quarta-feira, 21 de julho de 2021

Como tudo se passou

 

Com gente grata, recorrendo às cartas, fotos ou apontamentos e tantos outros documentos identificadores dos gestos desse herói, naturalmente castigado na sua desobediência.

Foi num programa de ontem, na RTP, de evocação e homenagem a Aristides Sousa Mendes – «A Herança de Aristides» – programa julgo que de proveniência judaica, a que não tive acesso na Internet, mas que me prendeu ao écran, decidindo transpor, da Internet permissiva, a história de Aristides de Sousa Mendes, um homem de coragem, cavaleiro sem medo, que arrostou ordens do chefe supremo do seu país, para salvar vidas de gente condenada sem culpa pelas histerias de um ser de diabólica estrutura mental e moral. Um programa de gente grata, que me levou a buscar, na Internet, em sua substituição, os dados da biografia deste homem incomum.

Só tive pena que esse excelente programa sobre ASM, programa julgo que de proveniência judaica, com documentos, fotos e gente comovida, de descendentes dos fugitivos do Holocausto, passasse rasteiramente, - sem intervalo, na cola desse, para mostrar que continuamos bons e de modo nenhum racistas - a um outro programa sobre a necessidade de salvar vidas da gente fugitiva do mundo de hoje…

Até um tal programa alheio e simpático para nós seria usado para satisfazer pseudo-ideologias de pseudo-altruísmos de outra dimensão – não só ofuscando a generosidade de quem se quis mostrar grato a um Homem bom, mas, sobretudo, ofuscando a dimensão da generosidade e do papel desse homem bom, que arruinou a sua vida em prol de vidas inocentes, para impedir ao menos algum desse tão grande horror.

Mas estamos habituados a servir-nos da esmola alheia. Não é de surpreender, afinal, o rasteiro desse processo – na cola de – para satisfazermos os nossos ideais de virtude actual.

NOTAS DA INTERNET:

Aristides de Sousa Mendes

Aristides de Sousa Mendes (18 de Julho de 1885 – 3 de Abril de 1954) foi um prestigiado diplomata português que salvou 30.000 vidas do Holocausto, emitindo-lhes, freneticamente, vistos que se destinavam quer a indivíduos, quer a famílias. De 16 a 23 de Junho de 1940, Aristides de Sousa Mendes desobedeceu às ordens impostas pelo ditador Salazar, guiando-se pelos ditames da sua consciência moral interior. Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu no dia 19 de Julho de 1885 em Cabanas de Viriato, nas imediações de Viseu. Filho de Maria Angelina Ribeiro de Abranches e do juiz José de Sousa Mendes, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra ao lado do seu irmão gémeo César, quando tinha 22 anos de idade. Em 1908 casa-se com a sua prima Angelina, com quem viria a ter 14 filhos. Começou a sua carreira diplomática muito jovem e em 1910 tornou-se cônsul de Demerara na Guiana britânica. Trabalhou como cônsul na Guiana Britânica, em Zanzibar, no Brasil (Curitiba e Porto Alegre), nos Estados Unidos (São Francisco e Boston), em Espanha (Vigo), no Luxemburgo, na Bélgica e, por último, em França (Bordéus). Era um homem de família e um patriarca que jamais se separou da sua mulher e filhos, proporcionando-lhes educação académica, assim como aulas de pintura, de desenho e de música. Um dos seus filhos afirmou um dia: “Tínhamos uma verdadeira orquestra de câmara em nossa casa e convidávamos pessoas, com regularidade, para assistir aos nossos concertos. Tocávamos Chopin, Mozart, Bach, Beethoven, entre outros.”

Segunda Guerra Mundial

Durante a Segunda Grande Guerra, sob a ditadura de Salazar, Portugal era uma nação alegadamente “neutra”, ainda que de forma bem evidente e não oficial, fosse pró-Hitler. O governo português emitiu a perversa “Circular 14” a todos os seus diplomatas, negando refúgio seguro aos refugiados, incluindo explicitamente Judeus, Russos e apátridas. Mas houve um homem que desafiou estas ordens terríficas e que ergueu a voz da sua consciência, salvando 30.000 pessoas de uma morte certa. Aristides Sousa Mendes foi severamente castigado por Salazar que lhe retirou o seu cargo e lhe negou qualquer forma de garantir um sustento, o que se revelou trágico, uma vez que Sousa Mendes tinha 15 filhos, que foram colocados numa lista negra e que foram impedidos pelo regime de ingressar no ensino universitário. À medida que recrudescia a ameaça nazi e a perseguição de milhares de Judeus por toda a Europa se intensificava, assumindo contornos cada vez mais assustadores, milhares de refugiados judeus, em Bordéus, reuniam-se em frente aos consulados de Portugal e de Espanha, em busca de vistos para escapar a uma morte certa. Espanha negou os vistos aos refugiados judeus e a única esperança residia no consulado português.

A 16 de Junho de 1940, o cônsul português em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, encontra-se com o rabino Kruger que escapara a uma Polónia ocupada. Promete-lhe fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para persuadir o governo de Lisboa, liderado por Salazar. Nessa noite, acolhe o rabino Kruger em sua casa. Na manhã do dia 17 de Junho de 1940, Lisboa nega os vistos aos refugiados judeus, mas de forma inesperada, Aristides de Sousa Mendes informa o rabino que irá emitir os vistos, pois sabia que os refugiados estavam condenados a morrer nos terríficos campos de concentração nazis. A casa da família – Casa do Passal, situada em Cabanas de Viriato, Viseu – foi devolvida ao banco e eventualmente vendida como forma de saldar dívidas. A Associação Judaica de Lisboa foi a única a ajudar a família Sousa Mendes, providenciando alimentação e assistência médica. Aristides de Sousa Mendes morreu no dia 3 de Abril de 1954, mas lutou pela justeza dos seus feitos até ao seu último suspiro.

O cônsul insubordinado

De 17 a 19 de Junho, o cônsul português trabalha incessantemente na emissão de vistos, juntamente com dois dos seus filhos, sem parar sequer para comer. Nesses três dias, foram emitidos 30.000 vistos, contrariando as ordens expressas do ditador António de Oliveira Salazar. Por sua vez, os consulados portugueses de Bayonne e Hendaye haviam obedecido a Salazar, mas Aristides de Sousa Mendes dirige-se pessoalmente a essas cidades e são emitidos mais vistos. Estava consciente das consequências dos seus feitos, mas havia seguido os ditames da sua consciência moral. A 24 de Junho de 1940, Aristides de Sousa Mendes recebe um telegrama de Salazar, ordenando-lhe que se apresentasse em Lisboa para explicar o seu acto de desobediência. Não só Aristides de Sousa Mendes foi despedido, como também lhe foi negada qualquer reforma, após 30 anos de carreira diplomática. Os seus filhos foram proibidos de ingressar no ensino universitário e a família Sousa Mendes rapidamente perderia a Casa do Passal. A Comunidade Judaica de Lisboa providencia à família abrigo e alimentação, ajudando alguns dos seus filhos a mudar-se para os Estados Unidos ou para o Canadá. Morre a 3 de Abril de 1954 na miséria.

A memória de Aristides de Sousa Mendes

O primeiro reconhecimento veio em 1966 de Israel que declarou Aristides de Sousa Mendes “Justo entre as Nações”. Em 1986, o Congresso dos Estados Unidos emitiu uma proclamação em honra do seu acto heróico. Mais tarde foi finalmente reconhecido por Portugal, tendo o Presidente da República de então, Mário Soares, apresentado desculpas à família Sousa Mendes e o Parlamento português promoveu-o postumamente à categoria de embaixador. O rosto de Sousa Mendes apareceu impresso em selos em vários países.

Que mundo é este em que é preciso ser louco para fazer o que é certo?”, Aristides de Sousa Mendes

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