A enovelar-se no centro. Ou a partir daí…
Mas Orbán tem defensores. E também limitações, que se prestam a cedências…
Inspiração em Trump, hesitações sobre
Ucrânia e imigração na agenda. Como será a presidência de Orbán, o
"provocador-chefe", na UE?
Escolheu o lema de Trump porque acha a
política europeia "cinzenta" e irrita a UE por bloqueios à Ucrânia.
Orbán quer a imigração no centro da agenda da presidência húngara da UE, que
começa agora. Inspiração em Trump, hesitações sobre Ucrânia e imigração na
agenda. Como será a presidência de Orbán, o "provocador-chefe", na UE?
MARIANA LIMA CUNHA: Texto
OBSERVADOR, 402 jul. 2024, 22:007
“Apertem os vossos cintos para a primeira
presidência da UE inspirada em Donald Trump”. A frase, que abre este texto do
Politico, resume de forma eficaz o suspense que reina na Europa
à volta do lugar de destaque que o Governo húngaro, liderado pelo quarto
mandato consecutivo pelo polémico e divisivo Viktor Orbán, vai assumir nos
próximos seis meses. Descrito como o “provocador em série” ou o “provocador-chefe”, líder dos
“iliberais”, que leva a Europa a “suster a sua respiração”, Orbán terá em mãos um papel que é, em
grande parte, diplomático e simbólico, numa fase em que as instituições
europeias não terão grande actividade legislativa — mas, mesmo assim, não
faltam responsáveis europeus que temem que o seu turno à frente da UE traga
retrocessos ou novos bloqueios à agenda do velho continente.
A apresentação da presidência húngara da UE, que começou
oficialmente esta segunda-feira, não ajudou a acalmar esses medos. Perante os
rumores de que Orbán, aliado de Donald Trump, iria escolher como lema da sua
presidência Make Europe
Great Again, ou Tornar a
Europa Grande Outra Vez (uma imitação do lema MAGA, aplicado aos
Estados Unidos, marca da presidência Trump), o jornalista de investigação
húngaro Szabolcs Panyi escrevia na
rede social X que “a
ideia soava tão fraca e ridícula que nos abstivemos de a noticiar”.
Como Panyi também reconhece, quem
se absteve de dar a notícia errou: o lema inspirado em Trump foi mesmo para a frente, ao lado de um cubo
Rubik (uma invenção húngara) que serve de logótipo e das promessas
de “intermediação honesta”, numa presidência “normal”, deixadas pelo
representante da Hungria junto da UE, Balint Odor. E, depois de anos de bloqueios de
legislação e decisões europeias — incluindo em pacotes de ajuda destinados à Ucrânia,
o que tem levado à exasperação responsáveis em vários países — Orbán inaugurou
a sua presidência com uma surpreendente visita a Kiev, onde apertou a mão
de Volodymyr Zelensky e pediu um cessar-fogo.
A Ucrânia terá necessariamente de
constar da ementa desta presidência da UE, mas não é o único tema, nem o único
passível de gerar polémica. A própria Hungria, que vai organizar uma “missa pela
Europa” numa catedral em Bruxelas (um
sinal dos valores conservadores defendidos por Orbán), anunciou
desde logo que colocará na agenda temas como um maior controlo nas fronteiras externas
da UE (“trabalhando de
perto com os países de origem e de trânsito”, escrevia Orbán esta semana num artigo de
opinião publicado no Financial Times), uma redução da imigração ilegal ou a promoção de uma política de
agricultura orientada para os agricultores (a Europa tem-se focado nos
seus objectivos “ideológicos”, no contexto da transição verde, e esquecido o
lado da indústria, criticava no mesmo artigo).
São, assim, variados os temas que Orbán
quer tocar nestes seis meses, mesmo que o seu historial de bloqueio a
decisões europeias e o lema escolhido para a sua presidência façam levantar
sobrolhos em Bruxelas. O húngaro prometia, no mesmo artigo de
opinião, levar a cabo uma “presidência excepcionalmente activa”, pondo de lado
“disputas ideológicas” e dando “o tiro de partida no motor da Europa”. Mas não sem antes deixar mais uma provocação: “Vamos tornar a
Europa competitiva outra vez”, remata o texto.
Visto como pró-Putin, Orbán foi a
Kiev pedir cessar-fogo
A visita de Órban a Kiev, logo no dia em que a Hungria assumiu a
presidência da UE, não seria a mais previsível. Afinal, Orbán tem bloqueado vários pacotes de ajuda destinados à
Ucrânia e permitiu a custo que as negociações para o alargamento da UE
avançassem saindo da sala do Conselho Europeu, para que a decisão pudesse
ser tomada de forma unânime (e ainda assim esclareceu que considerava o
alargamento uma “má” ideia, tendo em conta também os interesses nacionais da
Hungria, dos fundos da coesão ao efeito que a entrada ucraniana teria no
negócio para os seus agricultores).
Ao mesmo tempo, Orbán é visto como o aliado mais próximo da Rússia na UE: ainda no ano passado esteve com Vladimir Putin em Pequim e
disse ao Presidente russo, segundo a televisão estatal da Rússia, que a Hungria“nunca quis confrontar o país” e
sempre desejou “expandir contactos”. E, como a BBC contava num texto em que se
propunha explicar “o que tem a Hungria contra a Ucrânia” em meados
de dezembro de 2023, notava-se que “enquanto
outros líderes europeus fazem fila na cimeira de Bruxelas [do Conselho Europeu]
para tirar fotografias com o líder ucraniano, Orbán afasta-se”.
Nessa
altura, Zelensky chegou a ser apanhado numa conversa tensa com Orbán, durante a
qual, contaria depois, perguntou ao húngaro as razões pelas quais planearia
bloquear a entrada da Ucrânia na UE.
▲ Orbán costuma afastar-se das
fotos com Zelensky, conta a BBC. Desta vez, voou até Kiev GLOBAL IMAGES UKRAINE
VIA GETTY
Os meses passaram e Orbán
voou mesmo até à Ucrânia, onde tirou a
esperada fotografia com Zelensky, já no papel de líder do país que preside à UE.
Foi a primeira vez em 12 anos que visitou Kiev e a visita acabou com o líder
húngaro a pedir ao ucraniano para considerar
um cessar-fogo,“invertendo a ordem” para “acelerar as conversações de paz”.
“Explorei esta possibilidade com o Presidente e estou grato pelas suas
respostas honestas e pela sua negociação”, referiu Orbán, citado pelo Kyiv
Independent.
Na
publicação com que rematou a visita, Zelenky falou de “questões fundamentais
das relações de vizinhança” que foram discutidas no encontro e que poderão
fazer parte de um novo “documento bilateral” entre os dois países — comércio,
cooperação transfronteiriça, infra-estruturas e questões energéticas, além da
“esfera humanitária” — ainda que nada de específico sobre um cessar-fogo.
Feita a primeira visita, Orbán prometeu entregar “imediatamente” as
suas conclusões ao Conselho Europeu. Resta saber se a conversa com Zelensky
terá alguma consequência prática e se as posições da Hungria no quadro europeu
serão objecto de alguma mudança. “Cerca de 40% de todas as decisões da UE sobre a
Ucrânia são bloqueadas pela Hungria”, queixava-se um “exasperado” Gabrielius Landsbergis,
ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia, em maio, segundo o relato que a France24 fazia depois de Orbán ter bloqueado um pacote de 6,6
mil milhões de euros que incluía ajuda militar. “Tenho
de me acalmar quando falo deste assunto, porque o que está a acontecer é
ridículo”, irritava-se um diplomata europeu “sénior” em conversa com o Politico.
Ao mesmo jornal, vários diplomatas europeus confessavam que uma “operação
de influência russa via Hungria” será uma “preocupação chave” durante a
presidência de Orbán.
O “jantar” europeu que Orbán vai organizar (com férias
pelo meio)
O bloqueio às posições da UE
sobre a Ucrânia é uma das causas da irritação ou “exasperação” de outros
responsáveis europeus com a Hungria, mas não é a única. Outro dos problemas tem a ver com o
reembolso parcial das armas enviadas por outros países europeus à Ucrânia, que
também tem sido bloqueado pelo país de Orbán. E depois existem, há anos, as
questões detectadas no respeito da Hungria pelo Estado de Direito — que já
levou a UE a suspender os fundos entregues ao país no contexto dos fundos de
coesão (no caso, um pacote de dez mil milhões de euros), até decidir
entregar-lhos apenas no início deste ano.
Nessa altura, o Comissário Europeu para
a Justiça, Didier Reynders veio assegurar que a UE tinha “recebido garantias
suficientes de que o poder judiciário será fortalecido na Hungria”, como
citou a Euronews. Mas isto não se
traduzia, garantia, num cheque em branco: “A decisão tomada hoje não é o
fim do processo. Vamos continuar a monitorizar cuidadosamente a situação e
reagir no caso de haver retrocessos”, avisou.
ANADOLU VIA GETTY IMAGES
No
Parlamento Europeu, foram-se tornando evidentes as hesitações e
reservas quanto às
posições húngaras: os eurodeputados chegaram a defender que o país podia
não ter condições para assumir as rédeas de uma presidência europeia ou até que
devia deixar de ter direito ao voto no Conselho Europeu — mas sem sucesso.
Quando
à presidência em si, e como diz o próprio site do Conselho Europeu, “este papel
já foi comparado ao que alguém faz quando é anfitrião de um jantar, garantindo
que todos os seus convidados convivem em harmonia — com capacidade para
expressarem as suas diferenças durante a refeição, mas saindo com um bom
ambiente e um propósito comum”.
Não é exactamente consensual a ideia de que Orbán se ficará pelo
papel de mero anfitrião, especialmente
quando promete uma presidência “excepcionalmente activa” e recheada de temas
quentes. Mas, como vários analistas internacionais apontam, o
calendário pode funcionar a seu desfavor: com as férias de verão a
meterem-se pelo meio e os ocupantes dos novos cargos de Bruxelas a tomarem posse entretanto, os próximos
meses não terão espaço para grande actividade legislativa concreta a nível
europeu.
“A União Europeia está numa
fase de transição. Entre as escolhas para a Comissão Europeia e o Parlamento
Europeu, nada de significativo deverá acontecer até dezembro. Na verdade, esta
presidência, que algumas pessoas temem, chega num momento bastante oportuno,
que limitará as oportunidades para Viktor Orbán causar problemas”, diz à France24 a
presidente da Fundação Robert Schumann, Pascale Joannin. O que não significa
que não possa acelerar a actividade legislativa na Hungria, incluindo para
“consolidar” um regime mais “autocrático”, alertam outros
especialistas, citados pelo The Guardian.
Do
lado da Hungria, para já, as promessas estão feitas: “Estamos conscientes de
que seremos observados de forma muito atenta para ver se cooperaremos
sinceramente com os estados-membros e se seremos intermediários honestos. Isto
será muito escrutinado, e os critérios serão talvez ainda mais altos para a
Hungria do que para outras presidências”, reconheceu o ministro para os
Assuntos Europeus húngaro János Bóka, em declarações ao Politico.
Trump e Xi, os amigos de Orbán que
irritam Bruxelas
As relações externas da Hungria que são vistas como problemáticas
vão além da amizade com a Rússia, que o governo húngaro diz não passar de um acto
de “pragmatismo”. Basta olhar, por um lado, para as hashtags do lema
#MEGA — #MAGA, no original criado pelo movimento de apoio a Donald Trump — e para a relação entre Orbán e Donald
Trump, que torna uma incógnita o que fará a Hungria (que nessa
altura ainda terá a presidência da UE) na sequência das eleições
norte-americanas, em novembro. “O
estilo e a linguagem da política no continente europeu estão a tornar-se cada
vez mais cinzentos“, explicou Orbán ao jornal alemão Berliner Morgenpost.
“Precisamos de pessoas que abanem o sistema, que venham de fora”.
De resto, Orbán já
declarou o seu apoio a Trump nesta sua recandidatura e tem
planos para organizar um Conselho Europeu informal em Budapeste, capital
da Hungria, após as eleições norte-americanas — com a imprensa húngara a escrever
que Orbán gostaria de garantir a presença de Trump, nem que fosse através de um
vídeo gravado com antecedência.
Como a CNN contava
aqui, Trump
chegou mesmo a receber Orbán na sua casa em Mar-a-Lago, em março, defendendo que “não há ninguém
melhor, mais inteligente ou melhor a liderar do que Viktor Orbán. Ele é
fantástico”. Quando declarou o seu apoio a Trump, numa
conferência em maio, em Budapeste, o húngaro devolveu os elogios e usou o lema
que depois adoptaria para a Europa: “Make America great again, make Europe
great again!”.
▲
Orbán e Trump na Casa Branca, em 2022 GETTY IMAGES
As relações com a China também
levantam preocupações na Europa. Como
o Politico recordava neste texto
sobre o flirt entre Hungria e China,
numa visita em maio, o Presidente chinês, Xi Jinping, descrevia a relação entre
os dois países como sendo “tão madura e rica como o vinho Tokaji”. A
aliança não se ficou por palavras, com investimento directo chinês a no valor
de 16 mil milhões de euros a entrar na Hungria (a fábrica de carros chinesa BYD entrou no país, apesar de estar a ser
alvo de uma investigação europeia sobre o recurso a subsídios ilegais).
Ao Politico, Bóka defendeu que existe “a
possibilidade de uma parceria significativamente e mutuamente benéfica, ao
nível económico, com a China”. “Acredito que este será o maior desafio do próximo
ciclo institucional”, defendeu o ministro. Tudo enquanto a Comissão Europeia
tenta, em articulação com os Estados Unidos e o Japão, distanciar-se e ganhar
autonomia em relação a cadeias de abastecimento que passem pela China.
Para
o ministro húngaro, no entanto, o conceito de “segurança económica” generalizada não existe: “Se há
riscos para a nossa segurança, devem ser especificamente identificados e
combatidos”. O discurso que a Comissão Europeia tem adoptado, no
sentido de garantir cada vez mais a soberania, a segurança e a independência
económica da UE, pode assim ficar em risco, pelo menos de um adiamento, por uns
meses.
Posição dura na imigração (com
“relaxamento” dentro de portas)
É possível encontrar um paradoxo entre
as promessas de Orbán para estes seis meses. Por um lado, o Governo
húngaro tem endurecido o seu discurso relativamente à imigração, e colocou o
assunto no centro das suas prioridades — Orbán diz querer “combater a
imigração ilegal trabalhando de perto com os países de origem e de trânsito,
enfatizando a importância de proteger as fronteiras externas e a necessidade de
haver fundos europeus para este propósito”.
Por outro lado, nota o
Politico, um dos assuntos que mais interessam a
Budapeste — que desde 2015 até organiza uma conferência anual sobre o assunto —
é a demografia, numa altura em que vê
a sua população a cair ou a emigrar para outros países europeus (e,
consequentemente, alguma escassez de mão de obra). Por isso, escreve o jornal,
o governo “escolheu colocar o pragmatismo acima da sua ideologia céptica em
relação à imigração”.
Ou seja, uma vez que as medidas que o
governo implementou na última década para tentar aumentar a natalidade — com
benefícios fiscais para os pais ou subsídios para comprarem casa — não estão a
impedir a queda desses números, prevendo-se que a população húngara caia dos
actuais 9,6 milhões para 8,5 milhões em 2050, o governo tem passado medidas que abrem as portas de forma
temporária a imigrantes, como uma lei que permite a trabalhadores de 15 países
fora da Europa ficarem no país por um período de até três anos.
As fábricas chinesas instaladas no país
também explicam este “relaxamento” nas regras, diz o
Politico, uma vez que a Hungria precisa urgentemente de mão-de-obra. Ainda
assim, as entradas são limitadas —
65 mil imigrantes por ano — e não se aplicam a todos os países, nem é permitido
aos trabalhadores “convidados” por tempo limitado trazer o resto da família.
A família europeia que pode trazer
mais influência a Orbán
Tudo isto acontecerá ao mesmo tempo que
Orbán batalha noutra frente europeia: a fundação de uma nova família
política, os Patriotas pela Europa, que
lançou ao lado dos partidos irmãos da Áustria e da Rep. Checa, com o objectivo
de ser “o grupo de direita mais forte na política europeia”. O grupo diz querer aplicar “a vontade dos
eleitores” — que passará, diz Orbán, por “paz, ordem e desenvolvimento”, e não pelos objectivos da “elite de Bruxelas (“guerra”, “migrações” e “estagnação”).
Em
Portugal, o Chega foi convidado a aderir ao
grupo — André Ventura disse ver
com “bons olhos” a iniciativa, numa lógica de “combate ao socialismo”, e
prometeu discuti-la nos órgãos do partido e anunciar depois a sua decisão. Se
crescer da forma que Orbán pretende, o Patriotas pela Europa pode
tornar-se uma família de peso europeia — o que, a somar à presidência da UE,
poderia emprestar ao Governo húngaro uma maior influência, temida por muitos
responsáveis em Bruxelas.
UNIÃO EUROPEIA EUROPA MUNDO HUNGRIA
COMENTÁRIOS (de 6)
servus inutilis: uma missa é um exemplo de
'valores conservadores'??? é preciso ser muito retardado para escrever isto Português de bem: A escumalha da imprensa
(alguma dela, a maioria) já vai começar com o nojo do costume. Provocador? Na
UE querem é paus-mandados em lambe-botistas, súbditos e submissos. Carrega
neles, Orbán.
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