segunda-feira, 26 de julho de 2021

Enquanto esperamos


Um pensamento um tanto macabro este do Dr. Salles, que me parece envolto em tristeza, a mesma – ou outra – que nos acabrunha, em face de perspectivas acabrunhantes, na conquista de um futuro sombrio, visto um presente envolto numa qualquer maleita que parece ter-se definitivamente imposto no ar que respiramos e nos transtorna a existência, mau grado as passeatas que já se efectuam por esses caminhos do espaço, talvez um próximo brinquedo do Homem irrequieto, sempre, e cada vez mais ambicioso na obtenção do conhecimento, apesar da modéstia dos clássicos contida no aforismo cartesiano “Só sei que nada sei”. Mas é por isso que recorro uma vez mais a Pessoa, cujo poema “Tabacaria” do seu heterónimo Álvaro de Campos, nos enche sempre a alma de encanto, e que envio ao Dr. Salles para nele mergulhar as suas próprias tristezas, desejando simultaneamente que a sinceridade do Dr. Salles, na afirmação do seu pensamento honrado, se mantenha por longos anos, assim, ferino ou simplesmente sensato, como uma lição a seguir, há muito, todavia, posta em causa, pelos adeptos do simplismo como virtude:

(Excerto de um pensamento lúcido):

«……….Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?

Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!

E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!

Génio? Neste momento

Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,

E a história não marcará, quem sabe?, nem um,

Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.

Não, não creio em mim.

Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!

Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?

Não, nem em mim...

Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo

Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?

Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas —

Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas —,

E quem sabe se realizáveis,

Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?

O mundo é para quem nasce para o conquistar

E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão. ………»

 

PELO TOQUE DA ALVORADA - 15

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 25.07.21

O silêncio espera por nós na eternidade. Não hesitemos agora em dizer o que pensamos – se pensamos.

 

COMENTÁRIOS

Escassos meses depois de eu saber que havia dado um salto gigante a caminho da eternidade, convida-nos agora a dizer o que pensamos, antes que o manto de silêncio nos cubra na eternidade. Pois vou aceitar o teu convite, Henrique, e quebrando o silêncio, vou alinhavar alguns pensamentos que, por factos que a seguir discriminarei, assaltaram hoje ao meu cérebro. Vi hoje, no youtube, o professor Agostinho da Silva, numa das suas conversas vadias, a dizer que o homem não tem defeitos e virtudes, mas apenas características e somos nós, em função da avaliação que fazemos delas, que caracterizamos cada uma delas em virtude ou defeito. Pois, então, que todos os que estão na Eternidade, e independentemente dessas características, que descansem em Paz. Também hoje comecei a reler “A Guerra Fria”, de John Lewis Gaddis. O livro começa com a referência que no dia 25/4/1945, na cidade leste-alemã de Torgau, nas margens do Elba, encontraram-se os exércitos aliados que convergiam de extremos opostos do globo e dividiam a Alemanha nazi ao meio. Sorri pela coincidência de datas. Nessa mesma data, como sabemos, houve a libertação de Itália, e nesse dia e mês, umas décadas depois, Portugal haveria de comemorar a sua revolução que estende, pelo menos, até outro 25, mas desta vez, de novembro e do ano subsequente. A este propósito, não pude deixar de me recordar de André Malraux que disse que na revolução portuguesa, pela primeira vez (e única, penso eu) os mencheviques derrotaram os bolcheviques. Pronto, já quebrei o silêncio que nos espera na eternidade. Um abraço. Carlos Traguelho

Anónimo 31.07.2021: Para Baruch Espinosa, há uma unidade entre a natureza e o espírito, aspecto em que difere do dualismo de Descartes, que separa a filosofia da religião. Daí que, segundo Baruch, Deus está na essência dessa unidade. E assim sendo a eternidade não terá a estrita duração das nossas vidas?

Henrique Salles da Fonseca: 31.07.2021: A questão de haver ou não vida para além da morte. E, na afirmativa, por quanto tempo? Aos raciocínios eruditos há a convicção empírica que move montanhas.

Adriano Miranda Lima 31.07.2021: Sr. Dr., comentei e não reparei que não estava disponível a minha identificação, como costuma estar. Citei Espinosa porque estou a lê-lo de novo. É dos meus preferidos e o meu deus é o dele. Um abraço Adriano Miranda Lima


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