sábado, 31 de julho de 2021

Verdadeiro herói


É Jaime Nogueira Pinto, que no Observador de 30/7/21 faz espectacular análise, séria e irónica, recontando feitos pessoalmente vividos, que mais contribuem para o acentuar das vilezas de um pobre tolo – Otelo Saraiva de Carvalho – a quem a pátria, interessada em se desfazer depressa de um fardo colonial, segundo os ditames da Rússia e outros mais povos encarregues do novo conceito constitucional de defesa dos direitos de liberdade de todos os povos, com a respectiva igualdade de direitos – salvo os resquícios que vão permanecendo associados ainda, por respeito e amizade, aos países seus patrocinadores, do Reino Unido à Rússia, passando por Portugal, que decididamente não se deixou expurgar dos Açores e da Madeira, (mau grado as velhas reservas de Jardim), a pretexto de que foram os primeiros a habitá-las, embora o mesmo tenha acontecido com o arquipélago de Cabo Verde, desabitado quando lá chegaram os portugueses, mas de povo decididamente reivindicativo, como os mais, dos seus direitos.

Jaime Nogueira Pinto, no seu texto «Bandeira a meia-haste /premium», no OBSERVADOR, historia as várias revoluções ou golpes de Estado, desde a de 1820 de implantação do regime liberal, a de 1910, de implantação da República, a de 1928, de implantação da segunda República, de regime ditatorial de direita, e finalmente o “25 de Abril”, desfazedor do império colonial, incomportável num pobre país sem estrutura material – nem moral – para o manter, facilmente dominado num status de desânimo governativo, sucedendo à força mantida durante o regime de Salazar, e segundo o conceito de Jaime Nogueira Pinto, como traço comum das ditas revoluções: “As revoluções portuguesas têm uma característica: não são as oposições que triunfam, são os governos que caem”.

É sobre Otelo o seu texto: «No meio de tudo isto, subsistia Otelo, narcisista, eufórico, solipsista, excitado, um Otelo que, no Verão de 75, com a fúria popular a descer de Norte a Sul sobre as sedes do PCP, se passeava por Cuba». Um Otelo que ele descreve integrado numa narrativa que só lamento não poder transcrever, como peça fundamental para o entendimento de uma Revolução de cravos, desfazedor de um império colonial, em ardilosa aparência de brandura, mais consentânea com a tacanhez e passividade de um povo, bem diverso daquele que, em França, tomara parte activa, na sua Revolução de terror.

Em todo o caso, Otelo sempre teve ocasião de provar o que valia, no seu contentamento de homem do momento:

«E aqui, o entretanto brigadeiro Otelo e o seu COPCON assumiram as funções de polícias, interrogadores, juízes, carcereiros e até de torturadores. E com o silêncio quase total dos partidos democráticos, poupados e assustados depois do episódio “maioria silenciosa”.

«Mário Soares e o PS só começaram a defender activamente as liberdades públicas quando viram, nos princípios de 1975, que eram eles as próximas vítimas. E depois de uma outra intentona, a de 11 de Março, ter acordado a América e a Europa para um possível “golpe de Praga” lusitano, houve apoio externo e condições internas para a união nacional anticomunista.

Sei que não posso abusar na transcrição de textos alheios, mas estas páginas da ironia de Jaime Nogueira Pinto, não posso deixar de as gravar aqui, como em lápide de um apreço intemporal:

«Ainda hoje é assim. São estes mesmos “democratas” – os mesmos que vêem a “ameaça da extrema-direita iliberal” e um “populista” em cada esquina –, que nos dizem agora que Otelo era popular e sentia e respondia ao apelo do povo; que queria, tão só, um “outro tipo de regime”, uma “democracia mais directa”, enfim, que “não acreditava na democracia representativa”. Que fora, depois, já nos anos 80, um sonhador deprimido pelo 25 de Novembro e pelo fim da “festa de Abril”, saudoso do PREC e das suas prisões, desmandos e sevícias; e que se limitara a continuar a sonhar e a prosseguir de forma ainda mais enfática o seu incansável combate contra a “ameaça fascista” da democracia representativa instituída. E que os seus crimes devem, por isso, ser recordados com um meio sorriso quase enternecido, como as pequenas travessuras de um “herói da Abril”.

Mas nem todos pensam assim. Para os mais moderados, a única coisa que a História, por enquanto, consegue apurar com clareza é que Otelo, no 25 de Abril, foi “o herói do momento”; sobre o resto, cai uma espessa amnistia amnésica, que só num futuro longínquo eventuais historiadores eventualmente menos amnésicos poderão, eventualmente, descortinar. 

Decrete-se, por tudo isto, luto nacional. Bandeira a meia-haste.

Quanto a Otelo, paz à sua alma.»

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