Sem mudança sequer de vírgulas, crónicas antigas que recordo, na morte de Otelo Saraiva de Carvalho.
De “Cravos Roxos – Croniquetas Verde-Rubras” (1981) (III LIVRO - LUSOS /74), escrito em Lourenço
Marques, em 1974:
1ª Crónica:
5- O CÉREBRO DO 25 DE ABRIL
Chama-se Otelo Saraiva de
Carvalho, é brigadeiro depois de ter sido cérebro, e mostra-se optimista depois
de se ter descartado das colónias e a nós com elas. Diz que tem a família cá, e
também tem amigos e companheiros na Frelimo. Aconselha a família a permanecer
aqui, possivelmente para ter a oportunidade de lhe apresentar os seus amigos e
companheiros da Frelimo, embora ele não tenha mostrado a intenção de vir cá
fazer isso, mas pode sempre enviar os seus cartões-de-visita já com o novo
posto no Exército.
O que me parece nestes indivíduos
cerebrais é que eles reduzem tudo à escala familiar e é essa com certeza a
maneira mais afectuosa de reduzir. Só se ouve falar em amigos, amizades,
famílias, familiaridades, e por isso todos nós nos sentimos confiantes e
enternecidos.
Finalmente, após oitocentos anos
de má administração, temos a Nação entregue a jovens – jovens capitães, jovens
democratas, jovens estudantes, jovens cérebros em suma – e agora é que ele está
bem entregue e vai produzir frutos bons.
Pelo menos prestígio não nos falta e do que todos precisamos é disso, já tive a grata ocasião de o apontar, em referência a uma frase lapidar saída no jornal EXPRESSO para a História.» (Pág. 260)
PS – A “frase
lapidar” referenciada está contida no texto anterior - «4-Prestígio» - que, naturalmente, transcrevo,
como esclarecimento, em
2ª Crónica:
«O
Ministro Almeida Santos disse que dantes éramos uma nação grande mas sem
prestígio nenhum, ao passo que agora somos um povo pequeno mas passámos a ter
um prestígio enorme. Disse isto expressamente para o “EXPRESSO” que gosta de
arrecadar frases célebres dos homens que vão ficar na História. E nisso das
frases célebres o Ministro Almeida Santos supera todos os outros homens que
costumam vir nos jornais para a História. Nunca encontrei mesmo quem dissesse
tantas frases tão bem trabalhadas e a gente ao lê-lo pensa logo nos abençoados
professores de português do Ministro Almeida Santos que souberam orientar tão
primorosamente a inteligência, notável para as frases, do seu discípulo. E tem
muitos adeptos, há imensa gente que aprecia o estilo trabalhado e aplaudem até
com gosto. Cá em Lourenço Marques foi sempre assim, tão apreciado como advogado
que a sua fortuna brotou, tal como brotam as suas frases. Mas pôs a bom recato
a fortuna, enquanto que na questão das frases, não faz questão em as lançar
profusamente para a História. E nós arrecadamo-las sofregamente.
Quanto
àquela que ele disse expressamente para o EXPRESSO, tão bem cuidada no seu jogo
de paralelismo antitético, eu achei-a um achado.
Nem
todos a apoiam, é certo, como eu, mas é porque não notaram a antítese nem o
paralelismo. Ultimamente só ouço mesmo dizer que têm vergonha de serem
portugueses e foi por isso com certeza que o administrador da Malvérnia partiu
com armas e bagagens para a África do Sul e deixou um bilhete na porta a
despedir-se afectuosamente da terra que tanto amara e se via forçado a
abandonar.
Há
até quem diga que era o que deviam fazer todas as pessoas de honra: renegar a
pátria que nos renegou.
Mas
parece-me isso, precipitação, e deve ser porque não lêem o EXPRESSO. Pois agora
temos mais prestígio no mundo e isso importa acima de tudo – que os outros nos
vejam com bons olhos. Nós somos tímidos e gostamos que nos queiram bem-
Por
isso o termos entregue as colónias não significa de modo nenhum cobardia, que
constitui sempre uma mancha grave que os outros povos nos podem apontar, se
quiserem dar-se a esse trabalho. Significa bondade e compreensão que os outros
povos nos hão-de reconhecer, dentro da mesma condição.
Daí o nosso grande prestígio na nação pequena, mais valioso do que o pequeno prestígio anterior na nação grande, como afirmou, paralelística e antiteticamente, para o EXPRESSO, e para a HISTÓRIA, o Ministro Almeida Santos.»
Morreu Otelo, o tal, das amizades,
como já o livro de Teolinda Gersão que
li há dias – “A ÁRVORE DAS PATACAS” - referia também, na identificação das
amizades rácicas, virtuosamente aí exploradas, para a condenação dos racismos,
temática profusamente difundida, como propícia às “patacas” (mesmo de
empréstimo) da nossa virtude dulçorosa, hoje.
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