É Jaime Nogueira Pinto, que no Observador
de 30/7/21 faz espectacular análise, séria e irónica, recontando
feitos pessoalmente vividos, que mais contribuem para o acentuar das vilezas de
um pobre tolo – Otelo Saraiva de
Carvalho – a quem a pátria, interessada em se desfazer depressa de um fardo
colonial, segundo os ditames da Rússia e outros mais povos encarregues do novo
conceito constitucional de defesa dos direitos de liberdade de todos os povos,
com a respectiva igualdade de direitos – salvo os resquícios que vão
permanecendo associados ainda, por respeito e amizade, aos países seus
patrocinadores, do Reino Unido à Rússia, passando por Portugal, que decididamente
não se deixou expurgar dos Açores e da Madeira, (mau grado as velhas reservas
de Jardim), a pretexto de que foram os primeiros a habitá-las, embora o mesmo
tenha acontecido com o arquipélago de Cabo Verde, desabitado quando lá chegaram
os portugueses, mas de povo decididamente reivindicativo, como os mais, dos
seus direitos.
Jaime Nogueira Pinto, no seu texto «Bandeira a
meia-haste /premium», no OBSERVADOR, historia as
várias revoluções ou golpes de Estado, desde a de 1820 de
implantação do regime liberal, a de 1910, de implantação da República, a de 1928, de
implantação da segunda República, de regime ditatorial de direita, e finalmente
o “25 de Abril”, desfazedor do império colonial, incomportável num
pobre país sem estrutura material – nem moral – para o manter, facilmente
dominado num status de desânimo governativo, sucedendo à força mantida durante o
regime de Salazar, e segundo o conceito de Jaime Nogueira Pinto, como traço
comum das ditas revoluções: “As
revoluções portuguesas têm uma característica: não são as oposições que triunfam,
são os governos que caem”.
É sobre Otelo o seu texto:
«No meio de tudo isto, subsistia Otelo,
narcisista, eufórico, solipsista, excitado, um Otelo que, no Verão de 75, com a
fúria popular a descer de Norte a Sul sobre as sedes do PCP, se passeava por
Cuba». Um Otelo que ele descreve integrado numa narrativa que só lamento não poder
transcrever, como peça fundamental para o entendimento de uma Revolução de
cravos, desfazedor de um império colonial, em ardilosa aparência de brandura,
mais consentânea com a tacanhez e passividade de um povo, bem diverso daquele
que, em França, tomara parte activa, na sua Revolução de terror.
Em todo o caso,
Otelo sempre teve ocasião de provar o que valia, no seu contentamento de homem
do momento:
«E
aqui, o entretanto brigadeiro Otelo e o seu COPCON assumiram as funções de
polícias, interrogadores, juízes, carcereiros e até de torturadores. E com o
silêncio quase total dos partidos democráticos, poupados e assustados depois do
episódio “maioria silenciosa”.
«Mário
Soares e o PS só começaram a defender activamente as liberdades públicas quando
viram, nos princípios de 1975, que eram eles as próximas vítimas. E depois de
uma outra intentona, a de 11 de Março, ter acordado a América e a Europa para
um possível “golpe de Praga” lusitano, houve apoio externo e condições internas
para a união nacional anticomunista.
Sei que não posso abusar na transcrição
de textos alheios, mas estas páginas da ironia de Jaime Nogueira Pinto, não posso deixar de as gravar aqui, como em lápide de
um apreço intemporal:
«Ainda
hoje é assim. São estes mesmos “democratas” – os mesmos que vêem a “ameaça da
extrema-direita iliberal” e um “populista” em cada esquina –, que nos dizem
agora que Otelo era popular e sentia e respondia ao apelo do povo; que queria,
tão só, um “outro tipo de regime”, uma “democracia mais directa”, enfim, que
“não acreditava na democracia representativa”. Que fora, depois, já nos anos
80, um sonhador deprimido pelo 25 de Novembro e pelo fim da “festa de Abril”,
saudoso do PREC e das suas prisões, desmandos e sevícias; e que se limitara a
continuar a sonhar e a prosseguir de forma ainda mais enfática o seu incansável
combate contra a “ameaça fascista” da democracia representativa instituída. E
que os seus crimes devem, por isso, ser recordados com um meio sorriso quase
enternecido, como as pequenas travessuras de um “herói da Abril”.
Mas
nem todos pensam assim. Para os mais moderados, a única coisa que a História,
por enquanto, consegue apurar com clareza é que Otelo, no 25 de Abril, foi “o
herói do momento”; sobre o resto, cai uma espessa amnistia amnésica, que só num
futuro longínquo eventuais historiadores eventualmente menos amnésicos poderão,
eventualmente, descortinar.
Decrete-se, por tudo isto, luto
nacional. Bandeira a meia-haste.
Quanto a Otelo, paz à sua alma.»
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