Tempos afegãos de um próximo passado que
se viveu com horror, de um presente em mudança, de um futuro sem expectativa
benéfica. Contado por José
Milhazes e seus muitos comentadores, bem lembrados.
Afeganistão: regresso ao mesmo ou catástrofe ainda maior?
/premium
Os dirigentes dos países que fazem
fronteira com o Afeganistão na Ásia Central preparam-se para o pior, receando
que grupos de radicais islâmicos possam tentar levar o conflito a toda a região.
JOSÉ MILHAZES, Colunista do
Observador. Jornalista e investigador OBSERVADOR10 jul 2021
À medida que os Estados Unidos e a
NATO retiram as suas tropas do território do Afeganistão, a ofensiva dos talibãs
e de outros grupos radicais aumenta e tornou-se já claro que a intervenção ocidental
nesse país não permitiu deixar estruturas governamentais capazes de resistir
por muito tempo.
Aliás,
esta retirada faz lembrar a saída inglória das tropas soviéticas do Afeganistão
em 1989. Os
rebeldes afegãos não respeitaram os acordos firmados com Moscovo, lançaram-se
rapidamente numa feroz luta pelo poder, obrigando Mohammad Najibullah, então
presidente do país, a refugiar-se na representação das Nações Unidas em Cabul. Em
1997, quando os
talibãs, então o grupo mais radical islâmico, tomaram a capital, prenderam
Najibulhab, castraram-no e enforcaram-no publicamente. Depois, impuseram no
país um dos regimes mais violentos e repressivos.
Desta vez, os americanos parecem ter
um plano para salvar o actual presidente afegão, Ashraf Ghani, mas deixam o
país entregue às forças mais retrógradas e fundamentalistas.
Vassily
Kravtzov, antigo agente dos serviços secretos e diplomata russo
que trabalhou muitos anos no Afeganistão, atribui a falta de resistência por
parte das forças armadas afegãs, face aos talibãs e a outros grupos
extremistas, ao falhanço
norte-americano na formação das tropas de Cabul: “O Pentágono organizou tudo como se estivesse em
casa, considerando o seu sistema o mais eficaz. Trata-se, em primeiro lugar, do
sistema de contratação dos militares sem qualquer tipo de ideologia, sem ter em
conta os interesses do povo e do Estado. Desse modo, os afegãos
transformaram-se numa espécie de mercenários no seu próprio país. E este é um
momento muito delicado.”
“Em
segundo lugar”, continua Kravtzov no
artigo “A escuridão avança sobre o Afeganistão”, publicado na jornal Novaya Gazeta, nas tropas
afegãs não foram criados quaisquer órgãos políticos. Realizaram o princípio
“forças armadas fora da política e da ideologia”… Em terceiro lugar, tal
como no Pentágono, nas forças armadas afegãs não existem órgãos de
contra-espionagem e de segurança militares, independentes do ministério da
Defesa e do Estado-Maior. Foi sempre sua tarefa o acompanhamento dos processos
nas tropas e em unidades militares concretas.”
Além disso, a forma como está a ser
retirado o contingente militar dos Estados Unidos e da NATO contribui para uma
desmoralização rápida dos soldados e oficiais afegãos. Por exemplo, Washington
ordenou a saída dos seus homens da base aérea de Bagram durante a noite e sem
informar Cabul.
“Presente envenenado” para a Rússia e
China?
Tentando salvar a vida durante a
ofensiva lançada no norte do Afeganistão pela coligação constituída por
combatentes dos talibãs, da Al-Qaeda e do Estado Islâmico de Khorasan, milhares de
soldados e guardas fronteiriços afegãos rendem-se aos grupos extremistas ou
atravessam as fronteiras do Afeganistão e do Uzbequistão, fazendo recear uma
onda de refugiados e a passagem do conflito para esses dois países – e daqui
para toda a Ásia Central.
Como
é sabido, a Rússia considera a Ásia Central uma das suas
zonas de influência e promete garantir a segurança dos seus aliados na
região através da Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC), que
reúne a Arménia, Bielorrússia, Quirguízia, Rússia e Tadjiquistão.
Esta
organização tem no seu tratado o artigo n.º4, que garante o
apoio militar dos membros caso um deles seja atacado. Quando da guerra entre a Arménia e o Azerbaijão em
torno de Nagorno-Karabakh, Erevan pediu o accionamento desse artigo, mas isso
não foi feito, porque o conflito tinha lugar em território azeri ocupado pelos
arménios. A seguir, registaram-se confrontos militares entre dois dos
membros da organização: Tadjiquistão e Quirguízia, mas a organização também não
arriscou intervir. Por isso, é difícil ter uma ideia mais ou menos clara da
capacidade militar da OTSC.
Há
dois anos, Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia,
defendia: “O conflito no Afeganistão não tem solução militar. A
única via de normalização é conseguir a paz através de meios
político-diplomáticos. Defendemos a retirada total de tropas estrangeiras do
país.”
Esta afirmação baseia-se numa
suposição dos dirigentes russos de que, não obstante as forças da oposição ao
regime de Cabul terem lançado ofensivas de vulto junto às fronteiras com o
Tadjiquistão e o Uzbequistão, os talibãs não tencionam atacar os países
vizinhos. A julgar pelas declarações dos diplomatas russos pode-se supor que
exista um acordo entre Moscovo e os talibãs, conseguido em conversações
secretas ou abertas entre eles.
Os dirigentes russos suavizaram
significativamente o seu discurso em relação aos talibãs e Lavrov acusa o presidente Ghani de travar o diálogo
com eles, acrescentando que isso permite ao exército islâmico ocupar
territórios, antes de mais, no norte do Afeganistão, precisamente nas
fronteiras dos países que são nossos aliados.”
Opinião
diferente tem o general bielorrusso Stanislav Zas, secretário-geral da OTSC: “Eu vi-os em Abril ao vivo através dos binóculos no
rio Piandj… Eles estão todos vestidos de negro, têm pontos militares por toda
a parte.”
Os
talibãs poderão não arriscar atacar os países vizinhos, mas neste caso, Arkadi
Dubnov, analista político que conhece bem a Ásia Central, levanta uma série de
questões: os talibãs “receiam a consolidação das etnias étnicas
do Afeganistão, dos tadjiques, uzbeques, turcomenos, que no Norte são
precisamente a maioria? Tentarão
impedir que lhes sejam fornecidas armas a partir dos países vizinhos da Ásia
Central ou da Rússia? Quererão conservar a integridade do Afeganistão e
resistir aos planos separatistas dos chefes do Norte? Tentarão defender a
fronteira para serem eles a controlar o tráfico de droga?
É
difícil responder a estas perguntas, mas os dirigentes dos países que fazem
fronteira com o Afeganistão na Ásia Central – Tadjiquistão,
Turcoménia, Uzbequistão e China – preparam-se para o pior, pois receiam que grupos de
radicais islâmicos possam tentar levar o conflito a toda a região e
desestabilizar a situação. O
líder tadjique Emomali Rahmon já pediu ajuda à OTSC e o presidente russo
Vladimir Putin respondeu positivamente.
Pequim
também está certamente atenta ao desenrolar dos acontecimentos, pois o
Afeganistão é a base do Movimento Islâmico do Turquestão Oriental, cujos
guerrilheiros lutam pela separação da região autónoma de Xijiang da China.
Como
Moscovo e Pequim se opõem à instalação de bases norte-americanas ou da NATO na
região, terão de ser russos e chineses a carregar o fardo mais pesado caso a
guerra do Afeganistão salte para além das fronteiras afegãs.
Num
artigo recentemente publicado por Serguei Lavrov, ele escreve: “O Ocidente
colectivo histórico, que dominou sobre todos durante 500 anos, não pode deixar
de ter consciência que essa época passou irremediavelmente ao passado, mas ele
pretende manter as posições que lhe escapam, travando artificialmente o
processo objectivo da formação de um mundo policêntrico.”
A acção dos Estados Unidos e da NATO
no Afeganistão falhou redondamente e surge uma oportunidade para Moscovo e
Pequim, separados ou juntos, demonstrarem a verdade da tese do chefe da
diplomacia russa.
MUNDO AFEGANISTÃO ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA NATO
COMENTÁRIOS:
BatteringRam EU: Ainda não compreenderam que não vão conseguir impor globalismos/governos
mundiais, já muitos tentaram no passado e todos fracassaram. E contra o estado
islâmico vão perder naturalmente, como sempre. Paulo F.: Em contrapartida deixam lá
armas suficientes para sustentar os terroristas por muitos anos. Aquilo vai
ficar dividido tribalmente, a Rússia defende as suas fronteiras pagando a
senhores da guerra, o mesmo vai fazer o Irão e o Paquistão, os que apoiam ou se
apoiam nos ocidentais vão ser as grandes vítimas, tanto dos Taliban como de
pequenas células do estado Islâmico. Tenham em atenção que os Taliban não
são exactamente uma força homogénea, têm tropas próprias mas também recorrem
aos senhores da guerra para operações localizadas, são sim a força mais
politizada e organizada, e a única maneira de os deter é pagando fortunas aos
tais líderes tribais. Este país não vai ter paz nunca. Anarquista Inconformado:
Afeganistão: Para destruir o
governo comunista do Afeganistão, os EUA e seus capangas armaram e criaram os
Talibans a partir do Paquistão governado pelos seus homens de mão. A URSS que
apoiava o governo Afegão, resolveu abandonar o país à sua sorte afim de sacarem
mais um biliões de dólares aos donos do mundo. Logo os talibans se apoderaram
do Afeganistão e os americanos perceberam que mais uma vez lhes tinha
acontecido o que lhes aconteceu no Camboja com Pol Pot. Depois do 11 de
Setembro, invadiram a Afeganistão com a sua aliança de nome NATO colocando
no poder o seu homem de mão, dezenas da anos depois não conseguindo derrotar a
sua criação, mais uma vez tiveram de fugir do Afeganistão de um forma menos
espectacular de quando fizeram o mesmo do Vietname. Confere lá oh Milhazes, se
é essa a informação que te deram para recitar. Luís Martins: As intervenções militares
americanas fracassaram na maioria das vezes. Só em coligações alcançaram algum
sucesso, nomeadamente na duas guerras mundiais, especialmente na segunda. advoga
diabo: Biden não quer é
que o "Vietname dos soviéticos" se transforme numa espécie de
Vietname 2 dos americanos. Já JM, além de assinar o ponto, vive na esperança de
uma sequela do Vêm Aí os Russos! Harry Dean Stanton > advoga diabo: Vietname russo ou Vietname americano. Por mais que
Reagan o tenha expressado, por mais que Bush pai o tenha tentado como ninguém
com a CIA, Bush filho já conseguiu há muitos anos transformar o Afeganistão
na guerra mais longa da América. Duas décadas! E pior, com os resultados
que até o Milhazes dá conta nesta coluna. Com os talibans a reclamarem 85% do
território. Resultado que não difere aliás muito de todas as intervenções
externas norte-americanas mais recentes. Com as consequências que também se
conhecem para o mundo.
Elvis Wayne: O Afeganistão é um buraco de balbúrdia e caos a fazer-se passar por um
país. É uma tragédia para quem lá vive ou melhor sobrevive e nada tem a ver com
o fanatismo. No entanto já lá vão 20 anos, é hora de os americanos irem à sua
vida. Harry Dean
Stanton: Os russos
também já falharam no Afeganistão com os americanos a financiar os terroristas
como Bin Laden que mais tarde tiveram que ir lá combater com o sucesso que se
conhece. Já depois de também terem apoiado os maravilhosos talibans que
mergulharam o país no mais negro obscurantismo medieval. Mas também concordo
que os tempos hoje são totalmente diferentes. Já agora, bom texto do Milhazes
hoje também. Alguma deve estar para acontecer. Uma coisa é certa nenhuma potência
estrangeira conseguiu manter o poder por lá até à data. Antes e depois da queda
da Monarquia. E nós no Ocidente hoje tememos muito o terrorismo islâmico mas a
Rússia não o teme menos. Por razões acrescidas de proximidade e pela inúmera
população muçulmana. Por mais que Putin também diga que eles amam todos muito a
Rússia. Por alguma razão a intervenção na Síria também visa que muitos
terroristas não regressem a solo russo. Tão ou mais fustigado por atentados terroristas
que o Ocidente. bento
guerra: Mais uma idiotice
do "Obama III" chamado Biden. Aquilo é o "eixo do mal" como
dizia e bem o G.Bush
Harry Dean Stanton > bento guerra: E como é que Bush aprendeu isso? Com o pai?
voando sobre um ninho de cucos: Eu sou uma perfeita ignorante sobre estas movimentações estratégicas.
Portanto perdoem-me os disparates que vou opinar. Dos taliban não poderá nunca
vir nada de bom. Portanto logo que encontrem alguma resistência será matança em
série. PortugueseMan chama a atenção para a ocidentalização de Kabul. Aí haverá
certamente resistência. Concordo com José Milhazes quando diz que o
Afeganistão é um osso mais duro de roer do que a Síria: pela área do
país, pela topografia extremamente montanhosa, pelas fronteiras e pelo estado
permanente de guerra em que tem vivido. Não estou a ver os taliban a
aceitarem diplomaticamente as pretensões chinesas. Vão-se desagregar em grupos
armados e quiçá fornecer à Rússia uma belissima desculpa para repetir a década
de 80 do século passado, mesmo sabendo que não correu nada bem para os russos.
Mas agora quem lá está é Putin……….PortugueseMan >voando sobre um ninho de cucos : ...Portanto perdoem-me os disparates que vou opinar… ...Dos taliban não poderá nunca vir nada de bom... Convém não
esquecer que eles vivem ali, e não podemos também esquecer quantos países têm
coisas semelhantes aos Talibans e governam. O facto de eles nos últimos tempos
andarem em vários países a negociar, parece-me demonstrar que estão dispostos a
compromissos. O que me parece um bom sinal. Não estou a falar em paraísos na
terra, mas que consigam viver em paz e com alguma tolerância para quem cresceu
e viveu ali uma realidade diferente. ...quiçá
fornecer à Rússia uma belíssima desculpa para repetir a década de 80 do século
passado, mesmo sabendo que não correu nada bem para os russos... Repare
num pormenor importante. As intervenções russas foram e estão a ser muito
específicas. Tchétchénia, completamente crucial não podia sair de território
russo doa o que doer, disse isto vários vezes ao José Milhazes. Geórgia, não
podia entrar na NATO e só intervieram após as regiões separatistas serem
atacadas. Só actuaram em zonas onde são desejados. Ucrânia, não podia entrar na
NATO e só interveio quando houve uma acção musculada para tirar o governando
pró-russo. Só entraram em zonas onde são desejados. Síria, entraram com o apoio
do governo e das pessoas. Ou seja, eles eram desejados e a sua campanha na
Síria é muito específica. Os russos só têm intervindo, onde exista uma base de
apoio. É uma actuação completamente diferente da intervenção soviética no
Afeganistão. Cabral
Paula: Se ninguém lhes
vendesse armas, os afegãos, entre eles encontravam uma solução em dois ou três
anos. Para isso é que devia servir a "comunidade internacional". Mas
não, o que interessa são as alterações climáticas, problema para o qual não há
solução, e portanto nem é um problema... Antonio Mendes: Será uma Síria 2.0? É deixá-la
e não ceder aos cantos de sereia para que seja a UE a pagar a sua reconstrução
enquanto os russos continuam a vender as suas armas! José Milhazes AUTOR > Antonio Mendes: O Afeganistão é uma situação
muito mais grave do que a Síria. PortugueseMan: Ora, até que gostei de ler o
artigo. Para a Rússia, o mais importante é tirar os americanos da Ásia Central. Com
a saída deles do Afeganistão, perdem totalmente o acesso. Duvido que algum país
à volta do Afeganistão, volta a dar permissão de passagem, quanto mais
albergarem militares americanos. Quanto aos Taliban, parece-me que eles estão bem mais
conscientes que é preferível fazer uns acordos, ter alguma paz e controlo do
país. Eles têm andado já há algum tempo em negociações. Com os russos, com os
iranianos, paquistaneses... Desde que se mantenham nas suas fronteiras e controlem
certas facções ainda mais radicais que por ali andam e que vários países
consideram uma ameaça, poderá haver ali algum entendimento. Os russos têm músculo militar e
a China tem músculo financeiro. Há muitos negócios que podem ser feitos no
Afeganistão. Depois de tantas décadas de conflito, vamos a ver se haverá ali
uma pausa. Mas vão ter que demonstrar alguma tolerância penso. Vamos a ver como vão
tratar os afegãos mais "ocidentalizados" que vivem em Kabul.
Se a coisa não
correr bem e extravasar... Bem, é uma boa zona para os russos e chineses
treinarem a sua aliança militar que cresce a cada dia que passa. Mas não acredito que os Taliban queiram ir por aí. José MilhazesAUTOR > PortugueseMan: O grande desafio serão mesmo os grupos radicais num
país com um relevo e divisões tribais. PortugueseMan > José Milhazes: Tudo dependerá dos talibans. Já há algum tempo que os
russos têm andado em conversações com eles. Se os talibans não quiserem nada
com esses grupos mais radicais, os russos podem tratar disso pelo ar como o
fazem na Síria. Com a diferença que aqui não haverá zonas controladas pelos
americanos. Nenhum país vizinho quer mais confusão ali. E a China tem grandes
planos económicos que vão beneficiar todos aqueles países. A bola está mesmo
com os taliban e estes parecem-me diferentes do que há umas décadas. Vamos a
ver que tipo de compromissos estão dispostos a fazer, para haver paz no país.
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