quinta-feira, 1 de julho de 2021

Xi Jinping é tal qual o algodão


Macio, suave, rosto sério de quem não quebra um prato. Algodão que não engana, na perfeição da sua limpeza, na perfeição dos seus espectáculos de uma compostura e beleza que raiam o milagre, na compostura cínica de um discurso sereno de vencedor implacável. Assim, começara por nos mandar o vírus, sorrateiramente, vírus lá iniciado, a disfarçar, na sua China domada, mas depressa se livrou dele, desse vírus, que não descola do resto do mundo, peganhento e eterno. Entretanto, a ameaça agora é outra e o seu espectáculo comemorativo do centenário comunista chinês seria sinistramente impecável e ameaçador, de tão geométrico e colorido. Ai de quem lhe queira cortar, pois, as voltas, para o seu domínio universal!

Qui vivra verra... 

Xi Jinping promete um partido e uma nação invencíveis

O líder chinês fez um discurso forte e desafiador para assinalar o centenário do Partido Comunista. Projecção internacional e modernização militar são para manterséria que não move .

JOÃO RUELA RIBEIRO

PÚBLICO, 1 de Julho de 2021

Foto: Xi Jinping discursou no centenário do PCC com um fato idêntico aos que eram usados por Mao XINHUA/JU PENG / EPA

Foi em tom de desafio que Xi Jinping discursou perante 70 mil pessoas em Pequim, durante o culminar dos festejos do centenário do Partido Comunista Chinês (PCC) esta quinta-feira. Com a segurança de se saber o líder chinês mais poderoso desde Mao Tsetung, Xi deixou avisos aos adversários do regime, prometeu a reunificação com Taiwan e proclamou a proeminência do partido e a sua irredutibilidade.

Com Xi no poder desde 2013, nada é deixado ao acaso e os pormenores contam. Vestido com o fato idêntico aos do “grande timoneiro”, Xi discursou durante mais de uma hora de costas para os Portões da Paz Celestial, na Praça Tiananmen, de novo o local escolhido para um acontecimento histórico da República Popular da China.

Foi ali que Mao anunciou a vitória da guerrilha comunista sobre os nacionalistas do Kuomintang, a 1 de Outubro de 1949; que Lin Biao proferiu o discurso que lançou as bases da Revolução Cultural, a 18 de Agosto de 1966; e onde os tanques do Exército de Libertação do Povo avançaram sobre os estudantes a 4 de Junho de 1989. A 1 de Julho de 2021, Tiananmen foi o palco da renovada confiança chinesa sobre o mundo.

O secretário-geral regressou aos primórdios da fundação do PCC, em Xangai, há cem anos, para exultar o seu trabalho na eliminação do “sistema de exploração feudal que persistiu durante milhares de anos na China” e para anunciar que os objectivos de construir uma “sociedade moderadamente próspera” e sem pobreza foram atingidos. “O povo chinês é bom não apenas a destruir o mundo antigo, mas também a construir um novo mundo”, declarou Xi. “Apenas o socialismo pode salvar a China, e apenas o socialismo com características chinesas pode desenvolver a China”, afirmou.

Num discurso cheio de avisos dirigidos a adversários nunca nomeados, Xi quis deixar bem clara a posição hegemónica do PCC na sociedade, política, economia e cultura da China, tão viva hoje como antes. O partido é “a espinha dorsal do país”, afirmou, pelo que “o êxito da China depende do partido.

Qualquer tentativa de retirar poder ao PCC ou de virar os chineses contra o partido está destinada a falhar, avisou Xi. “Os mais de 1,4 mil milhões de chineses nunca irão permitir que um cenário desses possa acontecer.

“Muralha de aço”

O tom manteve-se na hora de olhar para fora, onde cada vez mais se jogam as prioridades da liderança chinesa no século XXI. Com Xi Jinping, a China acelerou a projecção do seu poder a nível internacional, com a expansão sem precedentes dos seus interesses económicos e geopolíticos. Ao fazê-lo, o regime chinês passou também a coleccionar adversários, que olham para a sua ascensão com apreensão.

O centenário do PCC chega numa altura em que a China é fortemente criticada pelos abusos de direitos humanos cometidos em Xinjiang, em Hong Kong e no Tibete, mas também pelo envolvimento em disputas territoriais com a maioria dos seus vizinhos, desde a Índia até às Filipinas. É também uma época em que a rivalidade com os EUA pela hegemonia geopolítica parece entrar num caminho sem retorno.

A relação com os outros países é um tema sensível na China e com enorme lastro histórico. Aos seus compatriotas, Xi prometeu que a época de humilhação para os chineses acabou definitivamente. “Nunca intimidámos, oprimimos ou subjugámos povos de outros países, e nunca o iremos fazer. Na mesma medida, nunca iremos permitir que nos intimidem, oprimam ou subjugam”, declarou, para logo acrescentar aquela que é a frase de maior efeito no seu discurso: “Quem quer que o tente fazer irá entrar em rota de colisão com a muralha de aço construída por 1,4 mil milhões de pessoas.”

A segurança de Xi advém do crescente poderio militar chinês e, por isso, reservou um elogio para o Exército de Libertação do Povo – que responde directamente ao PCC – por ter alcançado “feitos indeléveis” e deverá manter a sua missão de proteger a soberania chinesa e os interesses do país não só na região, mas “mais além”. Com Xi, as forças armadas chinesas atingiram níveis inéditos de modernização em todas as áreas, uma tendência que é para manter, prometeu o chefe de Estado.

Sem surpresa, Xi reafirmou o objectivo de alcançar a “reunificação” com Taiwan, considerada pelo regime de Pequim como uma região separatista, que definiu como “uma missão histórica inabalável”. “Todos os filhos e filhas da China, incluindo os compatriotas dos dois lados do Estreito de Taiwan, devem trabalhar em conjunto e seguir em frente em solidariedade, esmagando de forma resoluta quaisquer conspirações de ‘independência em Taiwan’”, disse Xi Jinping.

Não é a primeira vez que o Presidente chinês assume sem rodeios a intenção de avançar com a reunificação de Taiwan, a ilha para onde fugiram em 1949 os nacionalistas derrotados da Guerra Civil e onde desde então se consolidou um regime democrático, apoiado e garantido militarmente pelos EUA. A existência de Taiwan depende de um frágil equilíbrio diplomático e, para muitos analistas, trata-se do ponto sensível através do qual a rivalidade latente entre Pequim e Washington pode precipitar-se.

As autoridades taiwanesas criticaram o discurso de Xi e prometeram defender a “soberania” e a democracia na ilha. Apesar de reconhecer a capacidade do PCC, por ter alcançado “um certo desenvolvimento económico” na China, o Conselho de Assuntos Continentais de Taiwan afirmou que o país é uma ditadura que oprime os direitos e liberdades do seu povo.

O discurso de Xi foi o culminar de uma celebração que se estendeu a toda a China nos últimos dias, que pretende deixar rapidamente para trás o capítulo aberto pela pandemia originada em Wuhan, no final de 2019. Em Pequim, os céus encheram-se com helicópteros militares e caças de várias classes, deixando os habituais rastos de cor vermelha. Foram disparadas cem salvas de 56 canhões, que representavam os 56 grupos étnicos da China, explica o Guardian.

Cartazes e material promocional de vermelho garrido foram exibidos em autocarros, estações ferroviárias e aeroportos em todo o país e, nas cidades, as grandes acções comemorativas foram provas da capacidade organizativa dos ramos locais do PCC e dos seus 95 milhões de militantes.

tp.ocilbup@aleur.oaoj

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