Na guerra das “Duas Rosas”, representativas
estas de casas diferentes, Tudor e Lencastre, conquanto de origem comum, disputou-se
um trono por vários anos, por ambas as famílias se acharem com iguais direitos
a ele, tendo origem comum. Mas hoje trata-se de vinhos, ou antes, de
espumantes, e não deixa de ser uma ridícula vigarice, a estranha história contada
por José Milhazes, de
usurpação de um nome nobre de espumante - que só pode ser chamado de Champanhe,
na pátria e região da sua origem - efectuada tal usurpação, por um país que
julga ter poder para tal, como já demonstrou noutros casos. Penas-de-pavão, se
dirá que são, essas de um novo invólucro, mas, apesar de tudo, estranha-se isso,
neste século 21, além de nos envergonhar. Pesem embora os facilitismos
indecorosos, que as democracias proporcionam, com essas designações de
liberdade e igualdade, nestes tempos de facilidade. É certo que Lourenço Marques também em tempos virou Maputo, o que nos chocou bué, na altura, mas essa do “champanhe russo” não lembra ao diabo.
Rússia: a pátria do champanhe! /premium
No dia 2 de Julho Vladimir Putin
assinou um decreto sobre o comércio de bebidas alcoólicas que, entre algumas
medidas sensatas, determina que só é permitido chamar “champanhe” ao “champanhe
russo”...
JOSÉ MILHAZES,
Colunista do Observador. Jornalista e
investigador
OBSERVADOR, 05 jul
2021
Os
momentos de profunda crise económica, social e política, como aquele que se
vive há quase dois anos devido à pandemia provocada pelo COVID-19, são momentos
para se reflectir e descobrir vias, muitas vezes inovadores, para resolver os
problemas e avançar em frente. Porém, alguns dirigentes políticos encontram a
saída em soluções nacionalistas balofas e já ridicularizadas pela história.
No passado dia 2 de Julho, Vladimir
Putin, Presidente da Rússia, assinou um decreto sobre o comércio de bebidas
alcoólicas no país que, entre algumas medidas sensatas, determina que só é
permitido chamar “champanhe” ao “champanhe russo”, obrigando os produtores e
fornecedores franceses que exportam para a Rússia o vinho da província de
Champagne a substituírem no rótulo essa palavra por “vinho gaseificado”.
A empresa francesa Moet
Hennessy já reagiu a esse decreto e suspendeu a exportação
desse vinho por se recusar a ir ao encontro dessa exigência. Anualmente, a Moet Hennessy exportava para a
Rússia de 600 a 800 mil litros de champanhe no valor de cerca de 17 milhões de
euros.
Abro aqui um parêntesis para
considerar que esta “decisão sábia” de Vladimir Putin poderá ter várias
consequências para os exportadores de bebidas alcoólicas portuguesas que vendem o néctar luso na Rússia. Se, por um lado, nesse país não se produz Vinho Verde,
o que não permite ao “czar” tomar uma medida análoga à que tomou em relação ao
champanhe gaulês, por outro lado, no Sul desse país e na região anexada da
Crimeia, fabricam-se Portwine e Madera, vinhos amartelados que todos nós
sabemos onde foram beber o seu nome.
Por
isso, espero bem que este artigo não seja lido ou levado em atenção pela
Embaixada da Rússia em Lisboa e que esta não transmita a ideia ao Kremlin de obrigar
os exportadores portugueses a substituir nos rótulos as designações de Vinho do
Porto e Vinho da Madeira por “vinhos generosos”. A acreditar nos diplomatas
russos, eles não comunicaram a Moscovo os nomes dos organizadores das
manifestações anti-Putin na capital portuguesa e espero que façam o mesmo em
relação aos citados vinhos.
O
decreto de Putin em defesa da produção nacional não mereceria tanta atenção se
não viesse mostrar que ele aposta cada vez mais no “circo” para desviar a
atenção dos russos dos problemas reais. Traz à memória uma palavra de ordem
ou restos de uma anedota muito popular dos finais de 1940: “A União Soviética é
a pátria dos elefantes!”
Este
grito soou quando o ditador José Estaline lançou uma campanha contra o
“cosmopolitismo” e para mostrar a “superioridade tecnológica do socialismo”. A
URSS passou a ser a “pátria da máquina a vapor”, a “pátria da rádio”, a “pátria
da aviação”, etc.
Verdade
seja dita, nessa altura já se tinham encontrado esqueletos de mamutes na
fria Sibéria e, por isso, existiam razões para reivindicar para si o título de
“pátria dos elefantes”.
Na
actual campanha, vale tudo para mostrar que o Kremlin está na vanguarda
da defesa não só dos seus interesses internos, mas também da luta pelos
“valores europeus”, e aqui também nos esperam “grandes descobertas”. Na semana passada, Serguei Lavrov, que muitos
consideram um brilhante diplomata, foi ao ponto de declarar que “nas escolas de
uma série de países ocidentais, as crianças são convencidas, no quadro dos
programas escolares, a acreditar que Jesus Cristo era bissexual”.
Uma
afirmação que não foi confirmada, mas os cibernautas russos afirmam que ela só
poderia ter sido retirada de uma página do Tik-Tok, onde uma mãe australiana
publica a gravação de
conversas entre os filhos.
Ai
se o ministro dos negócios estrangeiros soviético, Andrei Gromyko estivesse
vivo!
P.S. Na sua “conversa com o povo”, onde Putin teve de dar
provas de solução rápida em áreas tão diversas como canalização, pichelaria,
construção civil, fornecimento de gás, propaganda de medicamentos (a situação
com o COVID-19 na Rússia e a campanha de vacinação são catastróficas), o
Presidente russo fez mais uma vez uma afirmação que deveria preocupar
seriamente a União Europeia e o mundo. Ele continua a defender que russos,
ucranianos e bielorrussos são o mesmo povo.
Tese discutível do ponto de vista histórico, mas perigosíssima do ponto de
vista geopolítico. Ele quis “apenas” dizer que países como a Ucrânia e a
Bielorrússia não têm direito à independência. O início deste programa começou
com a anexação da Crimeia, continuando com a ocupação militar do Leste da
Ucrânia e o controlo da Bielorrússia. Desconhece-se o fim desta “saga”, mas dá
para imaginar as consequências.
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