballerías, con tanta afición y gusto, que olvidó casi de todo punto el
ejercicio de la caza, y aun la administración de su hacienda; y llegó a tanto
su curiosidad y desatino en esto, que vendió muchas hanegas de tierra de
sembradura para comprar libros de caballerías en que leer, y así, llevó a su
casa todos cuantos pudo haber dellos; y de todos, ningunos le parecían tan bien
como los que compuso el famoso Feliciano de Silva; porque la claridad de su
prosa y aquellas entricadas razones suyas le parecían de perlas, y más cuando
llegaba a leer aquellos requiebros y cartas de desafíos, donde en muchas partes
hallaba escrito: «La razón de la sinrazón que a mi razón se hace, de tal
manera mi razón enflaquece, que con razón me quejo de la vuestra fermosura».
Y también cuando leía: «... los altos cielos que de vuestra divinidad
divinamente con las estrellas os fortifican, y os hacen merecedora del
merecimiento que merece la vuestra grandeza». (Extraído da Internet)
Foi com gosto que reli
estes inícios de um livro extraordinário de graça e saber, quer devido aos
episódios rocambolescos criados por um escritor de génio em torno de uma figura
genial, na sua loucura como no sua sabedoria, e mais uma vez me admirei pela
traição desses catalães e desses candidatos ao governo espanhol, cuja união
deveria resultar do orgulho nacional, firmado não só numa história de valentias,
que a História de Espanha traduz, mas de engenhos múltiplos,
entre os quais o desse imortal Miguel de Cervantes Saavedra.
Sim, MARIA JOÃO AVILLEZ, tem toda a
razão no seu repúdio pela traição. Que um Quixote sábio – grotesco também, mas
em resultado da fantasia imorredoira do seu autor – servisse ao menos para
reflectir… e envergonhar.
O disponível
Face a duas guerras a quem interessa o
jogo sujo entre um político-madrileno-muito disponível e um
traste-foragido-nacionalista catalão? Mas é simples: ou acabam eles ou acaba a
Espanha que conhecemos
MARIA JOÃO AVILLEZ
Jornalista, colunista do Observador
OBSERVADOR, 01
nov. 2023, 00:2236
1Só faltou o champagne, mas talvez tenha
havido. Ou castanholas, coisa muito dos vizinhos. O que manifestamente houve
foi o subentendido do “haja o que houver”, formaremos governo: com jubilo e o
(inconfundível) aroma da propaganda, o “par”
espanhol do momento, Pedro e Yolanda, anunciaram há dias, com notável
desenvoltura política, o seu casamento político. O PSOE do
cinematográfico Pedro e o Sumar (grupo de partidos de esquerda e de extrema
esquerda) da turbulenta Yolanda reluziam de felicidade pela assinatura do seu
acordo com vista à formação de um novo governo. Era
o primeiro mas muito leve andamento da partitura governamental que Pedro Sánchez se entretém a compor há meses, mas era preciso
tocá-lo com sorrisos para amaciar o resto da composição. O resto é
de ardilosa escrita e duvidosíssima execução mas o maestro não se atemoriza:
está habituado a disponibilizar-se e o hábito facilita muita coisa. Desta vez —
e ele sabe — irá até ao “ilimite” de si próprio: a
permanência no Palácio da Moncloa vale bem qualquer missa. E mesmo que esta seja de luto pela soberania
espanhola, a disponibilidade de Pedro Sánchez é magnânima. Está-lhe na massa do
sangue, nos genes e agora — talvez houvesse uma réstia de dúvida — na alma.
2Alberto
Nunez Feijoo, líder do
PP, ganhou
as eleições em Agosto, não
conseguiu formar governo, a esquerda não deixou, a direita não passará, decidiu
Pedro. Para reunir
os votos indispensáveis à sua própria indigitação para formar governo, o líder do PSOE
bateu à porta menos recomendável do xadrez partidário, os
independentistas catalães do Junts. Comandado
por um foragido à Justiça, Carles
Puidgemont e
acolitado por outros foragidos e ex-detidos, pelas convulsivas consequências da
convocação em 2017, de um referendo a favor da independência da Catalunha,
realizado ilegalmente no primeiro dia de Outubro desse ano. O gesto
anti constitucional desaguou nos tribunais. Houve condenações e detenções
por crime contra a Constituição, mas Puidgemont já fugira de Barcelona, fê-lo
logo nesse mês, a 30 de outubro, ou seja apenas 30 dias após a mediatizadissima
realização do referendo: a fuga como opção política.
3Hoje negoceia-se. Sem sombra de remorso,
negoceia-se a Espanha. Primeiro houve conversações, depois a lista das
exigências – uma amnistia após os indultos já aliás acordados pelo mesmíssimo
Pedro Sanchéz na anterior legislatura; e hoje há uma chantagem: o
reconhecimento da Catalunha como “nação”. Puidgemont não pode ter sido mais claro, Pedro Sánchez não se pode
ter mostrado mais disponível. (No pacote do Junts vinha ainda, à laia de
post scriptum, a exigência de 7 milhões de euros para redimir os implicados no
“procés” da Catalunha além da garantia (?) verbal da substituição imediata do
autarca de Barcelona, democraticamente eleito há meses, por outro partido.
Depois da disponibilidade de Pedro (e de Yolanda Díaz e dos outros ) para
assegurar uma amnistia a um partido fora da lei e com um líder fugido à
Justiça, veio a última chantagem, a última até à próxima: ”reconhecimento” da
Catalunha como “nação”. O Tribunal Constitucional vetou a pretensão: dotar o
termo “nação” de “valor jurídico” era como pôr ao lume a fragmentação da
Espanha: atrás da Catalunha, outras “catalunhas” viriam.
Ou
seja, Pedro
Sánchez estaria
disponível para deixar uma Espanha em estilhaços. O mais extraordinário é que nem sempre
foi assim: a possibilidade de uma amnistia foi sempre um sinal vermelho que nem
Sanchez nem o PSOE, nem os ministros socialistas que governavam em coligação
com o Podemos, queriam passar. Era um tabu. Fora de causa porque marcada pela
inconstitucionalidade. “Uma amnistia é um esquecimento”, dizia nessa altura —
nas penúltimas legislativas – um dos ministros do PSOE.
Hoje, não: Sánchez, o disponível,
defende agora uma amnistia em nome do “interesse da Espanha e da defesa da
convivência”. E para que receba luz verde após ter passado a linha vermelha,
despachou o seu número três para Bruxelas, para ultimar o acordo com
Puigdemont.
4Pensar-se-ia que uma parte dos
quadros e militantes socialistas espanhóis se indignassem, o PSOE é um
fortíssimo pilar do regime, um partido de governo, fundador da democracia mas –
até à hora a que escrevo – não se indignaram por aí além (com as honrosas
excepções de alguns dos seus ex-líderes nacionais e regionais). É
aterradoramente pouco. Tanto mais que nesta empreitada a escalada da chantagem
política de Puigdemont é directamente proporcional aos sinais exteriores de optimismo
de Pedro Sánchez. Dos termos negociações entre os dois, não se sabe muito de
concreto– só se sabe o pior – porque o chefe do governo vai falando ao país de
assuntos sempre menos relevantes mas dando-lhes importância política e
mediática, como se as inomináveis cedências aos Junts não passassem de uma
trivialidade. Uma indecência política.
5Porque falo nisto? Porque ontem a Princesa das Astúrias, filha dos Reis
de Espanha, que atingiu a maioridade há dias, jurou a Constituição perante as
Cortes espanholas. Leonor jurou uma Constituição ameaçada face à possibilidade
real de uma amnistia que tornará incerta a soberania da Espanha.
E
mesmo que a tragédia deste 7 de Outubro – para sempre inscrita na escolha do mal em estado puro na
história da humanidade – e o
actual desconcerto do mundo atirem a Espanha para fora dos radares mediáticos,
vale a pena reter esta má história.
A quem interessa o jogo sujo
entre um disponível-político-madrileno e um traste-foragido-nacionalista
catalão? Interessa: aprende-se sempre sobre o uso do poder.
Além de que é muito simples: ou acabam
eles, ou acaba a Espanha que conhecemos.
6E Portugal? Portugal em caso de
desastre pagará uma parte da factura.
PS: Pequena nota com importância: nos últimos dias li várias notícias sobre
a compra pelo museu do Louvre de um primitivo português. Uma óptima notícia, o
Louvre é grande! Mais porém do que a compra; que o definitivo prestígio do
museu; que o pintor, as suas influências – ainda flamenga e já italiana – a
luminosidade suave das suas cores ou a sensualidade na pose das suas
personagens; mais do que a perspectiva de que “isto” seja o principio de outra
era para a nossa pintura de ontem, o que me interessou, foi o que tornou
possível este feito. E que vi pouco contado.
O autor do feito chama-se Philippe
Mendes, é luso francês e vive a cavalo entre Paris, Lisboa e
o mundo. Em Paris tem duas galerias de arte; em Lisboa torce pela nossa; no
mundo, compra, vende e aconselha. Mas isto já se sabe. O que se sabe menos mas
conta mais é que só uma pessoa dotada de invulgaríssima iniciativa e
inabalável, quase feroz persistência, seria capaz de ir ultrapassando as várias
etapas desta aquisição. Coisas pouco portuguesas embora esta seja uma história
patriótica e não apenas artística ou cultural: há muito tempo que Phillipe
Mendes trabalha com um empenho quase fervoroso como “embaixador” e traço de
união da nossa cultura, apoiado por um critério certificado internacionalmente
pelos directores dos melhores museus e grandes colecionadores. Ama a nossa arte
(e ainda acima disso ama Portugal, seu berço), conhece-a bem, fala dela,
compra-a, mostra-a, explica-a. Convence. Acredita-se nele. Tudo isto que ficara
já bem impresso na entrevista que me deu aqui mesmo no Observador há uns meses,
foi agora ampliado com a “operação-compra”
do quadro atribuído a Cristóvão
Figueiredo e Garcia Fernandes,
a sua venda ao Louvre e as perspectivas de futuro abertas por este
surpreendente gesto. Mas oh quanta persistência, minúcia, rigor, trabalho
não foi indispensável nos estudos, restauros, investigações, peritagens,
exames, certificações, reuniões, desde que Philippe comprou o quadro numa
leiloeira portuguesa até que ele passou a porta do museu francês. Um feito,
sim, e afinal o Louvre comprará por ano talvez meia dúzia de grandes quadros.
Há pouquíssimas coisas que eu aprecie
tanto desde sempre como a iniciativa produtiva. Como a de Philippe Mendes.
Espero bem que as “autoridades” já tenham dado por ele.
COMENTÁRIOS (de 36)
Rui Lima: Para o Pedro é
melhor reinar no inferno do que servir no céu, hoje mais do que nunca poucos
aceitam abandonam o poder quando era natural no passado , há muito que procuro
explicações, há um facto os políticos hoje são gente sem vida fora da política
na verdade eu não entregaria a gestão de uma taberna a muitos dos ministros que
nos governam. JOHN
MARTINS: Hoje, a MJ fez uma incursão
a Espanha e de lá veio com um interessante e pertinente artigo. E se de facto
Sanchez para continuar detentor do poder ter que se aliar de vária formas, a
tudo quanto pôde, depois de perder as eleições, em nada dignifica a democracia;
bem pelo contrário. Já sobre repercussões em Portugal; nada de novo, essa
baixa política tem o selo de Costa que a exportou para Espanha... Filipe Paes
de Vasconcellos: É minha
profunda convicção que Felipe VI ainda vai surpreender Espanha a bem da sua
unidade territorial e política consagrada constitucionalmente.
E terá 99,999 por cento dos Espanhóis a
aplaudir. Domingas
Coutinho: Lá como cá os Socialistas vendem a alma e
no caso de Espanha, até o próprio País, para se manterem no poder. Dão
cambalhotas e perdem a dignidade e hipotecam o País. Um exemplo muito triste
este de Espanha. João Floriano: É na verdade uma indecência política e não pelo facto
de Sánchez e a esquerda se terem entendido para, mesmo tendo perdido as
eleições de julho, impedirem a direita de formar governo. Tal como cá,
Pedro Sánchez aprendeu com António Costa que a direita não passará, porque tal
como cá a esquerda decide quem são os bons e quem são os maus, tal como cá
Sánchez traça linhas vermelhas. O parlamentarismo permite o que se passa em
Espanha e em Portugal. O que é
uma indecência em Espanha é a integridade de um país muito complicado e
complexo cujo governo fica refém nas mãos de partidos como o Junts catalão e o
BILDU basco, sendo que no caso do partido basco há uma história de
terrorismo e assassinatos políticos. O
que choca tanto em Sánchez como em Costa é a obsessão com que se agarram ao
poder com as consequências que estão à vista. A indecência política leva esta
gente a quebrar tabus. Em Portugal António Costa manifestou o seu orgulho por
ter derrubado um muro que deveria ter sido ainda reforçado. Achei
interessante o pedido de 7 milhões de euros para pagar os exílios chiques dos
trastes catalães. E que mais haverá escondido? A princesa Leonor jurou a
constituição como prenda dos seus 18 anos: bonita princesa. A partir de agora é
oficialmente e separada da mãe Letícia (cheia de pés de galinha) e do rei
Filipe (grisalho), um motivo de interesse para a Hola: os namorados, as festas,
as férias. A sua defesa da constituição parece-me bastante simbólica. António
Sennfelt: Esplêndido artigo. E tem toda a razão;
caso a Espanha se esfrangalhe, Portugal pagará por tabela! PS: só é pena a
autora não ter aproveitado a ocasião para registar que a abjecta
"geringonça" espanhola teve um percursor cá do burgo! Cisca
Impllit: Quando se vota é na extensão
de toda as consequências e responsabilidade. Já não há
políticos institucionais e com limites do bem agir. GateKeeper: A
Espanha que "conhecemos" já acabou. E o
rasto nojento de quem acabou com ela, a nação, está ainda bem fresco. A
mim só me desiludiu o Rei de Espanha. De resto, tudo
normal, expectável, no "mundo narcisista e ideológico"
esquerdalha-populista do "pedrito" e da barbie berloque. A única
coisa que souberam "sumar" foram votos para uma derrota feliz [ a new
fashion europeia]. Habituem-se à "trotineta 2. 0" de nuestros
hermanos. Convém que o façam, até porque se os Portugueses
insistirem no sofá &tv no dia das eleições 2026, garantem à
partida uma "trátinete 2. 0" também por cá. Seremos, na
Península Ibérica mais um case study académico de hara kiri colectivo. Interessante,
né?! João Floriano > Filipe Paes de Vasconcellos: Bom dia Filipe Já me explicaram aqui que o rei não
tem o poder de impedir a formação deste governo. Penso que a surpresa teria de
vir da rua espanhola e da força de manifestação do PP e demais partidos que não
concordam com esta pouca vergonha. António Tomás
Ribeiro (tuga) > Filipe Paes de Vasconcellos ; Gostava de acreditar...
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