Como bem demonstra esse paralelismo
zoológico dos tais amadores. Mas suponho que o sentimento dos detentores de tanto
afecto fica, nessa sua irmanação, reduzido às parcerias mais próximas dos seus
habitats: ao cão, ao gato, ao periquito da gaiola, não há que protestar, julgo
eu, quando muito, admitindo também a tartarugazinha do quintal. Os cemitérios
para os paquidermes ou os répteis e mais familiares, ainda virão longe, até por
falta de verba do financiador – estrangeiro - refractário.
Mas estranha-se o tema, nesta época em
que tantos cadáveres humanos não têm direito ao seu reconhecimento em
cemitério…
Só mesmo o atraso mental pode enveredar
por tais caminhos tão pecos e aparvoados, que de facto nos envergonham, no
rasto do pensamento rígido e excelentemente reproduzido por Margarida Bentes Penedo. Não, não dá
para rir, a notícia. Merece antes, varapau.
Ao nível dos animais
A ideia de “família multiespécie” é
uma corrupção da ordem dos valores e dos princípios. O PS não se importa de
explorar este filão. É uma gente que está disposta a tudo em troca de votos.
MARGARIDA BENTES PENEDO Arquitecta e deputada municipal
OBSERVADOR, 30
nov. 2023, 00:1833
A Assembleia Municipal de Lisboa (AML)
discutiu uma Recomendação “Pela
construção de um cemitério público para animais de companhia”. A parte
dos argumentos era um pastel de idiotias esforçadamente “históricas” e
“filosóficas”, da tradição portuguesa do sentimentalismo insofrível, cuja
construção assentava afinal num único parágrafo: «Os animais de companhia são cada vez mais vistos como verdadeiros
membros da família, razão pela qual se começa a falar em “famílias multiespécie”. Efectivamente, na actualidade, os
animais são cada vez mais tratados com atenção e cuidados; e os seus donos
muitas vezes vêem-nos e
tratam-nos [sic] como se fossem membros da família, acabando por
referir-se a eles com expressões demonstrativas de que estes animais são cada
vez mais equiparados aos humanos». Com base nisto se cometeram duas páginas
A4 de considerações escritas mais a respectiva deliberação, que não pedia mais
do que o título (o tal cemitério). Quem apresentou o documento? Quem
tomou esta iniciativa e a defendeu assim? Não, não foi o PAN, foi o Partido
Socialista. É um documento oficial, discutido no passado dia 7 de Novembro, e
está disponível online no site da AML: Recomendação nº 092/01 (PS). Não trago
aqui opiniões apanhadas com um camaroeiro em posts no Facebook
(parece que trago, mas não trago). São
documentos públicos, oficiais, e assuntos oficialmente discutidos por deputados
eleitos, num órgão oficial de representantes dos eleitores.
Tratemos deste. A parte deliberativa
parece bem, e foi aprovada. Por unanimidade ou por uma larguíssima maioria
(confesso a indecisão da memória). Faz sentido, assim haja terrenos
disponíveis, pensar-se num cemitério destinado aos animais para que as pessoas,
caso queiram, possam ter um sítio onde sabem que fica o seu animal de
estimação. E pronto, começou e acaba aqui a parte respeitável do debate. Nos
argumentos, o PS fala em “famílias multiespécie”: humanos e animais, tudo na mesma família. Diz isto
para tirar votos ao PAN. Uma conversa inaceitável. Hoje as “famílias multiespécie” aparecem na fundamentação de um
documento, amanhã estão na parte deliberativa. E depois apresenta-se um cavalheiro a requerer que o deixem casar-se
com um caniche. Ou a exigir um
abono de família por adoptar um caniche, com licença de parto. E que lhe
atribuam benefícios fiscais, para descontar nos impostos, como as famílias
descontam com base no número de filhos. Agregado familiar? Um animador cultural
e quatro dependentes, constituídos por um poodle, uma gata siamesa, e um casal
de rafeiras alentejanas lésbicas. Todos inscritos na Unidade de Saúde Familiar
de Campo de Ourique.
Parece exagero? Definitivamente, não é. Quando vemos o SNS a desfazer-se, as pessoas a morrer sem
atendimento, urgências e blocos de parto a fechar; morrem bebés, morrem mães,
morrem pessoas à espera de consultas e cirurgias; o PAN põe cartazes na rua a
exigir hospitais públicos veterinários. De resto, nem se percebe a segregação.
Bastaria acrescentar departamentos veterinários aos hospitais públicos
existentes; e nacionalizar as clínicas veterinárias da cidade e do país, posto
o que se poderia enviar para essas “estruturas” os quase dois milhões de
portugueses que não têm médico de família. Já que aqui chegámos, desta vez pela
mão do PS, mais vale mergulhar no progresso e resolver um problema de saúde
nacional. Há quem leve estas idiotias a sério.
O ponto é que isto não é sério. Quando se
tenta equivaler (ou “equiparar”, como diz o PS) os homens aos animais, os
animais não sobem na civilização. E não passam a ser racionais. A única maneira
de os pôr no mesmo plano é descer a expectativa intelectual até os homens
perderem a racionalidade. A cretinice da “família multiespécie” é uma ideia que
tem origem no sentimentalismo, e o sentimentalismo é, nos dias que correm, o
primeiro recurso da sedução política. O PS sabe disso. E domina-o como nenhum outro partido; usa o
sentimentalismo e instrumentaliza a solidão das pessoas. Não podemos, de
maneira nenhuma, colaborar e ser cúmplices da manobra. O sentimentalismo é um
vício detestável. Quando ouço dizer que “precisamos de mais sentimento na
política” fico logo arrepiada. Não, não precisamos de mais, precisamos de menos
sentimento. Precisamos de mais raciocínio, mais inteligência, mais
reflexão, e mais capacidade para compreender e respeitar o país. Porque a ideia
de “família multiespécie” é uma corrupção da ordem dos valores e dos
princípios. O PS está disponível para explorar este filão. É uma gente que está
disposta a tudo em troca de votos.
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COMENTÁRIOS
(de 33)
João Amorim: A Margarida
Bentes Penedo é uma brilhante escritora e uma das pessoas mais lúcidas de entre
as que escrevem no espaço público. Chama-nos a atenção para a bizarra
Assembleia Municipal de Lisboa, que é um laboratório do que aí vem. Há que
travar esta gente. Glorioso
SLB: Os comentários
finais são brilhantes. Quem me impede a mim, de ter um filho c a minha filha
(maior), dps eu mudar de sexo para mulher, e assim passaria a ser pai, avô, mãe
e avó, tudo ao msm tempo. E dps adoptar um Husky e pedir abonos. Qual era o
mal? Começamos a ter de explicar as patetices mais esdrúxulas. Lourenço
de Almeida: Mas é que nem
um cemitério para animais faz sentido se for pago com dinheiros públicos. Parte
das pessoas que vai pagar através dos impostos comeria alegremente esses
animais mortos em croquetes ou esparguete à bolonhesa, churrasco, grelhados ou
em cabidela, conforme estejamos a falar de cidadãos de origem asiática,
africana, europeia ou simplesmente esfomeados, dependendo se os animais são
cães, gatos, aves ou algum tipo de gado! Não estamos a falar de animais mas sim
do corpo dos animais mortos que não servindo para alimentação de pessoas,
poderia pelo menos servir para adubo ou comida para animais! Só falta que no
dia 1 de Novembro haja romarias aos cemitérios de animais onde idiotas com mais
de 60 anos irão visitar campas de cães que viveram 10 a 15 anos há 40 ou 50 anos
atrás! Os animais não são pessoas, ponto final! Mas para os que acham que o
são, pelo menos não são contribuintes e por isso, os donos que lhes paguem os
vícios, ou não tardará vamos estar a pagar pensões de invalidez e reformas aos
animais! Meio Vazio: Tenham medo; tenham mesmo muito medo! José
Tomás: Esta colunista é sempre excelente, mas neste artigo
superou-se, e encarnou o saudoso VPV. José B. Dias
> João
Floriano: Num
mundo onde homens menstruam e engravidam e mulheres têm bolas entre as pernas,
onde basta ser-se branco para por definição se ser racista, onde a igualdade
passa por beneficiar uns em prejuízo de outros que deles diferem em factores
que nenhum deles controla, onde um homem compete em competições femininas por
se sentir mulher - curioso o facto de a inversa ser muito pouco ou nada vista,
mas se calhar mulher que se sinta homem não gosta de desporto ... - onde a
História é revista a cada dia ao sabor da indignação ou da micro-agressão do
momento, onde a Ciência passou a ser Religião e em consequência dogmática e não
passível de evolução ... qual é mesmo a parte da "família multi-espécie
que lhe está a fazer confusão? João
Floriano: «Família
multiespécie»????? Devo rir ou devo chorar?
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