quinta-feira, 30 de novembro de 2023

A modéstia é uma virtude preciosa

 

Como bem demonstra esse paralelismo zoológico dos tais amadores. Mas suponho que o sentimento dos detentores de tanto afecto fica, nessa sua irmanação, reduzido às parcerias mais próximas dos seus habitats: ao cão, ao gato, ao periquito da gaiola, não há que protestar, julgo eu, quando muito, admitindo também a tartarugazinha do quintal. Os cemitérios para os paquidermes ou os répteis e mais familiares, ainda virão longe, até por falta de verba do financiador – estrangeiro - refractário.

Mas estranha-se o tema, nesta época em que tantos cadáveres humanos não têm direito ao seu reconhecimento em cemitério…

Só mesmo o atraso mental pode enveredar por tais caminhos tão pecos e aparvoados, que de facto nos envergonham, no rasto do pensamento rígido e excelentemente reproduzido por Margarida Bentes Penedo. Não, não dá para rir, a notícia. Merece antes, varapau.

Ao nível dos animais

A ideia de “família multiespécie” é uma corrupção da ordem dos valores e dos princípios. O PS não se importa de explorar este filão. É uma gente que está disposta a tudo em troca de votos.

MARGARIDA BENTES PENEDO Arquitecta e deputada municipal

OBSERVADOR, 30 nov. 2023, 00:1833

A Assembleia Municipal de Lisboa (AML) discutiu uma Recomendação “Pela construção de um cemitério público para animais de companhia”. A parte dos argumentos era um pastel de idiotias esforçadamente “históricas” e “filosóficas”, da tradição portuguesa do sentimentalismo insofrível, cuja construção assentava afinal num único parágrafo: «Os animais de companhia são cada vez mais vistos como verdadeiros membros da família, razão pela qual se começa a falar em “famílias multiespécie”. Efectivamente, na actualidade, os animais são cada vez mais tratados com atenção e cuidados; e os seus donos muitas vezes vêem-nos e tratam-nos [sic] como se fossem membros da família, acabando por referir-se a eles com expressões demonstrativas de que estes animais são cada vez mais equiparados aos humanos». Com base nisto se cometeram duas páginas A4 de considerações escritas mais a respectiva deliberação, que não pedia mais do que o título (o tal cemitério). Quem apresentou o documento? Quem tomou esta iniciativa e a defendeu assim? Não, não foi o PAN, foi o Partido Socialista. É um documento oficial, discutido no passado dia 7 de Novembro, e está disponível online no site da AML: Recomendação nº 092/01 (PS). Não trago aqui opiniões apanhadas com um camaroeiro em posts no Facebook (parece que trago, mas não trago). São documentos públicos, oficiais, e assuntos oficialmente discutidos por deputados eleitos, num órgão oficial de representantes dos eleitores.

Tratemos deste. A parte deliberativa parece bem, e foi aprovada. Por unanimidade ou por uma larguíssima maioria (confesso a indecisão da memória). Faz sentido, assim haja terrenos disponíveis, pensar-se num cemitério destinado aos animais para que as pessoas, caso queiram, possam ter um sítio onde sabem que fica o seu animal de estimação. E pronto, começou e acaba aqui a parte respeitável do debate. Nos argumentos, o PS fala em “famílias multiespécie”: humanos e animais, tudo na mesma família. Diz isto para tirar votos ao PAN. Uma conversa inaceitável. Hoje as “famílias multiespécie” aparecem na fundamentação de um documento, amanhã estão na parte deliberativa. E depois apresenta-se um cavalheiro a requerer que o deixem casar-se com um caniche. Ou a exigir um abono de família por adoptar um caniche, com licença de parto. E que lhe atribuam benefícios fiscais, para descontar nos impostos, como as famílias descontam com base no número de filhos. Agregado familiar? Um animador cultural e quatro dependentes, constituídos por um poodle, uma gata siamesa, e um casal de rafeiras alentejanas lésbicas. Todos inscritos na Unidade de Saúde Familiar de Campo de Ourique.

Parece exagero? Definitivamente, não é. Quando vemos o SNS a desfazer-se, as pessoas a morrer sem atendimento, urgências e blocos de parto a fechar; morrem bebés, morrem mães, morrem pessoas à espera de consultas e cirurgias; o PAN põe cartazes na rua a exigir hospitais públicos veterinários. De resto, nem se percebe a segregação. Bastaria acrescentar departamentos veterinários aos hospitais públicos existentes; e nacionalizar as clínicas veterinárias da cidade e do país, posto o que se poderia enviar para essas “estruturas” os quase dois milhões de portugueses que não têm médico de família. Já que aqui chegámos, desta vez pela mão do PS, mais vale mergulhar no progresso e resolver um problema de saúde nacional. Há quem leve estas idiotias a sério.

O ponto é que isto não é sério. Quando se tenta equivaler (ou “equiparar”, como diz o PS) os homens aos animais, os animais não sobem na civilização. E não passam a ser racionais. A única maneira de os pôr no mesmo plano é descer a expectativa intelectual até os homens perderem a racionalidade. A cretinice da “família multiespécie” é uma ideia que tem origem no sentimentalismo, e o sentimentalismo é, nos dias que correm, o primeiro recurso da sedução política. O PS sabe disso. E domina-o como nenhum outro partido; usa o sentimentalismo e instrumentaliza a solidão das pessoas. Não podemos, de maneira nenhuma, colaborar e ser cúmplices da manobra. O sentimentalismo é um vício detestável. Quando ouço dizer que “precisamos de mais sentimento na política” fico logo arrepiada. Não, não precisamos de mais, precisamos de menos sentimento. Precisamos de mais raciocínio, mais inteligência, mais reflexão, e mais capacidade para compreender e respeitar o país. Porque a ideia de “família multiespécie” é uma corrupção da ordem dos valores e dos princípios. O PS está disponível para explorar este filão. É uma gente que está disposta a tudo em troca de votos.

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 COMENTÁRIOS (de 33)

João Amorim: A Margarida Bentes Penedo é uma brilhante escritora e uma das pessoas mais lúcidas de entre as que escrevem no espaço público. Chama-nos a atenção para a bizarra Assembleia Municipal de Lisboa, que é um laboratório do que aí vem. Há que travar esta gente.               Glorioso SLB: Os comentários finais são brilhantes. Quem me impede a mim, de ter um filho c a minha filha (maior), dps eu mudar de sexo para mulher, e assim passaria a ser pai, avô, mãe e avó, tudo ao msm tempo. E dps adoptar um Husky e pedir abonos. Qual era o mal? Começamos a ter de explicar as patetices mais esdrúxulas.                Lourenço de Almeida: Mas é que nem um cemitério para animais faz sentido se for pago com dinheiros públicos. Parte das pessoas que vai pagar através dos impostos comeria alegremente esses animais mortos em croquetes ou esparguete à bolonhesa, churrasco, grelhados ou em cabidela, conforme estejamos a falar de cidadãos de origem asiática, africana, europeia ou simplesmente esfomeados, dependendo se os animais são cães, gatos, aves ou algum tipo de gado! Não estamos a falar de animais mas sim do corpo dos animais mortos que não servindo para alimentação de pessoas, poderia pelo menos servir para adubo ou comida para animais! Só falta que no dia 1 de Novembro haja romarias aos cemitérios de animais onde idiotas com mais de 60 anos irão visitar campas de cães que viveram 10 a 15 anos há 40 ou 50 anos atrás! Os animais não são pessoas, ponto final! Mas para os que acham que o são, pelo menos não são contribuintes e por isso, os donos que lhes paguem os vícios, ou não tardará vamos estar a pagar pensões de invalidez e reformas aos animais!                   Meio Vazio: Tenham medo; tenham mesmo muito medo!                   José Tomás: Esta colunista é sempre excelente, mas neste artigo superou-se, e encarnou o saudoso VPV.                    José B. Dias > João Floriano: Num mundo onde homens menstruam e engravidam e mulheres têm bolas entre as pernas, onde basta ser-se branco para por definição se ser racista, onde a igualdade passa por beneficiar uns em prejuízo de outros que deles diferem em factores que nenhum deles controla, onde um homem compete em competições femininas por se sentir mulher - curioso o facto de a inversa ser muito pouco ou nada vista, mas se calhar mulher que se sinta homem não gosta de desporto ... - onde a História é revista a cada dia ao sabor da indignação ou da micro-agressão do momento, onde a Ciência passou a ser Religião e em consequência dogmática e não passível de evolução ... qual é mesmo a parte da "família multi-espécie que lhe está a fazer confusão?                  João Floriano: «Família multiespécie»????? Devo rir ou devo chorar?

 

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