Com gente grata, recorrendo às cartas,
fotos ou apontamentos e tantos outros documentos identificadores dos gestos
desse herói, naturalmente castigado na sua desobediência.
Foi num programa de ontem, na RTP, de
evocação e homenagem a Aristides Sousa
Mendes – «A Herança de Aristides» – programa julgo que de proveniência
judaica, a que não tive acesso na Internet, mas que me prendeu ao écran, decidindo
transpor, da Internet permissiva, a história de Aristides de Sousa Mendes,
um homem de coragem, cavaleiro sem medo, que arrostou ordens do chefe supremo do
seu país, para salvar vidas de gente condenada sem culpa pelas histerias de um
ser de diabólica estrutura mental e moral. Um programa de gente grata, que me
levou a buscar, na Internet, em sua substituição, os dados da biografia deste
homem incomum.
Só tive pena que esse excelente programa
sobre ASM, programa julgo
que de proveniência judaica, com documentos, fotos e gente comovida,
de descendentes dos fugitivos do Holocausto, passasse rasteiramente, - sem intervalo, na cola desse, para mostrar que
continuamos bons e de modo nenhum racistas - a um outro programa sobre a
necessidade de salvar vidas da gente fugitiva do mundo de hoje…
Até um tal programa alheio e simpático
para nós seria usado para satisfazer pseudo-ideologias de pseudo-altruísmos de
outra dimensão – não só ofuscando a generosidade de quem se quis mostrar grato
a um Homem bom, mas, sobretudo, ofuscando a dimensão da generosidade e do papel
desse homem bom, que arruinou a sua vida em prol de vidas inocentes, para
impedir ao menos algum desse tão grande horror.
Mas estamos habituados a servir-nos da
esmola alheia. Não é de surpreender, afinal, o rasteiro desse processo – na cola
de – para satisfazermos os nossos ideais de virtude actual.
NOTAS DA INTERNET:
Aristides de Sousa Mendes
Aristides
de Sousa Mendes (18 de Julho
de 1885 – 3 de Abril de 1954) foi um prestigiado diplomata português que salvou
30.000 vidas do Holocausto, emitindo-lhes, freneticamente, vistos que se
destinavam quer a indivíduos, quer a famílias. De 16 a 23 de Junho de 1940,
Aristides de Sousa Mendes desobedeceu às ordens impostas pelo ditador Salazar,
guiando-se pelos ditames da sua consciência moral interior. Aristides de Sousa
Mendes do Amaral e Abranches nasceu no dia 19 de Julho de 1885 em Cabanas de
Viriato, nas imediações de Viseu.
Filho de Maria Angelina Ribeiro de Abranches e do juiz José de Sousa Mendes,
formou-se em Direito pela Universidade
de Coimbra ao lado do seu irmão gémeo César, quando tinha 22 anos de
idade. Em 1908 casa-se com a sua prima Angelina, com quem viria a ter 14 filhos.
Começou a sua carreira diplomática muito jovem e em 1910 tornou-se cônsul de
Demerara na Guiana britânica. Trabalhou
como cônsul na Guiana Britânica, em Zanzibar, no Brasil (Curitiba e Porto
Alegre), nos Estados Unidos (São Francisco e Boston), em Espanha (Vigo), no
Luxemburgo, na Bélgica e, por último, em França (Bordéus). Era um homem de
família e um patriarca que jamais se separou da sua mulher e filhos,
proporcionando-lhes educação académica, assim como aulas de pintura, de desenho
e de música. Um dos seus filhos afirmou um dia: “Tínhamos uma verdadeira
orquestra de câmara em nossa casa e convidávamos pessoas, com regularidade,
para assistir aos nossos concertos. Tocávamos Chopin, Mozart, Bach, Beethoven,
entre outros.”
Segunda
Guerra Mundial
Durante a Segunda Grande Guerra, sob
a ditadura de Salazar, Portugal era uma nação alegadamente “neutra”, ainda que
de forma bem evidente e não oficial, fosse pró-Hitler. O governo português emitiu a perversa “Circular
14” a todos os seus diplomatas, negando refúgio seguro aos refugiados, incluindo
explicitamente Judeus, Russos e apátridas. Mas houve
um homem que desafiou estas ordens terríficas e que ergueu a voz da sua
consciência, salvando 30.000 pessoas de uma morte certa. Aristides Sousa Mendes foi severamente castigado por
Salazar que lhe retirou o seu cargo e lhe negou qualquer forma de garantir um
sustento, o que se revelou trágico, uma vez que Sousa Mendes tinha 15 filhos,
que foram colocados numa lista negra e que foram impedidos pelo regime de
ingressar no ensino universitário.
À medida que recrudescia a ameaça nazi e a perseguição de milhares de Judeus
por toda a Europa se intensificava, assumindo contornos cada vez mais
assustadores, milhares de refugiados judeus, em Bordéus, reuniam-se em frente
aos consulados de Portugal e de Espanha, em busca de vistos para escapar a uma
morte certa. Espanha negou os vistos aos refugiados judeus e a única esperança
residia no consulado português.
A 16 de Junho de 1940, o cônsul
português em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, encontra-se com o rabino
Kruger que escapara a uma Polónia ocupada. Promete-lhe fazer tudo o que
estivesse ao seu alcance para persuadir o governo de Lisboa, liderado por
Salazar. Nessa noite, acolhe o rabino Kruger em sua casa. Na manhã do dia 17 de
Junho de 1940, Lisboa nega os vistos aos refugiados judeus, mas de forma
inesperada, Aristides de Sousa Mendes informa o rabino que irá emitir os
vistos, pois sabia que os refugiados estavam condenados a morrer nos terríficos
campos de concentração nazis. A
casa da família – Casa do Passal, situada em Cabanas de
Viriato, Viseu – foi devolvida ao banco e eventualmente vendida como forma de
saldar dívidas. A
Associação Judaica de Lisboa foi a única a ajudar a família Sousa Mendes,
providenciando alimentação e assistência médica. Aristides de Sousa Mendes
morreu no dia 3 de Abril de 1954, mas lutou pela justeza dos seus feitos até ao
seu último suspiro.
O cônsul insubordinado
De
17 a 19 de Junho, o cônsul português trabalha incessantemente na emissão de
vistos, juntamente com dois dos seus filhos, sem parar sequer para comer.
Nesses três dias, foram emitidos 30.000 vistos, contrariando as ordens
expressas do ditador António de Oliveira Salazar. Por sua
vez, os consulados portugueses de Bayonne e Hendaye haviam obedecido a Salazar,
mas Aristides de Sousa Mendes dirige-se pessoalmente a essas cidades e são
emitidos mais vistos. Estava
consciente das consequências dos seus feitos, mas havia seguido os ditames da
sua consciência moral. A
24 de Junho de 1940, Aristides de Sousa Mendes recebe um telegrama de Salazar,
ordenando-lhe que se apresentasse em Lisboa para explicar o seu acto de
desobediência. Não só Aristides de Sousa Mendes foi despedido, como também lhe
foi negada qualquer reforma, após 30 anos de carreira diplomática. Os seus filhos foram proibidos de ingressar no ensino
universitário e a família Sousa Mendes rapidamente perderia a Casa do Passal. A
Comunidade Judaica de Lisboa providencia à família abrigo e alimentação,
ajudando alguns dos seus filhos a mudar-se para os Estados Unidos ou para o
Canadá. Morre a 3 de Abril de 1954 na miséria.
A memória de Aristides de Sousa Mendes
O
primeiro reconhecimento veio em 1966 de Israel que declarou Aristides de
Sousa Mendes “Justo entre as Nações”. Em 1986, o Congresso dos Estados
Unidos emitiu uma proclamação em honra do seu acto heróico. Mais
tarde foi finalmente reconhecido por Portugal, tendo o Presidente da República
de então, Mário Soares, apresentado desculpas à família Sousa Mendes e o
Parlamento português promoveu-o postumamente à categoria de embaixador. O rosto
de Sousa Mendes apareceu impresso em selos em vários países.
“Que mundo é este em que é preciso ser louco para fazer
o que é certo?”, Aristides de
Sousa Mendes
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