sábado, 6 de julho de 2024

Bidonvilles é do que se precisa


Como obstáculo temporário a tão atrozes condicionalismos do modus vivendi dos actuais imigrantes. Também nós somos exemplo de emigrantes – julgo que ordeiros – quantas vezes, saídos daqui “a salto”, com a mala de cartão da citação de Linda de Susa, a qual não viveu talvez, contudo, nos bidonvilles da nossa penúria migratória, nessa França criativa de outrora. Os bidonvilles serviriam temporariamente para impedir tão desumanas condições vividas hoje por gente fugitiva dos seus países, e que aqui se dispõe a trabalhar. Entretanto, ir-se-iam fabricando as habitações normais, em espaços normais para um acolhimento menos desprezível…

A máquina de fazer portugueses

A aceleração da entrada de migrantes mostrou a falta de planeamento e a nossa grande capacidade para fazermos de conta de que nada está a acontecer. Até que as filas na AIMA começaram a encher as ruas.

MIGUEL MIRANDA Geofísico, antigo presidente do IPMA

OBSERVADOR,05 jul. 2024, 00:1816

O impacto social e cultural da emigração é sem dúvida um dos problemas mais complexos do nosso tempo. O efeito combinado da redução da natalidade, com a obrigação de manter a força de trabalho em inúmeras áreas da economia, criou as condições para a necessidade de ser permitida a entrada de migrantes nos países da Europa. Somem-se os serviços públicos de saúde gratuitos, e temos as condições necessárias para uma grande pressão de cidadãos oriundos de outras paragens. As empresas especializadas em “import-export” de mão-de-obra não tardaram a aparecer.

O mês de junho é o mês dos santos. Em cada esquina um arraial mistura os lisboetas que ainda resistem, com forasteiros, numa festa popular e simples. Onde muitos de nós gostam de estar e de se ver. A música toca alto, as sardinhas, as febras e o frango no churrasco crepitam. As vozes misturam-se e os ecos do Brasil e de África estão lá. Nos bairros que resistiram à gentrificação a festa prolonga-se pela madrugada, e apesar da mistura de idiomas e de idades, de nações e de hábitos de vida, a festa faz-se, e o principal risco é o que provém da ingestão excessiva de bebidas alcoólicas.

Passeamos pelo centro de muitas cidades, com grande peso para Lisboa, ou nas regiões do país onde empresas de qualquer ramo interromperam a laboração ou terminaram uma actividade essencialmente sazonal e os migrantes são entregues à sua sorte. Aqui não há festa. Confrontemo-nos com as condições de vida sub-humanas de muitas destas pessoas, que circulam aos grupos pelas ruas, que estão cá porque a vida nos países de origem é ainda pior. E porque já não se consegue imaginar a agricultura, a pesca, todo o sector primário e de serviços, sem a sua presença diligente.

A aceleração da entrada de migrantes mostrou a ausência de planeamento e a grande capacidade que temos para fazermos de conta de que nada de especial está a acontecer. Até que as filas na AIMA começaram a encher as ruas e os écrans das televisões. Os números surgiram, aumentando todos os dias, e olhando para os dados estatísticos o crescimento parece exponencial. Mais de quatrocentos mil imigrantes à espera de validar os seus “papéis”. Casas alugadas onde dormem dezenas de trabalhadores uns em cima dos outros, como nunca se tinha visto mesmo nos piores momentos da história das cidades. Muitos gostavam que eles trabalhassem para nós, mas não os víssemos. São gente como nós.

E enfrentemos o mais difícil problema: a diferença de religião, cultura, socialização, que leva à formação de “tribos” que se separam do todo social. Sabemos que Portugal, país de emigração e de comerciantes, que foi origem ou destino de migrações, muitas delas forçadas, tem na sua génese, como qualquer nação marítima, um cosmopolitismo e uma amálgama social inescapáveis. A criação do nosso modo de estar foi cristalizada ao longo de muitas gerações, e mesmo que seja muito difícil definir o que é ser português, percebe-se intuitivamente, que a combinação lenta de tantos elementos diversos, se comporta um pouco como a formação de uma rocha que, não sendo homogénea, deixa cristalizar os minerais que na sua diversidade e unidade formam por exemplo o granito que, bem polido, está em muitas bancadas de cozinha. Como sabem os geólogos, o arrefecimento tem de ser muito lento.

E com as comunidades migrantes a crescer, começam a aparecer também os seus restaurantes. Os seus lugares de culto. As suas formas diferentes de vestir e de estar. E num país que sempre fez gala de se dizer hospitaleiro, começam a crescer as tensões sociais e o racismo. Uma junção de culturas, tal como aconteceu ao passado, mas muitíssimo mais rápida, e mais intrusiva. Sem a máquina niveladora da religião obrigatória. A ocupar progressivamente um lugar na economia para o qual não há alternativa, porque está muito abaixo das expetativas dos nossos filhos. Que também são poucos porque são altas as expectativas que temos para eles.

No futuro talvez uma parte destes migrantes seja sazonal e nestes casos é exigível que quem os contrata no exterior assegure alojamento e condições de vida condignas. Noutros casos vêm para ficar. E pergunta-se: como pode alguém vindo de um mundo diferente tornar-se “mais português”? Que devemos fazer para que seja um bom cidadão, cosmopolita e aberto ao mundo. Que não tenha uma lealdade religiosa que se sobreponha à lealdade nacional. Que não se dissolvam os progressos sociais, económicos e culturais que nos trouxeram até aqui e que tornaram Portugal um país para onde se quer vir viver? E que considerem sua a “portugalidade”, e connosco se considerem cidadãos europeus e do mundo?

Adaptando, fora de contexto, um título de um grande livro de Valter Hugo Mãe, precisamos urgentemente de uma máquina de fazer portugueses.

Não sei de que peças é feita essa máquina, mas a primeira tem de ser o respeito. Respeito pela cultura de quem entra e respeito de quem entra pela cultura de quem está. Outra deve ser a língua, que é muito mais que um conjunto de fonemas, ortografia e de regras gramaticais, o que leva a que o aumento da ligação com os países de língua portuguesa seja importante, até porque a nossa língua já tem embebida uma parte da memória comum. Passa pela Escola, que é muito mais do que uma máquina de ensinar. Passa pela cultura, em todas as suas vertentes, que pode ser mais sofisticada como a filosofia clássica ou a grande música e outras formas de arte que desde há milénios nos construíram, ou mais prosaica e popular. Que inclua a síntese europeia da cultura mundial.

Passa pelo respeito da interação histórica entre a Europa e o cristianismo, que se moldaram um ao outro. Passa pela ciência e a tecnologia como formas de ler o mundo. Passa por não facilitar a tribalização, não admitir comportamentos violentos nos serviços públicos como a saúde ou a escola, e na rua. Compreender, mas agir depressa, e não fingir que se não vê.

Acabou o mês de junho, e com os arraiais ainda nos ouvidos, vem à memória que a criação de comunidade que precisamos rápida, passa também pelas festas populares. A Lisboa do futuro será diferente da de hoje, e ainda mais daquela que ecoa na memória da nossa infância e que o “conta-me como foi” consegue por vezes recriar. Tal como a Lisboa do ano em que nasci diferia em muito daquela que em quinhentos viu partir as naus para a aventura. Não desconheço que na segunda geração de migrantes os problemas se voltam a colocar, por vezes com mais dramatismo, e que a pertença é um sentimento que vive paredes meias com a recusa e a exclusão.

Quanto mais estranho nos for o modo de vida dos que se juntam, mais medo teremos de que desapareça a parte da memória a que chamamos lar. Ouçamos os compassos da marcha, trauteemos em conjunto, e talvez seja verdade que “Enquanto os bairros cantarem/enquanto houver arraiais/Enquanto houver Santo António/Lisboa não morre mais”. E será assim em todos os santos e em todas as cidades.

IMIGRAÇÃO     MUNDO     IMIGRANTES

COMENTÁRIOS( DE 16)

Ed 7: Na era da inteligência artificial, apostar em modelos caducos de mão-de-obra intensiva é uma cretinice e falta de honestidade. Os defensores desta tragédia - que constitui a perda de raízes e entrada não controlada de enormes contingentes de pessoas - não são capazes de parar o delírio em que andam e pensar por um momento que seja que esta situação tem muitas semelhanças com a a escravatura de há séculos atrás. Migrações feitas à força, com cobrança de somas avultadas pelas redes criminosas de passadores, financiadores e facilitadores. Sujeição a mecanismos de subserviência e semi-esclavagismo ou inclusive de esclavagismo, com sonegação de documentos de identificação. E mais um aspecto negativo e anacrónico. Como justificar o argumento falacioso de que são necessários a economia e segurança social - um muito esticado argumento- e depois ficam pelas ruas a engrossar os contingentes dos sem emprego. Tudo isto está absolutamente errado. Num país com uma homogeneidade histórica, cultural e sociológica que tem sido um factor comprovado para o seu sucesso como Estado estável e com um papel insubstituível no mundo, trazem-se as sementes do conflito social que já aflige outras sociedades. Em nome de quê? O socialismo globalista aliado a “filantropos” neo-marxistas é um veneno político, económico, social e humano letal.                 I G: A forma como este Assunto que é de suprema importância para um país, tem sido tratado em Portugal, é simplesmente deprimente. A imigração não tem que ser um instrumento de Assistência ao terceiro mundo. É sim um instrumento de política económica para servir as necessidades de um país. Se não for regulada e configurada com esse objectivo, pode tornar-se fracturante. Ou equivaler a uma invasão levando à formação futura de enclaves. Obviamente tem que ser justa e humanista em relação a quem já entrou. Mas requer uma política de integração justa também para os nacionais. Como se diz há muito na Europa, é um tema que pode fazer perder eleições. Infelizmente só há pouco tempo começa a ser questionada em Portugal. Também é certo que as comportas foram abertas há não muitos anos. Talvez o facto de tudo estar a acontecer muito mais rapidamente em Portugal permita reagir a tempo e evitar que nos tornemos numa França.             Carlos Chaves: Alguém nos perguntou se estávamos dispostos a receber ESTA imigração? Se calhar devíamos começar por aqui, quem são os artífices desta bomba relógio a que iremos assistir a rebentar? Porque é que o fizeram, e fazem, nas nossas costas? E os Portugueses “mais bem qualificados de sempre” que continuam a emigrar? Será que não estamos a assistir a uma substituição (nivelando por muito mais baixo) encapotada? Isto é um tema muitíssimo importante para o tratarmos cheio de boas intenções!  E já agora, Portugal não é só Lisboa e as grandes cidades, há muitas festas populares por este país fora, que nada têm a ver com as descritas pelo autor!                      Antonio C.: O assunto da imigração deveria ser prioridade. Todas as sociedades abertas e democrática estão a ser vítimas da “arma” da migrações ilegais. É fundamental pôr termo a este estado de coisas. Políticos a sério, precisam-se!              Maria Tubucci: Diz bem, que a 1ªpeça deve ser o respeito. Mas quem entra ilegalmente num país já não tem respeito pelos nativos da terra, é o mesmo que arrombar uma porta para se instalar numa casa que alguém construiu com muito esforço. Com uma imigração legal, controlada, que se integre, há respeito. Com uma imigração ilegal, invasão, sem regras nem controlo, quem vem do exterior quer impor as suas regras, a sua cultura, quer cometer crimes e ficar impune, se for apanhado acusa os nativos de racismo e xenofobia. Eu também não quero uma máquina de fazer portugueses como aquela que elites globalistas construíram, acreditam que os ratos quando parem numa cavalariça passam imediatamente a ser cavalos. Quero uma que respeite os povos e a sua cultura. Alguém já perguntou aos portugueses se querem o seu país invadido por islâmicos 900 anos depois de se terem livrado deles? Eles não evoluíram, estão na mesma, com os mesmos ideais de conquista e islamização, já sabemos os resultados. Ou eles ou nós, não há meio termo ...               bento guerra: Passámos à Lisboa de "quinhentos", então a da pimenta e da canela, agora a da mão de obra barata, que "vive por aí"e acampa nas campanhas de propaganda da esquerda bem instalada. Como no caso dos "retornados", não sabemos de nada...                 Lúcia Henriques > Ed 7: Cronista ingénuo ou de boa fé. Não nos livramos de perder território (França ) ou de ver tribunal islâmico (Inglaterra) para não falar de guetos que já temos.

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