De Henrique Salles da Fonseca, na altura, aparecido
no “A Bem da Nação”. Hoje,
surgiu-me por email, e tem a mesma actualidade que então. Um texto que, para
além de apontar a influência perturbadora de filosofias como o Niilismo fazendo
tábua rasa dos valores da Civilização, e tanto de destruição causando numa
Humanidade cada vez mais destituída desses conceitos que foram elevando o Homem
acima da Besta, ao longo dos tempos, hoje friamente substituídos pelo sentido
do lucro e do desprezo humanista, faz também a apologia de Albert Camus como companheiro inicial dessa tertúlia
de génios de esquerda e que deles se desligaria, depois de ter exemplificado no
L’Étranger e explicado no Mythe de Sisyphe o porquê
desse “Homem absurdo”, pueril nesse
niilismo desgarrado de toda a crença, mas que um livro como “La Peste” provaria a necessidade da luta contra todas
as opressões.
Um Homem tenaz, Henrique Salles da Fonseca, na sua
intransigência contra tais teorias redutoras dos verdadeiros valores humanos, esses
que ensinam o Homem a superar as suas angústias e frustrações, mau grado o
sentimento de impotência, que, afinal, se acasala com uma vaidade ilimitada de
conquista. Como se tem visto, hoje.
Henrique
Salles da Fonseca
16.07.11
Friedrich Nietzsche (1844 —1900)
«Uma
vez que o velho Deus abdicou, governarei o mundo doravante» - assim apregoava Nietzsche, o pai do niilismo.
A era niilista manifestou-se muito
antes do que o filósofo imaginara: catorze anos depois da sua morte iniciou-se
a Primeira Guerra Mundial e depois dela a Europa ficou nas garras do fascismo,
do comunismo e do nazismo. E pouco tempo depois da primeira, sofreu outra
guerra pior ainda que a anterior.
Desprezada a Civilização no que ela
continha de valores perenes dando corpo à dignidade humana, a violência
triunfou sobre a verdade e sobre a bondade. Dezenas de milhões de vidas foram
aniquiladas sob o aplauso de dezenas de milhões de admiradores da violência.
Sim, porque o niilismo só pode
conduzir à ditadura, à violência e à aniquilação.
E
como começou ele?
Perante
o igualitarismo, todos têm razão, a ninguém é reconhecido o estatuto de sábio e
tudo o que se apresente difícil é considerado antidemocrático; morto o conceito
de que «o peso material determina o valor do oiro e o peso moral determina o
valor do homem», a matéria reina e o dinheiro é a divindade suprema. Moral? A cada um, a sua.
- O que é bom para o oiro é bom para ti! Comercializa-te, adapta-te!
Tudo o que te torna mais rico é útil; o que não for divertido é inútil e pode
desaparecer.
Cada
um que se valha a si próprio e os outros que se «virem» se conseguirem e, se
não, tanto melhor pois mais fica para o vencedor entesourar.
Eis um conjunto de indivíduos que
tudo fazem para vingar individualmente em prejuízo do próximo. A inveja ganha
adeptos. Só que isto não é uma sociedade e muito menos uma Civilização. E onde
não há coesão social, todos se sentem desamparados. Mas o desamparo é
desconfortável. O desconforto gera a queixa e sempre acaba por conduzir à busca
de soluções para se regressar a alguma situação assemelhável a conforto.
Assim
se reúnem os ingredientes suficientes para que apareça um
caudilho com promessas cujos méritos os desamparados não querem sequer questionar.
E a ditadura, sempre radical, gera a violência e esta é a destruição.
Foi
depois de muita desgraça que na tarde de 29 de Outubro de 1946, Albert
Camus perguntou ao anfitrião André
Malraux e ao grupo de outros convidados em que
se destacava Jean-Paul Sartre –
todos nascidos no niilismo e no materialismo histórico – se não
achavam serem eles próprios, naquela sala, os maiores responsáveis pela falta
de valores na Europa ocidental e se não estaria na hora de
declararem abertamente que estavam errados, que os valores morais existem
realmente e que doravante tudo fariam para restabelecer e clarificar esses
princípios perenes e quiçá eternos. «Não acham que seria o princípio para o
regresso de alguma esperança?»
E
hoje?
Julho
de 2011
Henrique
Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
Riemen,
Rob – NOBREZA DE ESPÍRITO, UM IDEAL ESQUECIDO, Bizâncio, Lisboa, Abril 2011
Tags:
filosofia
«anterior / seguinte »
COMENTÁRIOS
-
Henrique Salles da
Fonseca 16.07.2011: E
hoje, Camus continua com toda a razão! Bravo ao post no A Bem da Nação à volta
do niilismo...e dos valores morais que existem realmente! Maria
Correia
-
Henrique Salles da
Fonseca 16.07.2011: No
fundo, todas as filosofias contêm em si normas de dimensões opostas, dependendo
mais dos homens que as irão traduzir e aplicar do que do seu conteúdo
idealista, geralmente correcto. Por isso as religiões, à partida pregando a
virtude, pelo menos a cristã, permitiram a expansão de tanta crueldade e
tacanhez. E os filósofos, como gente que sente e que pensa, explanam, nas suas
teorias, tantas das revoltas contra os erros da sociedade em que estão
inseridos, para além das suas angústias próprias, resultantes dos conceitos
sobre a condição humana. Libertos de Deus e do que ele significa, entregues ao
seu poder criador, segundo um existencialismo absurdo, a maioria dos homens
abandona os conceitos e os preconceitos da moral, como muito bem diz o texto, e
fabricam os seus próprios conceitos apoiados em ambições pessoais e
materialismos que tudo vão arrasando, sobretudo os que ainda mantêm os tais
valores. Mas o Convento de Mafra é prova de que o desprezo humano sempre
existiu, substituindo a atenção pelos outros, no fabrico de estruturas que
valorizassem a vida desses outros, pela autopromoção megalómana, pela extorsão
em função de si próprio e dos apoiantes. Temos vivido tudo isso. Mas queremos
confiar nos homens novos da mudança, no seu ar de competência e seriedade.
Oxalá o país - e a Moody's - os deixem trabalhar. Berta Brás
…………….
Anónimo 02.07.2021: Brilhante Amigo, Bem-haja
por reavivar a minha fraca memória com este seu pensamento, tão bem elaborado,
como sempre e, infelizmente, tão certeiro em 2011 como...dez anos passados! Que
caminho leva a humanidade? Quando Deus determinar deixarei de testemunhar o que
espera as gerações futuras... Com a renovação dos agradecimentos por tão bem
nos ajudar a pensar, apertado abraço do seu António Alves-Caetano
Francisco G. de Amorim 02.07.2021: Hoje, se Camus viesse fazer a mesma
proposta... liquidavam-no! E assim vai o mundo. Entre bandidos, egoístas,
gananciosos e incompetentes. Requiem nos in pace!
Henrique Salles da
Fonseca 02.07.2021 Olá e obrigada
por esse prazer continuado de escrever e dar a ler... confinados agradecem...bom
fim de semana, Yvette Centeno
Anónimo 02.07.2021: Meu Caro
Henrique, muitas vezes temos que ter uma determinada vivência para fazer algumas
perguntas ou poder dar resposta às perguntas. E Albert Camus teve-a. Se a minha
progressiva fraca memória não me atraiçoa, já mais do que uma vez invoquei o
escritor francês nestes comentários. Em 1946, onde se situa a cena que
descreves, já ele recentemente tinha passado pela Resistência, já tinha
defendido a extensa purga francesa pós-guerra, para depois reconhecer que ela
“não só falhara como perdera a toda a credibilidade", bem como
possivelmente já estaria no início do caminho que o levaria a publicar, cinco
anos depois, “O Homem Revoltado” e, consequentemente, a romper com alguns
possíveis protagonistas da cena descrita (Jean-Paul Sartre, desde logo). Nessa
época – 1952 – a filósofa alemã, e depois apátrida, para terminar com a
nacionalidade americana – Hannah
Arendt -, criadora
da expressão “banalidade do mal”, classifica-o como o melhor homem de França.
A pergunta do texto termina com a palavra “esperança”, por coincidência a mesma que dá título a um livro do
anfitrião, André Malraux,
palavra que melhor descreve o desejo de saída de situações trágicas, como a
descrita nesse livro (a guerra civil de Espanha) ou como a da 2ª guerra
mundial e em vésperas de se começar outra, menos quente e mais longa, a chamada
guerra fria. Também
nós, actualmente, vivemos em momentos de querer ter esperança em algo melhor. A
dúvida é o que o futuro nos proporcionará. O grande historiador britânico, já
falecido e também já aqui citado por mim – Tony Judt – responde
que, decorridas várias décadas sobre a cena descrita e de muita mudança havida,
quer em França, quer no resto do mundo, “a aposta
de Camus continua em cima da mesa – agora mais do que nunca”. E acrescenta: “Camus acertou no que muitos outros
erraram durante tanto tempo”. Abraço
amigo. Carlos Traguelho
Nenhum comentário:
Postar um comentário