Há muito advertido, mas passivamente vivido,
numa sociedade de falsas superioridades desdenhosas. Fomos dos que participámos
nas advertências, perante a o desprezo ou a indiferença alheios, naturalmente.
Ainda bem que pessoas mais salientes, no tablado diarístico ou social, como Patrícia Fernandes, retoma o tema, como é urgente, se
queremos elevar-nos acima do terceiro mundismo educacional, se me é lícita a expressão. Suponho, contudo, que não
vamos mais a tempo. Nunca iremos a tempo. Et pour cause.
O legado
Oito anos é muito tempo – mas não
podem ser esquecidos nestes quatro meses. Importa recordar o legado que os
governos de António Costa nos legaram, em particular no que diz respeito à
educação.
PATRÍCIA FERNANDES Professora
na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho
OBSERVADOR, 13
nov. 2023, 00:2017
Um
momento que parecia tão distante tornou-se, de repente, tão próximo. Vemo-nos
agora em contagem decrescente para o fim da governação de António Costa e,
infelizmente, a discussão política parece limitar-se a contornos jurídicos.
Discutem-se parágrafos da Procuradoria-Geral da República, escutas, prazos
judiciais; distinguimos corrupção de tráfico de influências e tentamos
compreender quem tentou forçar quem a fazer o quê; voltamos, mais uma vez, aos
casos de corrupção no Partido Socialista e aos negócios promíscuos entre estado
e privados; dividimo-nos entre acreditar na integridade de António Costa e
espantarmo-nos com a irresponsabilidade de se ter rodeado por aquelas pessoas.
Mas, enquanto nos distraímos com estas discussões, importa fazer o balanço de
oito anos de governo.
Importa, acima de tudo, que não se
sedimente a ideia de que foram bons governos que, por azar, tiveram infortúnios. Recordemos o estado a que chegou o serviço
nacional de saúde, as condições nos tribunais, a desastrosa política de
imigração e a destruição do SEF; e recordemos o país em que a maioria se sente
pobre, ou porque percebeu que o seu salário está hoje muito próximo do salário
mínimo ou porque a maioria dos comentadores, querendo contestar a subida do
IUC, passou a designar como pobre quem tem um carro igual ao seu – éramos,
há não muitos anos, a classe média: agora somos pobres.
E, claro, a educação. A inaptidão de pensar a longo prazo (há
quanto tempo se sabia que os mestrados de ensino não estavam a formar
professores em número suficiente para cobrir as reformas?); a incapacidade de ter uma visão política
global e coerente entre as diferentes áreas governativas (se adotamos políticas
de imigração tão amplas, isso não tem necessariamente impacto no número de
professores de que necessitamos?); as medidas incompreensíveis durante a
pandemia e a recusa em reconhecer o seu impacto negativo; a desvalorização dos
problemas materiais e concretos da classe docente enquanto se despendem
energias com legislação sobre autodeterminação de género; e a primazia dada às questões da “cidadania” em
detrimento de um ensino de conteúdos. Sim,
devemos recordar tudo isso. Mas, acima de tudo, não podemos esquecer uma das
primeiras medidas tomadas pelo governo de António Costa, ainda em tempos de
geringonça: a destruição de um sistema educativo plural, com a
redução drástica dos contratos de associação.
Estes contratos, celebrados entre
escolas privadas ou cooperativas e o estado, garantiam um financiamento estatal
com a contrapartida de essas escolas fazerem parte do sistema de ensino público. Isto
significa que, apesar de manterem autonomia para a determinação dos seus projectos
educativos, as regras de acesso para os alunos eram iguais às de qualquer
escola estatal e eram fiscalizadas pelo
estado. Esta solução foi fundamental para o regime democrático, pois
permitiu garantir o direito à educação de todos os portugueses: não havia escolas
estatais suficientes e, por isso, os privados foram incentivados a providenciar
um serviço que o estado não conseguia garantir.
Ainda assim, mesmo cumprindo a sua
missão, estando perfeitamente integradas na comunidade, revelando uma procura
mais elevada quando competindo com escolas estatais e, como se viria a
verificar mais tarde, apresentando maior eficiência económica do que
o sistema estatal, o primeiro governo de António Costa concretizou a sua
destruição.
O contexto político permite
compreender a razão: o acordo
parlamentar entre a esquerda tinha de assentar numa base comum, que foi
constituída substancialmente por medidas de reposição, mas que se abriu também
à educação. Esta abertura resultou de uma mudança geracional dentro do Partido
Socialista que se traduz numa visão ideológica muito mais centralista e
estatista. Esta nova geração, muitas vezes designada, por comodidade,
como jovens turcos (embora não sejam jovens, nem turcos), engloba muitos dos protagonistas dos
últimos dias (João Galamba, Duarte Cordeiro, Pedro Nuno Santos); mas
entre eles também poderíamos incluir João Costa e Alexandra
Leitão. Tendo
vivido uma outra história que não a história da formação do Partido Socialista,
sentem-se mais próximos dos partidos à sua esquerda do que as gerações
anteriores, são menos propensos a pensar soluções ao centro e de iniciativa
privada e tendem a ter uma visão muito mais estatista da economia e
centralizada da educação.
Não é possível pensar hoje a educação
sem considerar o modo como ela tem vindo a ser entendida, no mundo ocidental,
como local de disputa política e cultural. Entre
nós, o plano educativo tem sido submetido, na última década, a um assalto
político declarado, que visa substituir uma educação baseada em conteúdos por
uma educação para a cidadania e em que o conhecimento e a exigência cedem lugar
a “competências” e à relativização do mérito. Esta
nova visão para a educação exige uma crescente centralização das funções
educativas no estado – e isto permitiu aproximar as novas ideias do PS dos
partidos à sua esquerda, levando a um acordo mobilizado socialmente contra as
escolas com contratos de associação, com o desejo que correspondia ao receio
de Tocqueville: “Forçar
todas as crianças a frequentar as escolas do Estado. Eis que chegámos a Esparta.” Foram
estes novos valores a conduzir à decisão relativa aos contratos de associação,
que o Partido Socialista sempre havia respeitado e que eram genericamente
aceites pelas gerações mais velhas.
Para o bem ou para o mal, a ambição centralizadora resulta sempre em
desastre e não são, por isso, surpreendentes os problemas que a escola pública
tem revelado. A
consequência tem sido o crescimento
do ensino particular e cooperativo
(garantido pelo art. 43º/4 da CRP), que tem um peso cada vez maior nas grandes
zonas urbanas, como notou Rodrigo Queiroz e Melo recentemente. Mas esta liberdade está limitada às
famílias com mais recursos económicos, pelo que o PS, na sua viragem
ideológica, acabou por produzir uma sociedade mais desigual, em que as famílias
com maiores rendimentos são livres de escolher um ensino de qualidade, enquanto
as famílias de menores rendimentos estão condenadas a uma escola pública com
poucos recursos, mal-organizada e sujeita a uma carga ideológica crescente.
(O repto lançado por João Miguel Tavares,
no sentido de se saber quantos dos ministros socialistas têm filhos em escolas
privadas, faz todo o sentido.)
Oito anos é muito tempo – mas não podem
ser esquecidos durante os quatro meses que o Presidente da República considerou
necessários para que os partidos se organizem e a sociedade se prepare para
novo momento eleitoral. Importa recordar o legado que os governos de
António Costa nos legaram, em particular no que diz respeito à educação.
CRISE
POLÍTICA POLÍTICA EDUCAÇÃO GOVERNO
COMENTÁRIOS (de 17):
Jose Ferreira > Paulo Silva: A pedir um epitáfio. Requiem por Abril. Paulo Silva: Cara Patrícia, com o 25 de Novembro de 1975 finaram-se os aventureirismos prequianos e perigosos da extrema-esquerda, e, para grande infelicidade do Dr. Cunhal e apaniguados, Portugal e os portugueses lá puderam abraçar uma “democracia burguesa”. Mas esta nunca se livrou da marca indelével de nascença do socialismo… até hoje, ao fim de meio século. Ainda cá está! Mas importa fazer um pequeno historial dos partidos socialistas nas democracias ocidentais. Com estes aconteceu uma coisa curiosa. Após décadas no poder acabaram inevitavelmente por se corromper, e das duas uma: ou acabavam na quase extinção, casos de França, Itália ou Grécia, ou se radicalizavam, casos ibéricos do PS ou do PSOE… A geringonça não se limitou às reposições das condições socio-económicas que anteriormente nos conduziram contra a parede. A sua acção estendeu-se também a transformações no campo da Cultura, onde se insere obviamente a Educação. A Patrícia refere e bem o desperdício de energia com a legislação sobre a autodeterminação de género, e eu recordo logo a abrir, com o derrube do XX Governo Constitucional de Passos Coelho, a 20 de Novembro de 2015, ainda nem o executivo de António Costa tinha tomado posse, eram aprovadas na AR, já dominada pelos partidos da geringonça, a Lei da adopção plena por todos os casais, (ou adopção gay), e a revogação das taxas moderadoras da IVG. Mas voltando à Educação gostaria de dizer, como já aqui escrevi em resposta a um colega comentador, que o sector foi o calcanhar de Aquiles do regime democrático. Se a Saúde foi a menina dos olhos dos arautos do Estado social, mimada de consensos, a Educação foi sempre a enteada… Pau para todo o serviço transformada em laboratório e campo de batalha de visões concorrentes de ideologia educativa. As reformas e mudanças de programas escolares foram constantes… Paixão das esquerdas e obsessão dos totalitários - propaganda e controlo das massas oblige – a Educação foi no meu entender o maior falhanço da democracia pelas razões apontadas. Com o fim dos contratos de associação Costa produziu uma sociedade mais desigual, sim, mas qual o problema se o que conta mesmo é a lavagem cerebral e o controlo das massas?... João Eduardo Gata: O Legado de António Costa e do PS é ARRASADOR: Caos na Educação, Caos na Saúde, Caos na Habitação, Caos na Democracia com Constantes Derivas Autoritárias, Facadas Constantes na Democracia e na Separação de Poderes, e com Reputação de Portugal de Rastos. Este Legado é tão mau como o Legado deixado por José Sócrates, que foi um de Profunda Crise Social e Económica, e de uma Colossal Dívida Pública
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