Neste artigo de Henrique Pereira dos Santos sobre a
relação entre Homem e Clima, à escala terrena, pese embora a degradação que
este pode sofrer com a participação humana, que tantas vezes incomoda o Homem.
A ilusão da catástrofe climática
Não há nenhuma necessidade de salvar
o planeta, o planeta não precisa de nós para se salvar.
HENRIQUE PEREIRA
DOS SANTOS Convidado da Oficina da Liberdade
OBSERVADOR, 10
nov. 2023, 00:1722
Advertência: este texto estava escrito e entregue antes de
Terça-feira. Isto é, não são os acontecimentos de Terça-feira ligados ao lítio
e hidrogénio que motivam esta crónica, bem pelo contrário, esses acontecimentos
são uma coincidência que ilustra, de forma totalmente autónoma, a tese do texto.
Este
título é uma auto-citação, usei a frase do título num artigo que fiz sobre o
fosso que separa a Climáximo dos miolos.
É uma frase dúbia, tão dúbia que eu, que
a escrevi, me vejo agora obrigado a escrever um novo artigo a dizer que não
concordo com ela, ou melhor, com a interpretação mais imediata dela.
A
frase parece dizer que acho a questão das alterações climáticas uma ilusão, mas
o que acho uma ilusão é a ideia de que, havendo alterações climáticas, é
inevitável que isso se traduza numa catástrofe planetária.
Comecemos por delimitar o problema: não
há nenhuma necessidade de salvar o planeta, o planeta não precisa de nós para
se salvar ou para o que quer que seja.
Usando um exemplo de Chicco Testa no Elogio della crescita felice/Contro
l’integralismo ecológico, se Veneza
desaparecer afundada pelo aumento do nível da superfície do mar, isso não
corresponde a perda nenhuma para o planeta. Seria uma grande perda para nós,
para muitas outras espécies a renaturalização da laguna seria uma bênção.
A questão das alterações climáticas é uma questão humana, demasiado
humana, e diz respeito à nossa relação com um mundo de que dependemos para
sobreviver e nos reproduzirmos.
Não sei o suficiente para ter opinião
própria sobre o que se espera que venha a ser a evolução do clima, um assunto
de enorme complexidade, portanto aceito como bom aquilo que me parece ser
esmagadoramente dominante: está a haver alterações relevantes dos padrões
climáticos.
Sei o suficiente para
distinguir entre meteorologia e clima, portanto sei que haver um ano de seca,
ou um fenómeno meteorológico extremo, não demonstra nem deixa de demonstrar o
que quer que seja sobre alterações climáticas, isto é, sobre o padrão de
ocorrência desses fenómenos.
Do que falo é da ilusão malthusiana
de que o futuro vai ser uma projecção do presente e, se eu conseguir saber que
o futuro será mais quente e seco, posso concluir que o problema dos fogos se
vai agravar.
Independentemente
das discussões sobre se o futuro vai ser assim ou assado, a verdade é que mesmo
que saibamos exactamente como vai evoluir um determinado factor, saberemos
muito pouco sobre como vão reagir as pessoas e a sociedade a essa alteração.
Se
o problema dos fogos se tornar socialmente mais relevante, a sociedade
adapta-se, seja gerindo melhor, seja inventando novos modelos de produção, seja
alterando padrões de consumo, seja através de inovações tecnológicas, seja
alterando padrões de uso do solo em que o fogo possa ser brutal, mas não
afectar a vida das pessoas, por exemplo, por haver pouco contacto entre áreas
de elevada densidade de combustíveis e povoamento humano que seja
potencialmente afectado pelo fogo.
Haverá sempre catástrofes, como sempre houve, haverá sempre perdas,
como sempre houve, a mudança provoca frequentemente disrupção, e a discussão
séria não é sobre a forma de parar a mudança, mas sobre o óptimo social na
adaptação a essa mudança.
Eu conheço o argumento de que
quanto maior for a mudança, mais cara e difícil será a adaptação, mas é um
argumento que não me parece demonstrado em lado nenhum, é um argumento lógico,
não sabemos se é um argumento verdadeiro.
É um argumento suficientemente consistente para ser tido em atenção
na definição de políticas, mas tê-lo em atenção significa, para cada medida que
achamos adequada para lidar com o problema, que temos de avaliar custos e
benefícios de uma forma global, e não isolando o meu problema dos problemas dos
outros nem contabilizando apenas os custos de não adoptar a medida, sem
contabilizar os custos de a adoptar, incluindo os custos de oportunidade.
Grande parte das políticas de adaptação climática necessárias são
políticas razoáveis e sensatas, quer haja ou não alteração climática, porque
são políticas de eficiência no uso de recursos, isto é, políticas que visam
produzir mais, a partir de menos recursos.
O capitalismo (Ricardo Dias
de Sousa dizia num Contracorrente que
capitalismo é uma palavra inventada
por Marx para designar a realidade, permitindo-lhe desenvolver a sua utopia de
negação da realidade, espero não estar a trair a ideia que estou citar
de memória) é o sistema mais eficiente de alocação de recursos à
produção, usando o preço como mecanismo de transmissão de informação, rápido e
eficaz.
A ideia de que as catástrofes ambientais, climáticas ou outras,
podem ser evitados, ou pelo menos minimizadas, de forma mais eficiente, com
medidas de política centralizadas e tecnicamente racionais, é a enésima declinação da ideia de que o planeamento centralizado da economia é mais eficiente que a “mão invisível” na resposta às
necessidades das pessoas comuns, incluindo as necessidades decorrentes de
alterações de contexto, como são as alterações climáticas.
O problema é que essa ideia nunca foi demonstrada em lado
nenhum e sempre que foi testada resultou em desastres sociais (frequentemente
ambientais também, dificilmente a tragédia do mar de Aral ocorreria num
contexto em que os preços transmitissem informação a todos os interessados, de
forma eficiente e rápida), desigualdade e falta de liberdade individual.
Infelizmente, apesar do histórico de
desastres humanos e ambientais, essa ideia tem vindo a ser apresentada, com
cada vez mais insistência, como o único caminho para evitar o desastre.
A mim parece-me que é ela mesma uma autoestrada para o desastre.
Nota editorial: Os pontos de vista
expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser
subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e
não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre
os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que
querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e
os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de
lá chegar.
OFICINA DA
LIBERDADE POLÍTICA AMBIENTE CIÊNCIA ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS CLIMA
COMENTÁRIOS (de 22)
José B. Dias > Alexandre Nicolau: Se se refere à crónica sou levado a pensar que não leu
- ou se o fez foi "na diagonal" - não querendo acreditar que a
capacidade de interpretar seja inexistente. Se, pelo contrário, se reporta ao
seu comentário - num louvável exercício de reflexão e autocrítica - então não
tenho dúvidas em o apoiar. Mas também foram só 9 palavras o que afinal foi
assim "tanto" ...
Joaquim Albano Duarte: Excelente reflexão. Concordo.
João Amorim: Fabuloso artigo: Precisamente ao invés do comentário pateta
que antecede o meu, pergunto como é possível dizer tanto num texto tão curto e
enxuto. Um dia, e num futuro não muito distante, a história fará justiça a esta
plêiade de geniais colunistas do Observador- sobretudo os da “Oficina da
Liberdade”.
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