domingo, 28 de julho de 2024

Uma teia diabólica


Para todos os efeitos, assustadora, segundo o alerta brilhante de Jaime Nogueira Pinto

Não vá o diabo tecê-las

Empurrado pela força das coisas, Biden dá lugar à entronização da sua Vice, que está a fazer o número da moderação e a contar com a demonização de Trump para ganhar em Novembro e “salvar a Democracia”

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 27 jul. 2024, 00:1725

Ao fim de uma chuva de apelos de altos quadros do Partido Democrata, de desanimadoras sondagens às bases do Partido e da debandada de alguns doadores, Joe Biden decidiu-se finalmente pela retirada “a bem da Nação”. Foi um gesto nobre, altruísta, lúcido e oportuno, tendo em conta que a esquerda do partido, ansiosa por entronizar Kamala Harris, se preparava para intimá-lo a sair à força e já sem contrapartidas.

Agora sim, podia enaltecer-se o elevado sentido de Estado que levara o Presidente a sair da corrida para “salvar a Democracia”. Agora sim, podiam a América, o mundo e o Partido Democrata demonstrar sentida gratidão pela vida de serviço à pátria de um excelente Presidente que tivera o infortúnio de ser acometido por “um mau dia” logo a 27 de Junho, no preciso momento em que enfrentava o Mau da Fita: o satânico, o diabólico, o demoníaco, o maligno Donald Trump.

Do auto vicentino ao filme B

É longa a crónica da representação do Diabo, deste Mal que agora tem em Donald Trump um dos seus mais famosos possessos designados.

Gil Vicente, que se ocupou da Terra e do Céu, ou melhor, da partida do Aquém para o Além, traçou os contornos de um Mafarrico que no Auto da Alma era metafórico e sisudo, mas que no Auto da Barca do Inferno, (1517), no Auto da Barca do Purgatório (1518) e no Auto da Barca da Glória (1519) assumia contornos mais histriónicos. O diabo vicentino das Barcas é um profundo conhecedor dos homens, alguém que os julga, acusa e a quem dá destino; sabe ou parece saber de tudo sobre os seus possíveis clientes, os mortos que vão chegando ao Cais das Almas. E é “populista” nos juízos: trata mal as elites – os condes e duques ou o onzeneiro, o agiota – mas vai safando os populares, como o lavrador. Compreende-se que Donald Trump o encarne, até pelo modo desbocado e chistoso de discursar (ele que, por uma vez, foi maçador no discurso de hora e meia na Convenção, talvez devido à “bullet for Democracy” que tinha acabado de levar – bala essa que já começou a ser hipoteticamente relegada para a “irrelevante” categoria de mero estilhaço).

Mas a presente representação do diabo que supostamente possui Donald Trump não é de auto vicentino: é mesmo de filme B. Em 12 de Outubro de 2020, três semanas antes da eleição que Biden ganhou, estreou-se com ampla distribuição um filme em que um Diabo, de nome Luther, convence Donald a apresentar-se à presidência dos Estados Unidos. A comédia, algo brejeira, é de Param Gill e chama-se The Bad President. O Diabo Luther (Eddie Griffin) encoraja Trump (Jeff Rector) a tornar-se Presidente para poder ter um fantoche ao seu serviço, ao serviço do Mal. Trump recusa quando sabe que tem de dar a alma em troca, mas o Diabo chantageia-o e ele acaba por entrar na corrida. O filme vale unicamente pelo que nos diz da banalizada demonização de Donald Trump.

Já em 2017 Dylan Skolnick e Adam Birnbaum tinham reposto oportunamente 1984, um filme de Michael Radford a partir do romance distópico de George Orwell, como parte da propaganda anti-Trump. Na campanha mediática sugeria-se que Trump era o Big feita de filhos dilectos da Razão e das Luzes, entre pelo caminho da demonização de Trump. Quem sabe não passe por aí uma jornada de conversão das Luzes à Luz? Quem sabe, por esta crença no Maligno de Mar-a-Lago, Brother. Do Presidente e dos seus instintos maléficos esperavam-se coisas horríveis – mas parece que Donald John não teve nem poder nem vontade para as levar por diante, e além de alguma rapidez e frenesim a despedir e a admitir colaboradores, ao estilo de The Aprentice, aguentou a Covid, conseguiu os Acordos de Abraão entre árabes e israelitas e não protagonizou ou promoveu guerras ou invasões.

Fé e populismo à esquerda

É curioso (e ocasião de alguma esperança) que a Esquerda mais radical – e com ela o Centrão, a direita da Esquerda e a esquerda da Direita –,não acabem alguns por crer no Senhor de todas as coisas (porque quem crê no Demónio acaba também por crer em Deus)? Quem sabe não estará a um passo da fé no são convívio do lobo e do cordeiro no apocalíptico paraíso último quem tem fé suficiente para desfraldar lado a lado a bandeira LGBT e a da Palestina?

O que é certo é que já lhes apareceu “Nossa Senhora” – sob a forma jovem (quando comparada com “Deus-Biden”) da Senhora Kamala Harris. Dizem que “como mulher negra e jovem vai atrair muito eleitorado jovem, feminino e afro-americano”. Ora semelhante assumpção (achar que os jovens, as mulheres e os afroamericanos votam por idade, género e cor, sem considerar a índole, as ideias e a política da candidata), para não ser considerada de um inqualificável neo-paternalismo, só pode ser também uma questão de fé.

Até aqui há um mês éramos uns poucos a chamar a atenção para a clara degenerescência de Joe Biden, com o grosso da opinião bem-pensante, Agora todos da América ao nosso doce rectângulo oeste europeu, a afiançar o bom estado do Presidente. ou quase todos parecem ter descoberto que afinal Joe já não está apto a enfrentar o Diabo (ou sequer um gaguejado último discurso de 12 minutos,exaustivamente ensaiado e telepontado a partir da Casa Branca). De resto, quanto ao Presidente, a única coisa que parece não ter expirado é o certificado para concluir com êxito o mandato, mediante prévio sacrifício pela “democracia americana em perigo” (desistindo da corrida e indicando para o substituir a primeira mulher afro-americana a ascender, pela sua mão, à vice-presidência – e agora a uma candidatura presidencial).

É então Kamala Harris que, sem perguntas nem estados de alma, devidamente lavada de cargos, encargos, antagonismos internos, radicalismos e incompetências danosas por uma massiva máquina de propaganda, vai montar o cavalo branco e defender o Bem, em nome de “we, the people”. Como que incentivada dólar a dólar por pequenos e médios contribuintes e já abençoada por Barak Obama, Kamala prepara-se para se impor pouco democraticamente como a única democrata na sala. Tudo a fim de impedir que um Trump cavaleiro negro, solitário agente do Mal, desprovido de razão e de razões, sintoma de coisa nenhuma, financiado exclusivamente por “tubarões” e acolitado pela horda de deploráveis que manipula para agir só por malvadez contra um sistema impoluto, vença nas urnas e “acabe com a Democracia”.

Entretanto JD Vance trouxe para a campanha republicana um pensamento político articulado e a renovação geracional de que as sondagens já davam conta. Ele que tinha sido um crítico radical de Trump viria a assumir uma atitude bem diferente depois do seu tempo de presidência. Até porque via a alternativa representada pelo inefável Joe Biden, um centrista que fora fazendo todas as cedências e fretes à Esquerda, o homem da vergonhosa retirada do Afeganistão; o Presidente que, empurrado pela força das coisas, acaba de dar lugar à entronização da sua Vice, que já está a fazer o número da moderação e a contar com a Demonização  de Donald Trump para ganhar em Novembro.

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COMENTÁRIOS (de 38)

Maria Nunes: Excelente. É patético o modo como a CS tenta endeusar KH.              Tim do A: Excelente crónica! Kamala Harris é a Nossa Senhora da nova religião Woke.                bento guerra: Ninguém dava por ela, um erro de casting, desde o princípio, uma tonta às gargalhadas. Agora, para a propaganda. anti-Trump, passou a candidata ideal. A CS não tem credibilidade                unknown unknown: Bem humorado, parece que perante a massiva lavagem cerebral dos media e demais comentariado, só resta mesmo manter uma postura bem humorada! Haja paciência, porque esta gente está tão instalada no poder que dificilmente sairá!               Fernando CE: Verdades. Como se espera sempre, um bom texto.                    Paulo Almeida: Muito bom. De facto a desumanização da pessoa Trump é em si, um acto anti-democrático, pois não aceita como igual a pessoa como adversário. Não aceitar a política é normal, mas a pessoa em si é de uma mediocridade notável. É a prova de quem não tem argumentos políticos para combater os outros argumentos políticos do adversário. Então optam por atacar a pessoa. Como se viu pela forma leviana como trataram o atentado à vida do Trump. É uma pessoa com ideias políticas, em que cerca de metade dos americanos se revêem. Se fosse um diabo que iria destruir a democracia, quer dizer que cerca de 80 ou mais milhões de pessoas que deverão votar nele também o acham? Então temos 80 milhões de pessoas que não querem uma democracia livre e limpa? E onde está o racismo do homem? Tem imensos apoiantes negros, hispânicos, indianos, etc. São esses também racistas? E os 80 milhões também o são ou então não se importam que ele seja? E o facto de que após o seu primeiro mandato, mais pretos e hispânicos votaram nele? É ver os números. Aliás o acto de achar-se que a Kamala irá atrair votos de pretos ou mulheres é em si racista. Se alguém vota noutra pessoa e o critério da raça é dos mais importantes então isso é obviamente racista, pois sempre que a raça conta para uma decisão é racismo. O racismo não está onde nos dizem para olhar, está em quem usa a raça para subir na vida, explorando as minorias de raças não brancas. A Critical Race Theory não é nova e é aplicada com frequência, pelos fracos que não sabem ganhar sozinhos.                 Joaquim Almeida: Excelente. Kamala é a mais recente esperança neo-marxista de um Partido Democrata que, de há uns vinte anos para cá, vem abandonando a sua social-democracia e lendo o programa (extenso) do Partido Comunista U. S. A.               Hatagani Hatagani: Depois do guião do filme com De Niro: "Manobras na Casa Branca" ou "Wag the Dog", em que Biden de um momento para o outro é doente de Parkinson e Doença dos Corpos de Lewi, forma de doenças degenerativas e demência conhecida pelos médicos que seguiam Biden, este é obrigado a desistir sob ameaça, de concorrer e até de governar, nem se sabe onde anda, afinal ainda é o Presidente dos USA, mas Kamala já fala e já se assume como se fosse Presidente e não VP, um Golpe de Estado, é o que é! Passam à fase seguinte, depois de De Niro &Cia a gritar nas ruas de NY como louco, com o ódio obsessivo a Trump, a bem dos camaradas da morte de Hollywood provocadas pelos woke. A fase seguinte é a continuação da limpeza da face de Kamala que não é afro-descendente, mas filha de indiana e jamaicano, sem filhos, coisa nova se for eleita, mulher e sem família conservadora, uma verdadeira pérola do Estado falhado da Califórnia para o qual como PG do Estado, depois senadora, defendeu tudo o que os woke defendem. Claro que os media mainsteam que apoiam a situação de um novo fantoche como Presidente, para o 4º mandato do grupo cuja face mais visível é Obama. Controlado o DOJ, o FBI, NSA e os militares a ver vamos, ficam os USA numa situação de continuidade da desgraça socialista Woke e a Europa que se cuide, esse jogo também por cá na UE, foi feito desde a eleição de von der Leyen. Jorge Tavares: Num país vergonhosamente colonizado por facciosos de esquerda, esquerda radical e extrema-esquerda, todos sem vergonha na cara, é refrescante ler a opinião facciosa de alguém da direita radical e nacionalista.               João Floriano: Esta última referência a uma Kamala em processo de moderação fez-me lembrar o caso português de Pedro Nuno Santos que também se apresentou ao eleitorado a 10 de março como o cavaleiro da moderação, quando até ali tinha sido um combativo enfant terrible, jovem turco de esquerda, mais extrema por sinal. E lembrei-me também de como António Costa tentou impingir a sua Kamala Harris que no caso socialista se chama Mário Centeno. Mas as coincidências por aqui se ficam porque Biden vai gozar a sua reforma dourada e António Costa vai ganhar o seu ordenado dourado. O Partido Democrata passou um atestado de menoridade intelectual aos seus potenciais eleitores, porque apresenta uma candidata de forma completamente inédita, até agora e espera que caiam todos no encanto de uma mulher de 60 anos, woke, radical q.b. ( ou não estaria  a fazer um curso acelerado de moderação), uma americana afro- asiática, que com um bocadinho de sorte ainda se descobre que tem sangue inuite e assim cobre a maioria dos continentes da Terra com  a grande vantagem de não ser conspurcada pela culpa do homem branco europeu, alguém de quem se tornou obrigatório desconfiar pelas suas conhecidas malévolas intenções. Kamala apesar de muito mais nova do que Trump está toda trabalhada no botox e tem no rosto e no pescoço um reboco de base e compacto (nome moderno para pó de arroz do tempo das nossas avós) e generosas pestanas postiças que fazem lembrar um travesti a cantar Gloria Gaynor e I will survive.  Muita água vai correr por baixo das pontes para ambos os candidatos, muitas ainda serão as surpresas. Pelo andar da carruagem e o interesse em escarafunchar o balázio ou apenas estilhaços na orelha trumpista, ainda se chega à conclusão que Crooks usou apenas um tubinho por onde soprou uns caroços de cereja que tranformaram Trump de Man of the Year em Man of the Ear. Um dia a História vai conseguir avaliar a verdadeira importância de Crooks na eleição do 47º Presidente americano.                        Maria Emília Santos Santos: Muito engraçada esta crónica! Os inúmeros adjectivos com que a esquerda classifica Trump para ver se o povo acredita e vota nela, revelam bem o caráter de Kamala! Trump considera que foi um milagre da SS Virgem de Fátima, que o salvou da morte por aquela bala! Realmente, tudo estava a postos para que a bala entrasse mesmo, pois até parece que o rapaz tinha o lugar reservado para o comício, em cima do telhado a 130m de distância! Porque não morreu Trump, se tudo estava organizado e pensado ao milímetro? Pois, essa é a pergunta a que ninguém sabe responder! Então, como o fator sorte não existe para crentes em Jesus Cristo, mas apenas a Providência Divina, então dizia eu, vamos continuar a ter uma Mão providencial a proteger Trump! Ou seja: A Providência Divina prefere Trump na presidência dos EUA do que Kamala ou outro qualquer! Assim sendo, é porque o diabo é Kamala e não Trump.       Joseluis Salema: Simplesmente brilhante a explanação do imbróglio americano. Mais uma vez, obrigado Jaime Nogueira Pinto!                      José Roque: JDVance "pensamento político articulado"? Passa de crítico feroz de Trump para atento, venerador e obrigado. Onde está o pensamento político?           fonseca 07: Vejamos e o vencedor é... será que é possível perderem os dois candidatos? Com efeito entre os dois venha o outro que escolha. Faz-me lembrar o Brasil com dois candidatos brilhantes, dois grandes e ricos países onde não foi possível encontrar melhor alternativa.                     Maria Soares: Brilhante! Obrigada.

 

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