sábado, 27 de julho de 2024

Os papéis


Eu não fazia ideia de ser dona de uma empresa de papéis, embora habituada também a andar a eles, como parte das minhas competências, pelo que não estranho que o mesmo suceda ao Estado, que anda sempre a eles, aos papéis de lá de fora, mas para os distribuir por nós, os que habitamos cá dentro. Que papéis há muitos, mesmo mais que os chapéus, e com empresas próprias, por vezes, é certo, falidas, por cá, pelo menos.

O Estado português andava aos papéis na Alemanha

Nada é tão estratégico e inclusivo como uma boa economia. Essa deveria ser a prioridade dos governantes: criar uma boa economia em Portugal, e não gerir a herança de uma revolução do século passado.

RUI RAMOS, Colunista do OBSERVADOR

OBSERVADOR, 26 jul. 2024, 00:2262

Já sabe que faliu uma das suas empresas? Sim, sua. Aliás, também era minha. Foi a Inapa. Não sabíamos, mas era de todos nós. Pertence, 45 % dela, à Parpública, a sociedade que gere os activos do Estado.Distribuía papel” na Alemanha. Eis uma das marotices a que o nosso Estado se dedica quando não estamos a olhar. Era uma herança das nacionalizações de 1975, como aquelas chávenas que sobrevivem do serviço de chá de uma avó. Passaram cinquenta anos, duas revisões constitucionais, décadas de privatizações, mas o saco de cascalho que a revolução nos deixou ainda não está vazio. Já agora: em 1975, constou que até barbearias tinham sido nacionalizadas. Talvez valha a pena o leitor confirmar com o seu barbeiro se não é o Estado que lhe corta o cabelo.

A falência foi simples, como todas as falências. A empresa endividou-se. Precisou de dinheiro. Ninguém lhe emprestou. Pediu ao Estado, o maior accionista. Não seria a primeira vez que os nossos impostos entravam na empresa. Desta vez, o governo decidiu que não. O ministro das Finanças Joaquim Miranda Sarmento fez muito bem em confirmar o parecer da Parpública. O ministro da Economia Pedro Reis esteve certíssimo quando explicou que era sua obrigação “proteger o dinheiro dos contribuintes”. Reclamam PCP e BE: perderam-se 200 postos de trabalho. Sim, mas não foi agora: foi quando a empresa deixou de ser viável. Mantê-los agora à custa do dinheiro de todos, só para evitar o desemprego, não era conservar postos de trabalho, mas criar rendas. Não é racional nem justo.

Também o governo anterior terá hesitado em fazer da Inapa outra Efacec ou uma TAP mais pequena. Não a achou uma “empresa estratégica”. Todo o contribuinte português devia sacar de uma pistola imaginária sempre que ouvisse a expressão “empresa estratégica”. No dicionário secreto da política portuguesa, uma “empresa estratégica” é uma empresa inviável, que custa ou vai custar um ror de dinheiro aos contribuintes, mas a que estão ligados demasiados interesses corporativos e políticos para que os governos tenham coragem de pôr termo ao desperdício. Porque insistem? Porque o Estado, no folclore primitivo da nossa política, é um fetiche que pode tudo: salvar empresas, ou mudar a sociedade. Para os mais crédulos, só o Estado sabe de “estratégia”, só o Estado produz “inclusão”. Mas é como no feiticeiro de Oz: por detrás da cortina pomposa, o Estado são os políticos, e os políticos fazem constantemente más apostas, e criam mais vezes dependências viciosas e estigmatizantes do que verdadeira inclusão.

Qual a alternativa? O mercado. Sim, já sei que todos fomos ensinados desde pequeninos a ter muito medo do mercado, ainda mais do que das correntes de ar. Mas o “mercado” é a interacção entre nós todos. É verdade: nem todos somos óptimos ou bem-intencionados, mas por sermos muitos e diferentes, e a actuar em público, não prevalece tão facilmente o que só parece boa ideia a um ou apenas serve o interesse de dois ou três, como nos gabinetes do Estado. O mercado é como a democracia na política: é o pior meio de gerir uma economia, à excepção de todos os outros. Quando a interacção é livre e aberta, sem posições dominantes ou constrangimentos nocivos, é o modo mais eficaz de suscitar boas ideias e de as realizar. É também a maneira mais efectiva e sustentável de gerar as remunerações e a independência sem as quais não há inclusão social. Nada é tão estratégico e tão inclusivo como uma boa economia. Era essa que deveria ser a prioridade dos governantes: criar em Portugal uma boa economia, e não continuar a gerir os restos da herança de uma revolução do século passado.

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COMENTÁRIOS (de 62)

José B Dias: Nem mais!                  João Floriano: Excelente crónica. Igualmente muito acertada e sensata a decisão do governo e espera-se que não haja nenhuma carta escondida na manga e que seja mesmo assim. Não há ajudas com dinheiro dos contribuintes, que já pagam demasiado para elefantes moribundos com a TAP à cabeça. A última frase do artigo é extremamente eloquente: é precisamente isso que os governos de esquerda têm feito desde há 50 anos  a esta parte: fazer-nos arrastar um saco cheio do entulho que lá tem sido amontoado sem coragem para nos livrarmos dele. Os contribuintes vão pagando e o peso do entulho vai-nos cada vez mais empurrando para a cauda  da UE e até da Europa. Não me admira nada que tenha havido algures na planície alentejana barbearias  nacionalizadas à semelhança das herdades e explorações pecuárias que o comunistas tomaram para si e que foram experiências falhadas porque quando se acabaram os porcos e as ovelhas, acabou-se a festa e ninguém quis continuar a cavar, desta vez não para os latifundiários mas para o partido. No caso das barbearias não deve ter sido muito diferente. quando desapareceram as tesouras e as navalhas de barbear, fechou-se o estaminé.             Cupid Stunt: Bravo! Simples e directo.      Francisco Ramos: Mas o pior é que ainda sobram 249 INAPAS.......                   Pobre Portugal: Esta é a verdade nua e crua: tudo o que é estatal dá prejuízo e serve mal as pessoas. Tudo o que é privado dá lucro e serve bem as pessoas. Agora é aplicar este princípio à Saúde, Transportes, a tudo.                 João Floriano > Fernando Matos: Concordo integralmente com o seu comentário. Mas há que distinguir entre TRABALHO e EMPREGO. Aparentemente Trabalho há muito mas Emprego e do bom, daquele em que não se faz nada mas o ordenado está garantido no final do mês, isso é que parece que há menos e sujeito  a cartão partidário e padrinhos influentes.               Filipe Paes de Vasconcellos: Mas as sumidades, os políticos, que tomaram as tais decisões “estratégicas “ em nosso nome, deveriam ser conhecidas. Por exemplo, eu ao ler o seu artigo fiquei sem saber quem foram as “bestas” (nomes e fotografias) que provocaram este rombo no nosso dinheirinho, e seria muito importante, pedagógico e responsabilizante conhecê-los.           Alexandre Areias: O extraordinário mesmo é, em pleno século XXI, a “crendice” e deslumbramento de tantos em Portugal com um Estado que tudo pode e tudo sabe e que, como bem diz o RRamos, por detrás da cortina, não é mais do que políticos de carreira, a grande maioria deles sem qualquer qualificação ou experiência para gerir um condomínio, quanto mais o dinheiro de todos nós. Mas eles lá estarão ungidos duma qualquer poção divina que os leva a ver mais e melhor que o comum dos mortais, daí que eles saibam melhor que nós o que nós próprios precisamos e possam, tal qual super-heróis, gerir com sucesso inequívoco qualquer Inapa deste mundo                   drumond freitas: Concordo! Excelente artigo! Será que no Orçamento de Estado estão listadas todas as Inapas deste país? E todas as fundações que os portugueses suportam? Era interessante saber. Os nossos jornalistas poderiam fazer um caderno anexo ao seu jornal com este tipo de informação.              Tomazz Man: Como se atreve, Rui Ramos?! Tudo que é Estado, é bom!            Fernando Matos: Estamos num tempo em que ameaçar com o desemprego aos trabalhadores que perdem o emprego, é uma falácia, todos os sectores têm falta de mão-de-obra. TODOS!            João Diogo: Excelente crónica , mais uma , para os comunistas e tralha bloquista, tudo para eles é estratégico, se for o dinheiro dos contribuintes a andar na frente , onde é que uma empresa que vende papel é estratégica, só na mente da economista Mariana Mortágua e desse cérebro do Paulo Raimundo.               Hugo C: Talvez seja a oportunidade de listar a totalidade das empresas detidas directa ou indirectamente pelo Estado em mais de 2% do capital, e respetivos indicadores base, por exemplo: Capital Social, % de participação, empréstimos do Estado ou garantidos pelo Estado, Retorno sobre o Investimento, nº de colaboradores nacionais, rácio de colaboradores directos e indirectos, % de facturação nacional e europeia. Tenho suspeitas que os 200 trabalhadores nacionais grande maioria usem colarinho branco em vez de bata azul. E até fantasio que uma parte deles tenham cartão de partido. Mas isso já pode ser a minha mente criativa dado que a última vez que vi a INAPA em algum sítio foi num jogo de tabuleiro da Bolsa, daqueles com cartas e dados no início da década de 80.                 Tim do A: Muito bem. Agora vendam ou dêem a TAP que essa é bem mais prejudicial.             vitor gonçalves > Pobre Portugal: Pobre Portugal ! Nem tudo. Experimente ter uma doença oncológica e ir ao privado. Ao fim de 30 dias, esgotado o plafond do seguro, recebe ordem de marcha para casa sem apelo nem agravo; e aí só o IPO lhe vale. Mas compreendo o que quis dizer e concordo .Não é , no entanto uma verdade absoluta.          José B Dias > Fernando Matos: Mas parece que só têm falta de mão-de-obra vinda de paragens distantes ...                Nuno Abreu: Incisivo, directo, chegando mesmo ao trágico cómico. Muito obrigado. Segundo a história muitas das nacionalizações do pós 25 de Abril serviram para enricar o PCP. Mas agora, segundo eles, os comunas, estando  o PCP em processo de falência técnica, deveria ser nacionalizado e os ordenados dos suas centenas de funcionários pagos pelo Estado. Por quanto tempo teremos no Parlamento partidos pregando ideologias criminosas e caquéticas!?                 Maria Emília Santos Santos: Plenamente de acordo! Só o título já diz tudo, mas infelizmente, não é isso que os políticos do poder pretendem! Eles querem estar no poder para porem em prática a maior corrupção já vista na nossa história! Socialistas? Fora com essa seita destruidora da economia!

 

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