De preferência para o lazer e a desconcentração. Mas também para a devoção de cariz sentimental, não parente de uma reflexão do foro intelectual mas propiciadora do queixume que a canção nacional – o fado – tão bem representa, mais os dois ff da nossa tríade devota e fatalista com Fátima e o futebol aduzidos. Mas este é um ponto de vista pessoal, sumário e despretensioso, sobre as causas do atraso português, como dado fatal, que não tem a ver com a justificação superiormente fundamentada de Nuno Palma sobre o tema que Antero de Quental expusera em “As causas da decadência dos povos peninsulares” e que reduzira a três, (segundo síntese extraída da Internet): «A Contrarreforma dirigida pelos Jesuítas; A Centralização Política realizada pela Monarquia Absoluta; O Sistema Económico realizado pelos Descobrimentos.»
Pré-publicação. A maldição dourada: "Foi no século XIX que Portugal
bateu no fundo"
Observador: Texto de NUNO PALMA
"Foi no século XIX que Portugal
bateu no fundo". É uma das conclusões de Nuno Palma no livro "As
Causas do Atraso Português". O Observador pré-publica o capítulo que analisa
Marquês de Pombal.
OBSERVADOR, 28 nov. 2023, 16:567
I
O
livro “As Causas do Atraso Português”, editado pela D. Quixote, da autoria do
economista Nuno Palma analisa a evolução económica de Portugal, para perceber “as
origens históricas do atraso do país”. É isso que se propõe fazer neste
livro. Conforme explica no preâmbulo, deste livro de 405 páginas, pretende
desconstruir mitos do passado.
O Observador pré-publica parte do capítulo dedicado à gestão de Marquês de
Pombal que Nuno Palma não se
coíbe de apelidar de “desastre
em termos de economia”.
Nuno Palma é professor
catedrático e director do Arthur Lewis Lab for Comparative Development, na
Universidade de Manchester, e investigador do Instituto de Ciências Sociais da
Universidade de Lisboa e do Centre for Economic Policy Research em
Londres.
Há muito que alguns historiadores, outros
estudiosos, e até políticos, tentam explicar as causas do atraso português. «País
periférico, com demasiada gente no
campo, e governado por uma elite tacanha» é uma possível
paráfrase da tese desta geração de intelectuais sobre as causas do atraso. Um
deles foi Vitorino Magalhães
Godinho no livro Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa. Um momento
de reflexão é o suficiente para compreendermos que estas não podem ser as explicações profundas das
causas do atraso. A qualidade das instituições políticas e as elites
de diferentes regiões e épocas históricas influenciam o atraso, mas também são
algo que tem de ser explicado em si: não é satisfatório tomarmos a
qualidade das instituições como um dado adquirido. E o mesmo é verdade
relativamente à estrutura organizacional da economia.
"Pelo menos até ao século XVIII, o império não foi nem um motor
nem um impedimento ao crescimento do país. Também argumentei que a cultura e religião portuguesas não foram as culpadas deste atraso – ou, pelo menos, não
foram a sua causa profunda. Como apresentei na primeira parte do livro (capítulos
2 e 3), o atraso apareceu durante o século XVIII, tento tido
manifestações simultaneamente económicas e políticas, e aprofundou-se depois
no XIX". Nuno
Palma, economista, no livro "As Causas do Atraso Português"
Todos
os países foram sociedades agrárias, ou seja, baseadas na produção e manutenção
de culturas e terras de cultivo, antes de se desenvolverem. A Inglaterra também
o era até à Revolução Industrial. Portugal
também, até tudo mudar no século XX. Com o tempo tudo pode mudar, e a
mudança estrutural, ou seja, a passagem das populações da agricultura e pescas
para outros sectores que historicamente tinham mais valor acrescentado (a
indústria e os serviços) tem de ser explicada. Como tal, a estrutura organizacional da economia – «demasiada
gente no campo» – que
levaria à baixa produtividade do país não pode ser por si uma explicação. É
antes e apenas um mecanismo através do qual causas mais profundas operam. Na
linguagem dos economistas, é um factor endógeno.
Finalmente, consideremos a localização
geográfica do país: Portugal é periférico. Parece ser verdade, mas
relativamente a quê? Na verdade, toda
a Europa Ocidental foi periférica relativamente aos grandes centros culturais e
económicos do mundo, pelo menos até finais da Idade Média. Esses
correspondiam a regiões como o império bizantino na antiguidade tardia, o mundo
islâmico na sua época de ouro entre os séculos VIII e XIII, bem como a China
por volta da mesma altura. Ou seja, toda
a Europa Ocidental foi, até finais da Idade Média, uma parte marginal do mundo,
de importância relativamente secundária. Mas essa condição «periférica»
não foi destino: tudo viria a mudar, através de um processo radical no qual Portugal até teve um papel importante, como
expliquei no capítulo 4. Do mesmo modo, a periferia geográfica de Portugal
não foi, em certas épocas históricas, impedimento ao desenvolvimento do país.
Temos, portanto, de encontrar melhores explicações para o atraso
histórico português. Nos capítulos anteriores, mostrei que, pelo menos
até ao século XVIII, o império não foi nem um motor nem um impedimento ao
crescimento do país. Também argumentei que a cultura e religião portuguesas não foram as culpadas deste atraso –
ou, pelo menos, não foram a sua causa profunda. Como apresentei na primeira
parte do livro (capítulos 2 e 3), o atraso apareceu durante o século XVIII,
tento tido manifestações simultaneamente económicas e políticas, e
aprofundou-se depois no XIX.
"Tanto a nível político como
mais diretamente económico, as dinâmicas auspiciosas dos finais do século XVII
foram interrompidas por um processo que designo como Maldição dos Recursos: a descoberta de enormes quantidades de ouro
(e, com menos importância, de diamantes) no Brasil. Este acontecimento viria a
ter implicações profundas para o país." Nuno Palma,
economista, no livro "As Causas do Atraso Português"
Neste capítulo, explico uma causa fundamental do atraso. Começo por aprofundar a discussão sobre a
transformação do sistema político português entre a segunda metade do século
xvii e o início do seguinte. Mostro que, a partir da
Restauração de 1640, Portugal entrou num encorajador processo de melhorias
políticas e institucionais que poderia ter tido melhor continuação. Depois
irei argumentar que, durante a segunda metade do século XVII, se assistiu a
mudanças económicas positivas e promissoras.
Em finais desse século,
existiam em Portugal várias regiões rurais industrializadas, com redes bem
integradas de produção e distribuição, e Lisboa era uma capital mercantil, que
estimulava a procura por bens, e onde era feito o retalho. Além
disso, existia o Brasil, que era uma fonte adicional de procura, assim como de oferta de matérias-primas. Por volta de 1680, Portugal até exportava têxteis para
Castela. Caso a dinâmica dos finais do século XVII tivesse continuado, o
país poderia ter-se tornado, no século seguinte, numa importante potência
mercantilista e exportadora. Além disso, as melhorias institucionais
poder-se-iam ter também consolidado. Mas o que veio a acontecer não podia
ter sido mais diferente. Tanto a nível político como mais directamente
económico, as
dinâmicas auspiciosas dos finais do século XVII foram interrompidas por um
processo que designo como Maldição dos Recursos: a descoberta de enormes quantidades de ouro (e, com
menos importância, de diamantes) no Brasil. Este
acontecimento viria a ter implicações profundas para o país.
Não há dúvida de que a entrada de ouro aumentava os rendimentos das
pessoas, em particular no curto prazo. O ouro do Brasil enriqueceu, em primeiro
lugar, os portugueses que o obtinham e que remetiam os fundos para Portugal, ou
que, estando no Brasil, os usavam localmente, em particular comprando os bens
que chegavam nas três frotas anuais vindas da metrópole. A maior
parte do ouro já chegava a Portugal cunhado e as moedas eram entregues a mais
de duas mil pessoas a quem pertenciam, além do rei. Os rendimentos pessoais, agora aumentados, eram
depois gastos tanto em bens domésticos, não transacionáveis, como em bens
importados. O aumento de procura dos bens importados não tinha um efeito
notório no seu preço, dado o tamanho pequeno do nosso país já à época, enquanto
que a procura adicional dos bens domésticos teve, de facto, um efeito
significativo no aumento do preço dos mesmos. Por sua vez, esta mudança de preços relativos levou a
uma retirada de recursos do sector transacionável da economia portuguesa. Foi
o
que aconteceu com a produção industrial que se retraiu. Isto foi uma resposta natural da economia às chegadas
do ouro, e que foi agravada pelo aumento do poder de compra das pessoas. Tornou-se
mais barato importar, e mais caro exportar, mas a diferença podia ser paga em
ouro.
Como tal, a indústria portuguesa
entrou em declínio. Além disso, o ouro teve um efeito político desastroso: os recursos adicionais
disponíveis para a Coroa implicaram o desaparecimento de uma limitação
importante ao poder executivo que até aí existia. Nomeadamente,
como deixou de ser necessário o rei negociar para obter recursos, as Cortes não foram convocadas durante todo
o século XVIII. Nas primeiras décadas do século ainda se
falou dessa assembleia a propósito de matérias como os novos impostos que a
Coroa ia impondo, pois existia a memória de que eram um órgão que
controlava a acção do monarca. À medida que o século avançou, no entanto, o
ambiente político que se instalou começou a encarar a reunião das Cortes como
uma cedência por parte dos monarcas que não era aceitável, recusando a esse
órgão qualquer papel de controlo constitucional ou de limitação da vontade da
Coroa. Seria
neste contexto que, na sequência do Terramoto de 1755, Pombal se iria tornar no
político mais importante do país, com graves consequências a prazo.
O legado político e económico de Pombal para o atraso
do país
O governo do país por parte de Pombal foi desastroso. Mas
também é preciso compreender o contexto que o tornou possível: uma Monarquia Absoluta, como não tinha
existido nos séculos anteriores. Consideremos
a seguinte analogia: se um condutor embriagado atropelar um peão, ninguém vai
dizer que o problema é o condutor não ter travado. A causa mais profunda foi
outra. Voltando ao século XVIII, o problema foi terem faltado
limites ao poder executivo. E isso
foi, por sua vez, um resultado das chegadas do ouro brasileiro, que, como
expliquei, levaram a essa alteração na natureza das instituições políticas
portuguesas. Pombal desprezava o parlamento inglês, que
considerava um mero instrumento dos grandes interesses comerciais da Inglaterra.
No entanto, sabemos hoje que esse sistema parlamentar é precisamente uma das
chaves para compreendermos porque foi aí possível a Revolução Industrial. No
que toca às relações comerciais de Inglaterra com Portugal, Carvalho e Melo
culpava os Tratados comerciais por só serem vantajosos para a Inglaterra. Nas suas palavras:
Examinando
o presente estado do comércio entre as duas nações [Portugal e Inglaterra] por
uma rigorosa análise dos tratados recíprocos e da observância com que eles hoje
se praticam em ambos os domínios, achei que Portugal sustenta todo o peso das
convenções enquanto estas são onerosas e que a Inglaterra, com pouco ou nenhum
encargo, recolhe delas todo o proveito, praticando-as somente na parte em que
lhe são úteis.
Na realidade, como veremos, a
política alternativa que Pombal promoveu não beneficiou o país. Uma dessas
políticas, a nível económico, foi a criação de várias companhias
comerciais. A sua
fundação ajuda a compreender as motivações de Carvalho e Melo para expulsar a
Companhia de Jesus. Em Portugal, os jesuítas opunham-se ao seu despotismo e ao
Absolutismo régio em geral, e no Brasil resistiam ao monopólio do comércio
externo imposto pela Companhia do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, uma
companhia criada por Pombal que operava numa região do Brasil onde o Governador
era o seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Este último, Governador Geral do Estado do Grão-Pará e
Maranhão de 1751 a 1759 e secretário de Estado da Marinha e do Ultramar entre
1760 e 1769, também esteve envolvido na conspiração que levou ao assassínio dos
Távora e do jesuíta Gabriel Malagrida, que foi queimado na fogueira num auto de
fé no Rossio em setembro de 1761. Como tantas vezes tem sucedido na nossa
História, existia aqui um conflito de interesses: Pombal não só nomeava os irmãos
e outros familiares para altos cargos, como depois ainda beneficiava
financeiramente das suas ações políticas.
No caso da Companhia do Comércio do
Grão-Pará e Maranhão, beneficiava dos lucros da companhia através de acções que
estavam em nome da sua segunda mulher. Através do seu irmão, Carvalho e Melo
ordenou que as leis régias fossem executadas rigorosamente, sendo que a sua
violação devia ser considerada crime de lesa-majestade. Ordenou mesmo que
qualquer missionário jesuíta que no púlpito insinuasse qualquer crítica à
política real fosse imediatamente destituído das suas funções e expulso.
Pombal promoveu uma vasta campanha
propagandística, acusando os jesuítas de quererem criar um «império secreto» no
Brasil, na obra conhecida como Relação Abreviada em 1757. Publicada
inicialmente de forma anónima – o spin não é uma invenção dos dias de
hoje –, este opúsculo foi promovido por Pombal.
Na sequência do Tratado
de Madrid (1750), que
definia as fronteiras entre o Brasil e o Império Espanhol (substituindo o Tratado
de Tordesilhas, que não era respeitado), a Companhia de Jesus, por ordem do seu
Geral e Provincial, obedeceu às ordens do Rei de Portugal e mandou sair os seus
missionários dos Aldeamentos ou Reduções. A maioria, de facto, obedeceu e saiu.
Houve, no entanto, um pequeno grupo de jesuítas, muito minoritário, que ficaram
ao lado dos ameríndios e resistiram. É essa colaboração de alguns jesuítas
na resistência indígena, e em particular nas Guerra Guaranítica (1753-1756),
que será usada como pretexto e mitificada pela documentação pombalina para
incriminar toda a Companhia de Jesus, atribuindo-lhe um plano secreto
mirabolante segundo o qual estaria a construir um Estado autónomo, como
princípio de um projecto maior de dominação universal. Carvalho
e Melo enviou também queixas à Santa Sé, acusando os jesuítas de serem rebeldes
contra a autoridade real e papal. O esforço de propaganda contra os jesuítas
continuou com outras obras, como a Dedução
Cronológica e Analítica, de 1761, também encomendada por Pombal.
Carvalho e Melo era um político que não olhava a meios para atingir
os seus fins. A Mesa do Bem Comum dos Homens de Negócio foi
extinta em resposta a uma representação que apresentou à Coroa contra a
instituição do monopólio dessa companhia de que Pombal beneficiava. Para isso
foram utilizadas cartas apreendidas aos acusados, apesar de existir à época uma
grande auto-censura relativamente ao que era deixado por escrito. Depois de
exilar os líderes da Mesa do Bem Comum, Pombal criou uma nova agência, a Junta do Comércio, que não era mais do que um braço
político do governo, existente para defender os seus interesses, ao contrário
do que tinha acontecido com a Mesa do Bem Comum. Existem hoje vários casos bem
documentados referentes ao enriquecimento dos irmãos Carvalho e Melo graças ao
seu controlo do aparelho do Estado. Mesmo um autor estrangeiro, que até
mostrava alguma admiração por Pombal, o descrevia como: «Altivo, vingativo,
cruel, ávido de honras e de dinheiro».
Neste contexto, não será talvez
surpreendente que os supostos esforços de fomento industrial promovidos por
Pombal tenham, na realidade, falhado. Pombal,
de resto – nesta fase ainda apenas como Conde de Oeiras – mandou construir um
magnífico palácio com um luxuoso jardim nessa região próxima de Lisboa, que
ainda hoje pode ser visitado. Era
um homem que não hesitava em subornar aqueles de quem precisava. Por
exemplo, enviou uma embaixada ao Papa, em setembro de 1757, chefiada pelo seu
primo direito Francisco de Almada Mendonça, que pagou a cardeais com anéis de
diamantes, o seu apoio nas políticas preparatórias para a expulsão da Companhia
de Jesus. As prisões continham milhares de presos políticos, sendo alvo de
críticas ferozes por parte de visitantes estrangeiros, a forma de funcionamento
do sistema de justiça, assim como os conflitos de interesse relacionados com a
proximidade das autoridades policiais a Pombal.
A Companhia Geral da Agricultura e das
Vinhas do Douro, criada por Pombal em 1756, supostamente com o objectivo
de melhorar a qualidade do vinho exportado para Inglaterra, fornece um outro
exemplo de compadrio e de defesa do interesse próprio promovidos por Pombal. Em fevereiro de 1757, os taberneiros do Porto
revoltaram-se contra a Companhia que, ao criar um monopólio, tanto os
prejudicava. A revolta foi violentamente suprimida por Pombal, com a execução
de 26 pessoas e com mais de 300 condenados a confisco, deportação, ou
chicotadas. Foram dadas ordens aos habitantes da cidade do Porto para
alimentarem as tropas enviadas para acabar com a revolta, e para pagarem um
imposto que iria cobrir os salários e munições dos soldados. Pombal ainda
aproveitou este contexto para acusar os jesuítas de serem responsáveis por
instigar esta revolta (o que era falso), expulsando-os de imediato da Corte de D.
José, onde eram até então confessores. Este episódio, assim como a Relação
Abreviada, mostra que a aversão de Pombal aos jesuítas, que se opunham a ele,
era anterior à tentativa de assassinato do Rei D. José que ocorreu no ano
seguinte, em 1758. Na sequência desse atentado, os jesuítas foram incriminados
com base em confissões conseguidas sob tortura, tendo Pombal encabeçado um
enorme esforço de propaganda – que viria a ter reflexos noutras partes da
Europa – em que a
Companhia de Jesus era apresentada como o maior obstáculo ao progresso do país.
Pombal
fez mesmo a acusação, absurda, de que eram os jesuítas os responsáveis pela
forma de funcionamento da Inquisição, bem como pelo bloqueio cultural e
intelectual do país. Acabou assim por expulsá-los, um ano depois do atentado.
Entre os cerca de 1500 jesuítas que existiam em Portugal à época, mais de 1100
foram exilados para o Vaticano, 222 foram presos, acabando 80 por morrer no
cárcere, e tendo alguns sendo ainda deportados para África.
(Continua)
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