segunda-feira, 5 de julho de 2021

Ver para crer


Na guerra das “Duas Rosas”, representativas estas de casas diferentes, Tudor e Lencastre, conquanto de origem comum, disputou-se um trono por vários anos, por ambas as famílias se acharem com iguais direitos a ele, tendo origem comum. Mas hoje trata-se de vinhos, ou antes, de espumantes, e não deixa de ser uma ridícula vigarice, a estranha história contada por José Milhazes, de usurpação de um nome nobre de espumante - que só pode ser chamado de Champanhe, na pátria e região da sua origem - efectuada tal usurpação, por um país que julga ter poder para tal, como já demonstrou noutros casos. Penas-de-pavão, se dirá que são, essas de um novo invólucro, mas, apesar de tudo, estranha-se isso, neste século 21, além de nos envergonhar. Pesem embora os facilitismos indecorosos, que as democracias proporcionam, com essas designações de liberdade e igualdade, nestes tempos de facilidade. É certo que Lourenço Marques também em tempos virou Maputo, o que nos chocou bué, na altura, mas essa do “champanhe russo” não lembra ao diabo.

Rússia: a pátria do champanhe! /premium

No dia 2 de Julho Vladimir Putin assinou um decreto sobre o comércio de bebidas alcoólicas que, entre algumas medidas sensatas, determina que só é permitido chamar “champanhe” ao “champanhe russo”...

JOSÉ MILHAZES, Colunista do Observador. Jornalista e investigador

OBSERVADOR, 05 jul 2021

Os momentos de profunda crise económica, social e política, como aquele que se vive há quase dois anos devido à pandemia provocada pelo COVID-19, são momentos para se reflectir e descobrir vias, muitas vezes inovadores, para resolver os problemas e avançar em frente. Porém, alguns dirigentes políticos encontram a saída em soluções nacionalistas balofas e já ridicularizadas pela história.

No passado dia 2 de Julho, Vladimir Putin, Presidente da Rússia, assinou um decreto sobre o comércio de bebidas alcoólicas no país que, entre algumas medidas sensatas, determina que só é permitido chamar “champanhe” ao “champanhe russo”, obrigando os produtores e fornecedores franceses que exportam para a Rússia o vinho da província de Champagne a substituírem no rótulo essa palavra por “vinho gaseificado”.

A empresa francesa Moet Hennessy já reagiu a esse decreto e suspendeu a exportação desse vinho por se recusar a ir ao encontro dessa exigência. Anualmente, a Moet Hennessy exportava para a Rússia de 600 a 800 mil litros de champanhe no valor de cerca de 17 milhões de euros.

Abro aqui um parêntesis para considerar que esta “decisão sábia” de Vladimir Putin poderá ter várias consequências para os exportadores de bebidas alcoólicas portuguesas que vendem o néctar luso na Rússia. Se, por um lado, nesse país não se produz Vinho Verde, o que não permite ao “czar” tomar uma medida análoga à que tomou em relação ao champanhe gaulês, por outro lado, no Sul desse país e na região anexada da Crimeia, fabricam-se Portwine e Madera, vinhos amartelados que todos nós sabemos onde foram beber o seu nome.

Por isso, espero bem que este artigo não seja lido ou levado em atenção pela Embaixada da Rússia em Lisboa e que esta não transmita a ideia ao Kremlin de obrigar os exportadores portugueses a substituir nos rótulos as designações de Vinho do Porto e Vinho da Madeira por “vinhos generosos”. A acreditar nos diplomatas russos, eles não comunicaram a Moscovo os nomes dos organizadores das manifestações anti-Putin na capital portuguesa e espero que façam o mesmo em relação aos citados vinhos.

O decreto de Putin em defesa da produção nacional não mereceria tanta atenção se não viesse mostrar que ele aposta cada vez mais no “circo” para desviar a atenção dos russos dos problemas reais. Traz à memória uma palavra de ordem ou restos de uma anedota muito popular dos finais de 1940: “A União Soviética é a pátria dos elefantes!”

Este grito soou quando o ditador José Estaline lançou uma campanha contra o “cosmopolitismo” e para mostrar a “superioridade tecnológica do socialismo”. A URSS passou a ser a “pátria da máquina a vapor”, a “pátria da rádio”, a “pátria da aviação”, etc.

Verdade seja dita, nessa altura já se tinham encontrado esqueletos de mamutes na fria Sibéria e, por isso, existiam razões para reivindicar para si o título de “pátria dos elefantes”.

Na actual campanha, vale tudo para mostrar que o Kremlin está na vanguarda da defesa não só dos seus interesses internos, mas também da luta pelos “valores europeus”, e aqui também nos esperam “grandes descobertas”. Na semana passada, Serguei Lavrov, que muitos consideram um brilhante diplomata, foi ao ponto de declarar que “nas escolas de uma série de países ocidentais, as crianças são convencidas, no quadro dos programas escolares, a acreditar que Jesus Cristo era bissexual”.

Uma afirmação que não foi confirmada, mas os cibernautas russos afirmam que ela só poderia ter sido retirada de uma página do Tik-Tok, onde uma mãe australiana publica a gravação de conversas entre os filhos.

Ai se o ministro dos negócios estrangeiros soviético, Andrei Gromyko estivesse vivo!

P.S. Na sua “conversa com o povo”, onde Putin teve de dar provas de solução rápida em áreas tão diversas como canalização, pichelaria, construção civil, fornecimento de gás, propaganda de medicamentos (a situação com o COVID-19 na Rússia e a campanha de vacinação são catastróficas), o Presidente russo fez mais uma vez uma afirmação que deveria preocupar seriamente a União Europeia e o mundo. Ele continua a defender que russos, ucranianos e bielorrussos são o mesmo povo. Tese discutível do ponto de vista histórico, mas perigosíssima do ponto de vista geopolítico. Ele quis “apenas” dizer que países como a Ucrânia e a Bielorrússia não têm direito à independência. O início deste programa começou com a anexação da Crimeia, continuando com a ocupação militar do Leste da Ucrânia e o controlo da Bielorrússia. Desconhece-se o fim desta “saga”, mas dá para imaginar as consequências.

VLADIMIR PUTIN  RÚSSIA  MUNDO

 

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