Eu não fazia ideia de ser dona de uma empresa de papéis, embora
habituada também a andar a eles, como parte das minhas competências, pelo que não
estranho que o mesmo suceda ao Estado, que anda sempre a eles, aos papéis de lá
de fora, mas para os distribuir por nós, os que habitamos cá dentro. Que papéis
há muitos, mesmo mais que os chapéus, e com empresas próprias, por vezes, é
certo, falidas, por cá, pelo menos.
O Estado português andava aos papéis na Alemanha
Nada é tão estratégico e inclusivo como uma boa economia. Essa
deveria ser a prioridade dos governantes: criar uma boa economia em Portugal, e
não gerir a herança de uma revolução do século passado.
RUI RAMOS, Colunista do
OBSERVADOR
OBSERVADOR, 26 jul. 2024, 00:2262
Já sabe que faliu uma das suas empresas? Sim, sua. Aliás, também era minha. Foi a Inapa. Não sabíamos, mas era de todos nós.
Pertence, 45 % dela, à Parpública, a sociedade que gere os activos do Estado. “Distribuía papel” na Alemanha. Eis uma das marotices a que o
nosso Estado se dedica quando não estamos a olhar. Era uma herança das nacionalizações de 1975, como aquelas chávenas que
sobrevivem do serviço de chá de uma avó. Passaram cinquenta anos, duas
revisões constitucionais, décadas de privatizações, mas o saco de cascalho que a revolução nos deixou ainda não está vazio.
Já agora: em 1975, constou que
até barbearias tinham sido nacionalizadas. Talvez valha a pena o leitor
confirmar com o seu barbeiro se não é
o Estado que lhe corta o cabelo.
A falência foi simples, como
todas as falências. A empresa endividou-se. Precisou de dinheiro. Ninguém lhe
emprestou. Pediu ao Estado, o maior accionista. Não seria a primeira vez que os
nossos impostos entravam na empresa. Desta vez, o governo decidiu que não. O
ministro das Finanças Joaquim Miranda Sarmento fez muito bem em confirmar o
parecer da Parpública. O ministro da Economia Pedro Reis esteve certíssimo
quando explicou que era sua obrigação “proteger o dinheiro dos contribuintes”. Reclamam PCP e BE:
perderam-se 200 postos de trabalho. Sim, mas não foi agora: foi quando a empresa deixou de ser viável. Mantê-los
agora à custa do dinheiro de todos, só para evitar o desemprego, não era
conservar postos de trabalho, mas criar rendas. Não é racional nem justo.
Também o governo anterior terá hesitado em fazer da Inapa outra Efacec
ou uma TAP mais pequena. Não a achou uma “empresa estratégica”. Todo
o contribuinte português devia sacar de uma pistola imaginária sempre que
ouvisse a expressão “empresa estratégica”. No dicionário secreto da política portuguesa, uma “empresa
estratégica” é uma empresa inviável, que custa ou vai custar um ror de dinheiro
aos contribuintes, mas a que estão ligados demasiados interesses corporativos e
políticos para que os governos tenham coragem de pôr termo ao desperdício.
Porque insistem? Porque o Estado, no folclore primitivo da nossa
política, é um fetiche que pode tudo: salvar empresas, ou mudar a sociedade.
Para os mais crédulos, só o Estado sabe de “estratégia”, só o Estado produz
“inclusão”.
Mas é como no feiticeiro de Oz: por
detrás da cortina pomposa, o Estado são os políticos, e os políticos fazem
constantemente más apostas, e criam mais vezes dependências viciosas e
estigmatizantes do que verdadeira inclusão.
Qual a alternativa? O mercado.
Sim, já sei que todos fomos ensinados desde pequeninos a ter muito medo do
mercado, ainda mais do que das correntes de ar. Mas o “mercado” é a interacção entre nós todos. É verdade:
nem todos somos óptimos ou bem-intencionados, mas por sermos muitos e
diferentes, e a actuar em público, não prevalece tão facilmente o que só
parece boa ideia a um ou apenas serve o interesse de dois ou três, como nos
gabinetes do Estado. O mercado é como a democracia na política: é o pior meio
de gerir uma economia, à excepção de todos os outros. Quando
a interacção é livre e aberta, sem posições dominantes ou constrangimentos
nocivos, é o modo mais eficaz de suscitar boas ideias e de as realizar. É também a maneira mais
efectiva e sustentável de gerar as remunerações e a independência sem as quais
não há inclusão social. Nada é tão estratégico e tão inclusivo
como uma boa economia. Era essa que deveria ser a prioridade dos governantes:
criar em Portugal uma boa economia, e não continuar a gerir os restos da
herança de uma revolução do século passado.
Estado Política Mercados
Financeiros Economia Empresas
Públicas Finanças
COMENTÁRIOS (de 62)
José B Dias: Nem mais! João Floriano: Excelente crónica. Igualmente
muito acertada e sensata a decisão do governo e espera-se que não haja nenhuma
carta escondida na manga e que seja mesmo assim. Não há ajudas com dinheiro dos
contribuintes, que já pagam demasiado para elefantes moribundos com a TAP à
cabeça. A última frase do artigo é extremamente eloquente: é precisamente isso
que os governos de esquerda têm feito desde há 50 anos a esta parte:
fazer-nos arrastar um saco cheio do entulho que lá tem sido amontoado sem
coragem para nos livrarmos dele. Os contribuintes vão pagando e o peso do
entulho vai-nos cada vez mais empurrando para a cauda da UE e até da Europa.
Não me admira nada que tenha havido algures na planície alentejana
barbearias nacionalizadas à semelhança das herdades e explorações
pecuárias que o comunistas tomaram para si e que foram experiências falhadas
porque quando se acabaram os porcos e as ovelhas, acabou-se a festa e ninguém
quis continuar a cavar, desta vez não para os latifundiários mas para o
partido. No caso das barbearias não deve ter sido muito diferente. quando
desapareceram as tesouras e as navalhas de barbear, fechou-se o estaminé. Cupid Stunt: Bravo! Simples e directo. Francisco Ramos: Mas o pior é que ainda sobram
249 INAPAS....... Pobre
Portugal: Esta é a verdade nua e crua: tudo o que é estatal dá prejuízo e serve mal
as pessoas. Tudo o que é privado dá lucro e serve bem as pessoas. Agora é
aplicar este princípio à Saúde, Transportes, a tudo. João
Floriano > Fernando Matos:
Concordo
integralmente com o seu comentário. Mas há que distinguir entre TRABALHO e
EMPREGO. Aparentemente Trabalho há muito mas Emprego e do bom, daquele em que
não se faz nada mas o ordenado está garantido no final do mês, isso é que
parece que há menos e sujeito a cartão partidário e padrinhos influentes. Filipe Paes de Vasconcellos: Mas as sumidades, os políticos,
que tomaram as tais decisões “estratégicas “ em nosso nome, deveriam ser
conhecidas. Por exemplo, eu ao ler o seu artigo fiquei sem saber quem foram as “bestas”
(nomes e fotografias) que provocaram este rombo no nosso dinheirinho, e seria
muito importante, pedagógico e responsabilizante conhecê-los. Alexandre
Areias: O extraordinário mesmo é, em pleno século XXI, a “crendice” e
deslumbramento de tantos em Portugal com um Estado que tudo pode e tudo sabe e
que, como bem diz o RRamos, por detrás da cortina, não é mais do que políticos
de carreira, a grande maioria deles sem qualquer qualificação ou experiência
para gerir um condomínio, quanto mais o dinheiro de todos nós. Mas eles lá
estarão ungidos duma qualquer poção divina que os leva a ver mais e melhor que
o comum dos mortais, daí que eles saibam melhor que nós o que nós próprios precisamos
e possam, tal qual super-heróis, gerir com sucesso inequívoco qualquer Inapa
deste mundo
drumond freitas: Concordo! Excelente artigo! Será que no Orçamento de Estado estão listadas
todas as Inapas deste país? E todas as fundações que os portugueses suportam?
Era interessante saber. Os nossos jornalistas poderiam fazer um caderno anexo
ao seu jornal com este tipo de informação. Tomazz Man: Como se atreve, Rui Ramos?!
Tudo que é Estado, é bom! Fernando Matos: Estamos num tempo em que
ameaçar com o desemprego aos trabalhadores que perdem o emprego, é uma falácia,
todos os sectores têm falta de mão-de-obra. TODOS! João Diogo: Excelente crónica , mais uma ,
para os comunistas e tralha bloquista, tudo para eles é estratégico, se for o
dinheiro dos contribuintes a andar na frente , onde é que uma empresa que vende
papel é estratégica, só na mente da economista Mariana Mortágua e desse cérebro
do Paulo Raimundo. Hugo
C: Talvez seja a
oportunidade de listar a totalidade das empresas detidas directa ou indirectamente
pelo Estado em mais de 2% do capital, e respetivos indicadores base, por
exemplo: Capital Social, % de participação, empréstimos do Estado ou garantidos
pelo Estado, Retorno sobre o Investimento, nº de colaboradores nacionais, rácio
de colaboradores directos e indirectos, % de facturação nacional e europeia. Tenho
suspeitas que os 200 trabalhadores nacionais grande maioria usem colarinho
branco em vez de bata azul. E até fantasio que uma parte deles tenham cartão de
partido. Mas isso já pode ser a minha mente criativa dado que a última vez que
vi a INAPA em algum sítio foi num jogo de tabuleiro da Bolsa, daqueles com
cartas e dados no início da década de 80. Tim do A: Muito bem. Agora vendam ou dêem
a TAP que essa é bem mais prejudicial. vitor gonçalves > Pobre Portugal: Pobre Portugal ! Nem tudo. Experimente
ter uma doença oncológica e ir ao privado. Ao fim de 30 dias, esgotado o
plafond do seguro, recebe ordem de marcha para casa sem apelo nem agravo; e aí
só o IPO lhe vale. Mas compreendo o que quis dizer e concordo .Não é , no
entanto uma verdade absoluta.
José B Dias > Fernando Matos: Mas parece que só têm falta de
mão-de-obra vinda de paragens distantes ... Nuno Abreu: Incisivo, directo, chegando
mesmo ao trágico cómico. Muito obrigado. Segundo a história muitas das nacionalizações do pós
25 de Abril serviram para enricar o PCP. Mas agora, segundo eles, os
comunas, estando o PCP em processo de falência técnica, deveria ser
nacionalizado e os ordenados dos suas centenas de funcionários pagos pelo
Estado. Por quanto tempo teremos no Parlamento partidos pregando ideologias
criminosas e caquéticas!? Maria Emília Santos Santos: Plenamente de acordo! Só o
título já diz tudo, mas infelizmente, não é isso que os políticos do poder
pretendem! Eles querem estar no poder para porem em prática a maior corrupção
já vista na nossa história! Socialistas? Fora com essa seita destruidora da economia!
Nenhum comentário:
Postar um comentário