sexta-feira, 16 de julho de 2021

Forças opostas


A da inteligência e a da insensibilidade. Quem vencerá? É muito assustador, sim.

I - O que é que está a causar as cheias mortais no centro da Europa? Ministra alemã do ambiente culpa as alterações climáticas /premium

Simplesmente chuvas inesperadas ou consequência do aquecimento global? Já se apontam os dedos a possíveis causas das cheias que mataram pelo menos 65 pessoas na Bélgica e na Alemanha.

MANUEL PESTANA MACHADO

TEXTO

OBSERVADOR, 15 jul 2021

Bélgica, Alemanha, Luxemburgo e Suíça. Todos estes países da Europa central estão a sofrer inundações nunca antes vistas. Até agora, contabilizam-se 65 mortos, a maioria na Alemanha (59), e inúmeras pessoas estão desaparecidas. A causa: chuva, muita chuva num curto espaço de tempo. Ao Observador, Ricardo Tavares, meteorologista no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), explica que uma “região depressionária na Europa central está a causar este tempo severo”. Porque foram estes países apanhados de surpresa e o que pode explicar tantas vítimas? As causas apontadas têm sido várias, mas ministra alemã do ambiente elege o principal culpado: “As alterações climáticas chegaram”, escreveu Svenja Schulze no Twitter.

Sobre hipótese deste “tempo severo” ser ou não fruto do aquecimento global ou tratar-se de um fenómeno atípico, o IPMA não se pronuncia. Principalmente na Alemanha, o caso está a ser visto com perplexidade e promete colocar as alterações climáticas na discussão política — principalmente num ano de eleições no país. A Chanceler alemã, Angela Merkel, que está neste momento na capital dos EUA, Washigton D.C, assume o choque e lamenta a perda de vidas humanas “neste desastre”. A governante adiantou também: “Ainda não sabemos o número [total de mortos], mas serão muitos”.

Várias cidades na Europa central preocupam-se agora não com a causa das cheias, mas sim em sobreviver à catástrofe. Como contou ao Observador Válter Patinha, um português que vive no Luxemburgo, “há muitas cheias no país todo”. “Nas zonas mais planas os rios os caudais transbordaram”, relata. Há “estradas cortadas” e “supermercados fechados”. Em pleno verão, os habitantes preparam-se não só para resistir ao resto das chuvas, como para superar os estragos que estas virão a deixar nas regiões afectadas.

À Reuters, Edgar Gillessen, que vive em Schuld, refere: “Foi catastrófico”. “Todas essas pessoas que vivem aqui (…) perderam tudo”. E continua: “Um amigo tinha uma oficina ali, não há nada, a padaria, o talhou, acabou. É assustador. Inimaginável.”

Num ano normal, a Alemanha regista, nesta época do ano, cerca de 80 litros de chuva por metro quadrado por mês. No entanto, apenas nas últimas 48 horas, caíram 148 litros de chuva por metro quadrado.

Aldeias inteiras “foram reduzidas apenas a destroços”, conta a Euronews. Isto porque as “velhas casas de tijolo e madeira não resistiram ao repentino fluxo de água, muitas vezes carregando árvores e outros detritos enquanto jorrava água pelas ruas estreitas”, adianta o mesmo órgão de comunicação social.

Ao The Guardian, Bernd Mehlig, um funcionário ambiental de Renânia do Norte-Vestfália — onde já morreram dois bombeiros que tentavam acudir a cidadãos –, diz que só se viam fenómenos destes no inverno. “Algo assim, com esta intensidade, é completamente incomum no verão”, refere. Nas outras regiões afectadas, é também esta a perplexidade vivida. Na cidade belga de Liège — um país que já soma seis mortos devido às cheias –, as autoridades temem que o rio possa inundar grande parte da zona urbana e a população já foi alertada para se proteger. Nos Países Baixos, as Forças Armadas já estão no terreno para improvisar diques e bloquear a passagem da água.

Cidades como Colónia e Hagen estão também a ser afectadas por estas cheias. Em Leverkusen, 400 pessoas tiveram que ser evacuadas de um hospital. Em Liège, a presidente da câmara, Christine Defraigne, pediu à população: “Pedimos, a quem pode, que saia da cidade, especialmente a quem vive às margens do rio Meuse”, como noticiou a RTBF.

Outras histórias vão surgindo à medida que o mau tempo vai afectando mais países. As autoridades da cidade de Valkenburg, no sul da Holanda, perto das fronteiras com a Alemanha e a Bélgica, evacuaram uma casa de repouso e um hospício durante a noite a meio a uma enchente que transformou a rua principal da cidade turística num autêntico rio, informou a imprensa holandesa. O governo holandês enviou cerca de 70 soldados para a província de Limburg, no sul do país, na noite de quarta-feira, para ajudar as populações, incluindo no transporte de refugiados e enchimento de sacos de areia para tentar criar barreiras de protecção, enquanto os rios transbordam. Não houve relatos de feridos relacionados a enchentes na Holanda.

Países como a Itália e a Áustria estão a oferecer auxílio de resgate nestas inundações, disse a Comissão Europeia. Ao mesmo tempo, o sistema de satélite de emergência Copernicus, União Europeia, tem fornecido mapas para se avaliar os estragos nas áreas afectadas. Espera-se que as chuvas deixem de cair com tanta intensidade até sexta-feira.

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COMENTÁRIO: Luis Maricato: Julho 1997: "As enchentes que há semanas atingem o Leste Europeu já provocaram a morte de mais de cem pessoas -cerca de 60 na Polônia e mais de 40 na República Tcheca.Na Alemanha, não foram registradas mortes."Foram as piores cheias na região dos últimos 200 anos", disse o chanceler"

II- NASA. O ciclo da Lua e as alterações climáticas vão provocar inundações sem precedentes a partir de meio de 2030

A Lua é responsável pelas marés e as alterações climáticas pela subida do mar. A combinação de marés mais altas com o nível do mar também mais alto vai provocar cheias históricas nas zonas costeiras.

VERA NOVAIS        TEXTO

OBSERVADOR, 14 jul 2021

Marés anormalmente altas que causam cheias podem vir a repetir-se várias vezes num mesmo mês

John Ewing/Portland Press Herald via Getty Images

A subida do nível do mar, causado pelas alterações climáticas, aliado a marés mais altas por efeito da gravidade da Lua vão provocar uma década de cheias frequentes nas zonas costeiras dos Estados Unidos a partir de meados de 2030. Estas são as conclusões do primeiro estudo que inclui todas as causas conhecidas para as cheias, liderado pela equipa de Ciência da Mudança do Nível do Mar da NASA, da Universidade do Havai, e divulgado no dia 7 de julho pela agência espacial americana. O problema não ficará restrito só à América do Norte, mas é difícil extrapolar os resultados para outros locais, como Portugal, como explicou ao Observador Filipe Duarte Santos, investigador na área das alterações climáticas.

As cheias nas zonas costeiras do lado este (do oceano Atlântico ao golfo do México) são comuns, mas a partir dos anos 2030 podem acontecer várias de seguida durante um mês ou mais, ultrapassando os limites de inundação conhecidos, dependendo da posição em que se encontra a Lua, a Terra e o Sol. Em meados da próxima década, a Lua estará na fase do ciclo em que as marés são maiores (têm maior amplitude).

Sabe-se que os ciclos lunares, que duram 18,6 anos, têm uma fase de marés de menores amplitudes (variação entre maré alta e maré baixa) e uma fase de maiores amplitudes — como a que vivemos neste momento. A diferença é que, no próximo ciclo lunar (em meados de 2030), os efeitos das alterações climáticas serão muito mais evidentes, logo o impacto das marés também, defendem os autores do estudo.

Atracção gravitacional resultante [do alinhamento Lua, Terra, Sol] e a resposta correspondente do oceano podem fazer com que os moradores das cidades enfrentem inundações a cada um ou dois dias”, lê-se no comunicado da NASA.

Bill Nelson, administrador da agência, explica também que as localidades cuja altitude é próxima do nível do mar já sofrem com as inundações.E isso só vai piorar”, diz. “A combinação da atracção gravitacional da Lua, do aumento do nível do mar e das alterações climáticas continuará a exacerbar as inundações costeiras no litoral do nosso país e em todo o mundo.”

Por outro lado, o problema não é cada inundação só por si, mas “o efeito cumulativo ao longo do tempo”, afirma Phil Thompson, professor assistente da Universidade do Havai e primeiro autor do estudo. Há uma certa “tendência” para desvalorizar este tipo de problema, diz, porque estas cheias envolvem menos quantidade de água do que acontece com outros desastres naturais. Mas, se em vez de acontecer uma, forem “dez ou 15 vezes por mês”, pode haver consequências significativas, para as empresas e para os habitantes.

As descobertas do estudo contribuem para que as cidades possam ir tomando precauções para o acontecimento, de forma a que haja o mínimo de danos possíveis.

Desde o início do século passado, o nível médio global do mar já subiu 20 centímetros e, ao ritmo que tem continuado a aumentar, pode chegar aos 80 ou 90 centímetros no final desde século, diz Filipe Duarte Santos, professor e investigador na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

E continuará a subir depois disso, garante: “Não temos fim à vista para a subida do nível médio do mar”. O problema, explica ao Observador, é que mesmo que deixássemos de emitir gases com efeito de estufa de uma forma drástica e imediata, levaria cerca de 80 anos para a temperatura média global começar a descer. E só depois disso poderia haver uma mudança no padrão de subida do nível do mar. “O mar tem uma resposta muito lenta”, acrescenta o investigador.

Filipe Duarte Santos explica que a subida média global resulta do degelo das calotes polares e dos glaciares, assim como da dilatação da água devido ao aumento da temperatura, mas que os efeitos não serão iguais em todo o planeta. A Flórida, Veneza ou o delta do rio Nilo, que estão a “afundar” (subsidência), vão correr mais riscos de cheias a curto prazo do que a Escandinávia onde, neste momento, a placa continental está a subir — e o nível do mar aparenta estar a descer.

Portugal, diz o físico, “tem uma costa mais ou menos estável e um valor próximo do valor global” — os tais 80 centímetros de aumento até 2100. Mas a perda de praias — até 2071, como previu Isabel Lindim, jornalista e autora — tem outra causa além da subida do mar: a erosão costeira.

Há muita energia na costa portuguesa, com ondas fortes, que arrastam os sedimentos, como a areia, de norte para sul. Mas as barragens e as dragagens fizeram com que os rios deixassem de repor esses sedimentos, que continuam a ser arrastados pelo mar, explica Filipe Duarte Santos. A costa vai recuar em todo o país, mas as zonas de dunas, como a região de Aveiro, estarão mais ameaçadas pelo avanço do mar do as zonas de falésia, como a Costa Vicentina. Na costa algarvia os problemas não são menores: a este de Tavira, há graves problemas de erosão e de recuo da costa; a oeste, a erosão é menor por causa das falésias, mas estas são muito menos estáveis do que as do Alentejo.

O investigador não consegue prever que impacto consegue ter a conjugação das alterações climáticas com o aumento da amplitude das marés causado pelo ciclo lunar, mas consegue antever que zonas como a ria de Aveiro, protegida por uma língua de terra, ou o estuário do Tejo são zonas onde o impacto nas povoações ribeirinhas será grande, porque não há dúvida que a água irá galgar as margens.

Actualizado às 19h40 com as declarações de Filipe Duarte Santos

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COMENTÁRIOS:

Ricardo Grade: O jornalismo activismo ataca na frente climática! Tudo são suposições e meras hipóteses, a confirmar no futuro, mas o importante é passar a mensagem que nós somos os culpados das alterações climáticas! Terão sido os nossos antepassados responsáveis pelo ciclo de arrefecimento que a terra já teve ou pela morte dos dinossauros?! A presunção egocêntrica de que o homem, face ao planeta terra, é responsável pela alteração de dinâmicas de milhares de anos dá vontade de rir! Que historicamente a ocupação humana tenha propiciado o aumento de conflitos/catástrofes com a natureza, por via de uma ocupação em áreas sensíveis, é mais do que aceite, agora que as alterações climáticas sejam culpa inteiramente nossa?! Por favor! Investiguem mais um pouco, por favor, verifiquem que hoje, onde há cidades, há milhares de anos havia mar...logo, quem invadiu o quê?

Miguel Antunes: Ainda estou à espera da subida das aguas anunciada no início dos anos 80. Mas vou esperar sentado.

III -CIÊNCIA / ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

Clima: Comissão Europeia vai propor taxa querosene apesar das críticas das transportadoras

A Comissão Europeia deve propor medidas para cortar as emissões do tráfego aéreo intraeuropeu, com a aplicação de uma taxa inédita sobre querosene, algo que já provocou críticas das transportadoras.

Agência Lusa - Texto

OBSERVADOR, 14 jul 2021

Comissão Europeia considera que ausência de taxação sobre o querosene para o sector "não é coerente com as políticas climáticas"

FREDRIK VON ERICHSEN/EPA

A Comissão Europeia deve propor na quarta-feira medidas para cortar as emissões do tráfego aéreo intraeuropeu, como uma taxa inédita sobre o querosene, que já provocou críticas das transportadoras, que apontam uma “distorção da concorrência”

O sector alarma-se com as medidas que a Comissão vai apresentar na quarta-feira, integradas no seu plano para reduzir em 55% as emissões de gases com efeito de estufa na União Europeia (UE) a 2030, com referência a 1990.

No projecto de um dos 12 textos legislativos, consultado pela AFP, o executivo europeu considera que a ausência de taxação sobre o querosene para o sector “não é coerente com as políticas climáticas“. O sector do transporte aéreo representa cerca de três por cento das emissões europeias.

Bruxelas quer taxar os voos dentro da UE, com base no desempenho energético e ambiental do querosene, para encorajar as transportadoras e adoptar combustíveis “duráveis” (uma mistura com biocombustíveis), que não seriam taxados.

Mas a aviação de negócios (aviões privados) e de carga (aviões cargueiros) seria isenta de taxa querosene, por constrangimentos jurídicos internacionais.

Em directiva distinta, a Comissão deve aumentar o objectivo — ainda muito modesto – de uso dos “combustíveis duráveis”. As propostas devem depois ser negociadas entre os eurodeputados e os Estados membros.

Áustria, Bélgica e Luxemburgo já garantiram o seu apoio, em carta aberta, em que reclamam “uma aplicação sem demoras” de uma taxa querosene na UE, apelando mesmo à promoção desta medida à escala extra-UE.

Já o sector aéreo discorda da intenção. Em mensagem enviada à Comissão, 11 transportadoras da UE e a Federação Europeia dos Trabalhadores de Transportes alarmam-se de uma “distorção da concorrência”.

No texto, avisam que “cada medida pode aumentar de forma considerável a vantagem concorrencial das empresas não europeias e dos ‘hubs’ (plataformas) aeroportuários fora da UE”, em benefício de companhias da Turquia, do Golfo, inclusive da China e da Federação Russa.

Admitem até a possibilidade de os aviões irem abastecer-se à Turquia ou ao Reino Unido para contornar a taxa europeia.

Laurent Donceel, da Federação A4E (Airlines for Europe), classificou estas medidas como “ecológica e economicamente contraprodutivas”, e considerou que vão contribuir para “deslocar as emissões de carbono para outras regiões”, que vão ver o seu tráfego aumentar.

O eurodeputado liberal Dominique Riquet previu que, no Parlamento Europeu, “se a competitividade não for preservada, vai haver debate”, tal como sobre o encarecimento dos bilhetes de avião, “o que não vai ser muito popular”.

Na sua carta, as companhias estimam que este plano “enfraquece as suas capacidades financeiras” para renovar as suas frotas com aparelhos mais económicos, ou investir em tecnologias mais limpas.

As organizações de defesa do ambiente, por seu lado, consideram estas medidas insuficientes.

“Taxas de taxação demasiado baixas, aplicação demasiado lenta, aviões privados e de carga isentos… tudo isto mina qualquer verdadeiro impacto”, critica a Greenpeace, apelando a UE a abandonar as suas falsas soluções, como os aviões ‘verdes’ que funcionam com combustíveis não-duráveis”.

Com efeito, “fora o querosene, combustível ultra fóssil, não há outro meio para fazer voar os aviões! Os biocombustíveis continuam extremamente marginais” e o seu modo de produção, que se apodera de terras agrícolas e alimenta a desflorestação, “é muito contestado”, apontou Dominique Riquet.

O avião a hidrogénio só é esperado dento de 15 anos e o avião eléctrico continua limitado pelo desempenho das baterias atuais.

A Associação Internacional do Transporte Aéreo (IATA, na sigla em Inglês) declarou-se “fundamentalmente oposta” a uma taxa querosene intra-UE. O seu vice-presidente para o ambiente, Sebastian Mikosz, reclamou na quinta-feira incentivos nacionais à produção de combustíveis ‘verdes’ e defendeu o programa mundial de compensação do carbono do sector, o CORSIA.

Este deveria, disse, reduzir em 77% o crescimento das emissões do transporte aéreo em relação a 2019, com uma base voluntária, “bem mais eficaz do que as taxas”.

Bem entendido que os voos intraeuropeus já são submetidos ao mercado de carbono (ETS, na sigla em Inglês), onde as empresas aéreas podem comprar e trocar os ‘direitos de poluição’ requeridos para compensar as suas emissões. Mas, até agora, têm beneficiado de quotas de emissões gratuitas, para as ajudar a concorrer com os rivais estrangeiros. Bruxelas quer reduzir gradualmente este privilégio.

“Não é preciso taxar duas vezes o CO2! Se uma companhia paga as suas emissões no ETS e via CORSIA, então não deve pagar mais” (uma taxa sobe o querosene), considerou a A4E, que avalia em nove mil milhões de euros, em 2030, o custo suplementar das regulamentações anunciadas.

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