segunda-feira, 26 de julho de 2021

Revivendo

 Sem mudança sequer de vírgulas, crónicas antigas que recordo, na morte de Otelo Saraiva de Carvalho.

 

De “Cravos Roxos – Croniquetas Verde-Rubras” (1981) (III LIVRO - LUSOS /74), escrito em Lourenço Marques, em 1974:

 

1ª Crónica:

5- O CÉREBRO DO 25 DE ABRIL

Chama-se Otelo Saraiva de Carvalho, é brigadeiro depois de ter sido cérebro, e mostra-se optimista depois de se ter descartado das colónias e a nós com elas. Diz que tem a família cá, e também tem amigos e companheiros na Frelimo. Aconselha a família a permanecer aqui, possivelmente para ter a oportunidade de lhe apresentar os seus amigos e companheiros da Frelimo, embora ele não tenha mostrado a intenção de vir cá fazer isso, mas pode sempre enviar os seus cartões-de-visita já com o novo posto no Exército.

O que me parece nestes indivíduos cerebrais é que eles reduzem tudo à escala familiar e é essa com certeza a maneira mais afectuosa de reduzir. Só se ouve falar em amigos, amizades, famílias, familiaridades, e por isso todos nós nos sentimos confiantes e enternecidos.

Finalmente, após oitocentos anos de má administração, temos a Nação entregue a jovens – jovens capitães, jovens democratas, jovens estudantes, jovens cérebros em suma – e agora é que ele está bem entregue e vai produzir frutos bons.

Pelo menos prestígio não nos falta e do que todos precisamos é disso, já tive a grata ocasião de o apontar, em referência a uma frase lapidar saída no jornal EXPRESSO para a História.» (Pág. 260)

PS – A “frase lapidar” referenciada está contida no texto anterior - «4-Prestígio» - que, naturalmente, transcrevo, como esclarecimento, em

2ª Crónica:

«O Ministro Almeida Santos disse que dantes éramos uma nação grande mas sem prestígio nenhum, ao passo que agora somos um povo pequeno mas passámos a ter um prestígio enorme. Disse isto expressamente para o “EXPRESSO” que gosta de arrecadar frases célebres dos homens que vão ficar na História. E nisso das frases célebres o Ministro Almeida Santos supera todos os outros homens que costumam vir nos jornais para a História. Nunca encontrei mesmo quem dissesse tantas frases tão bem trabalhadas e a gente ao lê-lo pensa logo nos abençoados professores de português do Ministro Almeida Santos que souberam orientar tão primorosamente a inteligência, notável para as frases, do seu discípulo. E tem muitos adeptos, há imensa gente que aprecia o estilo trabalhado e aplaudem até com gosto. Cá em Lourenço Marques foi sempre assim, tão apreciado como advogado que a sua fortuna brotou, tal como brotam as suas frases. Mas pôs a bom recato a fortuna, enquanto que na questão das frases, não faz questão em as lançar profusamente para a História. E nós arrecadamo-las sofregamente.

Quanto àquela que ele disse expressamente para o EXPRESSO, tão bem cuidada no seu jogo de paralelismo antitético, eu achei-a um achado.

Nem todos a apoiam, é certo, como eu, mas é porque não notaram a antítese nem o paralelismo. Ultimamente só ouço mesmo dizer que têm vergonha de serem portugueses e foi por isso com certeza que o administrador da Malvérnia partiu com armas e bagagens para a África do Sul e deixou um bilhete na porta a despedir-se afectuosamente da terra que tanto amara e se via forçado a abandonar.

Há até quem diga que era o que deviam fazer todas as pessoas de honra: renegar a pátria que nos renegou.

Mas parece-me isso, precipitação, e deve ser porque não lêem o EXPRESSO. Pois agora temos mais prestígio no mundo e isso importa acima de tudo – que os outros nos vejam com bons olhos. Nós somos tímidos e gostamos que nos queiram bem-

Por isso o termos entregue as colónias não significa de modo nenhum cobardia, que constitui sempre uma mancha grave que os outros povos nos podem apontar, se quiserem dar-se a esse trabalho. Significa bondade e compreensão que os outros povos nos hão-de reconhecer, dentro da mesma condição.

Daí o nosso grande prestígio na nação pequena, mais valioso do que o pequeno prestígio anterior na nação grande, como afirmou, paralelística e antiteticamente, para o EXPRESSO, e para a HISTÓRIA, o Ministro Almeida Santos.»


Morreu Otelo, o tal, das amizades, como já o livro de Teolinda Gersão que li há dias – “A ÁRVORE DAS PATACAS” - referia também, na identificação das amizades rácicas, virtuosamente aí exploradas, para a condenação dos racismos, temática profusamente difundida, como propícia às “patacas” (mesmo de empréstimo) da nossa virtude dulçorosa, hoje.

 



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