quinta-feira, 18 de julho de 2024

Afinal


Trump  tem muitos adeptos, vê-se pelos comentários. Oxalá ganhe Biden!

A conspiração contra a América

A eleição de Trump será um ponto de viragem no mundo Ocidental do pós-Guerra. É um candidato iliberal, anti-institucional e que despreza o mundo civilizado de regras e normas que os EUA lideraram.

JORGE FERNANDES Doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário Europeu, Florença, Investigador Ramón y Cajal no Conselho Superior de Investigação Científica, Madrid

OBSERVADOR, 17 jul. 2024, 00:1847

Há precisamente 20 anos, Philip Roth lançou um dos seus livros mais bem-sucedidos comercialmente:  A Conspiração contra a América. Neste livro, Roth faz um exercício de história contrafactual: na eleição presidencial de 1940, Charles Lindbergh, cujo filho tinha sido raptado na vida real em 1932, derrotara FDR, assinando, de seguida, um pacto de não-agressão com a Alemanha Nazi. O novo presidente Lindbergh dedicou-se então a subverter a democracia Americana e a alimentar o antissemitismo latente em largas camadas da população WASP. Roth resolve o livro fazendo com que Lindbergh desapareça no meio de um voo no Atlântico, abrindo o caminho para a eleição de FDR em 1942.

A história contrafactual que Roth escreveu brilhantemente como era seu apanágio, mostra com meridiana clareza como uma eleição pode ser consequente ao ponto de mudar a história do mundo. A provável eleição de Donald Trump em 2024 será um ponto de viragem no mundo Ocidental construído no pós-Guerra. Trump é um candidato iliberal, anti-institucional e que despreza o mundo civilizado de regras e normas que os Estados Unidos lideraram desde que saíram vencedores da Guerra Fria. Em 2016, Trump chegou ao poder de forma inesperada e sem qualquer preparação para o cargo. Para além de algumas tiradas racistas e de proteccionismo económico que interpretavam muito bem o ar do tempo, Trump não tinha um grupo político preparado para implementar um programa coerente e consistente. Sobreviviam ainda facções dentro do GOP que não haviam sido infectadas pelo MAGA. De resto, durante meses (ou mesmo anos) houve um conjunto de lugares-chave na Administração (e até mesmo em embaixadas no estrangeiro) que ficaram por ocupar porque Trump simplesmente não tinha preparado uma equipa para seleccionar e, mais tarde, nomear as pessoas que encarregar-se-iam da implementação das políticas públicas do presidente. Esta dificuldade permitiu, em grande medida, mitigar os danos da presidência Trump. A maior e mais importante consequência do seu primeiro mandato acabou por ser a nomeação, muito ajudada por Mitch McConnell de quem Trump entretanto se afastou, de três juízes para o Supremo Tribunal que, quando tiveram oportunidade, acabaram por tomar um conjunto de decisões que, pouco a pouco, estão a desmantelar a democracia Americana.

Todavia, em 2024, Trump já não cometerá o mesmo erro. Iniciado em 2022, o Project 2025 tem por objectivo desenhar políticas públicas conservadoras, em grande medida tributárias da Heritage Foundation, a serem implementadas pela nova administração em caso de vitória. Para além disso, esta coligação de facções conservadoras está envolvida no moroso e delicado processo de recrutamento de pessoal político e técnico para, rapidamente, em caso de vitória de Trump, nomear burocratas e políticos para lugares-chave para fazer a mudança política acontecer. Em muitos casos, Trump terá apenas como função a nomeação destas pessoas. Uma vez nomeadas, estas pessoas seguirão à risca o plano traçado e terão pouca necessidade de ajuda do presidente para a implentação destas políticas. Em última análise, Trump poderá entreter-se a utilizar a presidência para fazer o que já anunciou: resolver os seus problemas judiciais e, acima de tudo, vingar-se de todos o que tentaram, de alguma forma, pará-lo desde que apareceu na cena política a descer as escadas da Trump Tower em 2015.

A escolha de JD Vance como candidato a vice-presidente evidencia a preocupação de Trump com a ideia de total institucionalização do MAGA e a nomeação de um herdeiro político. A sua nomeação parece indicar que Trump está seguro da vitória e aposta na mobilização intensa da sua base eleitoral. Vance é um ultraconservador com visões verdadeiramente medievais sobre os direitos das mulheres e das minorias. Com esta escolha, ao contrário, por exemplo, de Tim Scott ou Marco Rubio, Trump parece ignorar a necessidade de piscar o olho ao eleitorado afro-americano ou latino.

Será tudo isto uma inevitabilidade? Os Democratas cometeram um enorme erro ao esconderem aquilo que são as evidentes debilidades cognitivas do actual presidente. Ao invés de terem admitido que Biden já não está capaz de derrotar Trump por manifesto peso da idade, o círculo mais próximo de Biden escondeu a realidade, impedindo, assim, a existência de primárias abertas para escolher um candidato forte que impedisse Trump de chegar novamente à Casa Branca. Depois da catástrofe do debate, onde ficou visível para o mundo que Biden não está em condições, agora é presumivelmente tarde demais. A pouco mais de um mês da convenção Democrata, a substituição de Biden afigura-se muitíssimo complexa, quanto mais não seja porque abriria uma grande incerteza sobre o que aconteceria em seguinte. Obviamente que existem dados de grande qualidade sobre qual seria o resultado expectável caso outro candidato ou candidata tomasse as rédeas do partido Democrata. No entanto, o acto de mudança de candidato introduziria um choque no modelo que impede qualquer previsão realista.

O atentado falhado à vida de Donald Trump parece complicar ainda mais a vida a Joe Biden. É certo que temos de ser muito cautelosos quanto às suas consequências. A incerteza que este evento introduz na campanha é enorme. Não acho que o atentado garanta por si só a eleição a Trump. Ninguém saberá as suas consequências até serem contados os votos e, mesmo aí, nunca conseguiremos isolar com clareza o efeito deste único evento. No entanto, parece-me claro que, se não ajudar Trump, certamente não o prejudicará.

Em primeiro lugar, o atentado teve uma consequência politicamente relevante: matou o momentum que existia para pressionar Biden para abandonar a corrida. Se este assunto voltar novamente acima da mesa, será então tarde demais. Salvo alguma grande surpresa de última hora, Trump enfrentará Biden em Novembro. Em segundo lugar, permitiu a Trump emergir cenicamente como um candidato com coragem física que, mesmo perante uma tentativa de assassinato, levanta-se e grita contra os poderes instituídos. Em terceiro lugar, o atentado dificultará a vida aos seus adversários para fazerem críticas acutilantes. Muitos membros do Partido Republicano apontam já a retórica Democrata acerca do perigo existencial de Trump para a democracia Americana como tendo alimentado o clima político e social que levou ao atentado. Nos próximos meses, esta consideração pesará como uma Espada da Dâmocles nos Democratas que pensem fazer críticas mais acintosas a Trump e ao perigo que este representa para a democracia. Por último, o atentado poderá ter um efeito eleitoral importante. Nestas eleições não haverá eleitores indecisos. No fundamental, a vitória será de quem conseguir mobilizar a sua base eleitoral. A imagem de Trump ensanguentado contra uma bandeira Americana, rodeado pelos serviços secretos, é perfeita para mobilizar a sua base e, em grande medida, permite confirmar a narrativa que Trump tem alimentado ao longo dos últimos anos.

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COMENTÁRIOS
José B Dias: Devolver o poder de decisão aos Estados e aos eleitores que nestes escolhem as políticas que querem ver implementadas é pois, na opinião do aqui cronista, uma decisão no sentido do desmantelamento da democracia ...                    AFJ > josé cortes: "com olhos e cérebros europeus", completamente. Essa é, aliás, a primeira coisa que se percebe quando se visita os EUA e se passa algum tempo com gente formada, com vidas equiparadas aos standards europeus e que vota Trump. É preciso viver na América para se perceber o que se passa na América. Os maiores responsáveis do voto no Trump são os democratas. Basta ver a transformação woke que está a acontecer na Califórnia. Transformação que a América conservadora rejeita em absoluto, e portanto votam partido republicano. Ser Trump ou outro dava lhes igual. Aliás, muitos deles nem suportam o Trump. Os intelectuais europeus, sentados na suas poltronas, não têm contacto com estas realidades do "terreno".              Pobre Portugal: Tanto sectarismo, tanta intolerância. Uma crónica inteira sem argumento algum, apenas com ódio. Então a miserável expressão a lamentar o “atentado falhado”, nem sei o que diga. Há limites para o que se publica.               AFJ: O voto no MAGA, excluindo ignorantes e malucos (que os há em toda a parte, não sei porque muitos acham que só existem nos EUA) significa apenas uma coisa: pôr o "progressismo" democrata no lixo. Simples.             José Tomás: Resumindo: a partir de uma obra de ficção, o opinador conclui que, na realidade, os políticos e juízes de cuja opinião discorda (cito) "estão a desmantelar a democracia Americana". Alguém lhe diga que a Carmo Afonso já foi despedida do Público, pelo que escusa de tentar concorrer com ela.              josé cortes: O autor estará, porventura, a ler a realidade americana com olhos e cérebro europeus Creio que a essência americana capturada na tão falada foto e que constitui ela própria uma arma de destruição para a establishment Democrata, não é tanto a do presidente que sobrevive a um tiro à cabeça (one in a million), como a do tipo comum que leva uma pancada, vai ao tapete e se levanta de imediato, faz peito e pergunta: "quantos são!?" Os USA ergueram-se em boa parte com pessoas fartas dos Europeus que cá estavam Land of the free and home of the brave                Tim do A: E para o autor o mundo civilizado é o garrote da grande ditadura do mundo Woke? Esse é que é liberal?!? Biden representa a maior ditadura de pensamento que está a estragar o mundo. Va de retro. Trump é o amigo dos trabalhadores contra a ditadura das elites multimilionárias que querem impor uma sociedade com milhões de escravos.             João Floriano: O cronista transforma o candidato Trump numa espécie de inimigo público número Um para a democracia americana. Acredito que o diabo neste caso não é tão mau como o pintam. Há duas considerações com as quais concordo. Os democratas cometeram um erro capital ao apresentar Biden de novo a eleições dado o estado de fragilidade do actual presidente. Agora é demasiado tarde. Trump e a sua administração terão uma nova oportunidade para corrigir os erros do primeiro mandato. Finalmente teremos de olhar para os números e verificar se Trump (cuja vitória parece inevitável) consegue uma margem expressiva em relação aos democratas, ou se os Estados Unidos vão continuar divididos.                Paulo Nunes: Depois desta leitura fica-se a perceber bem que não é só nos democratas que pulula o discurso delirante de que Trump é o fim da democracia, e que tem afinidades nazis. Esperava que um estudioso, a gozar o benefício da distância, pudesse ser mais rigoroso e equilibrado na sua análise.               José Rego: Tanto ódio, parcialidade, viés, adjectivação hiperbólica, tontice. Esquece-se é que o agora candidato já foi presidente e o nada destas “ grandes ameaças “ se concretizaram, apesar de ter havido os mesmos avisos, o mesmo sentido de pânico e de fim da democracia antes da sua eleição. Aliás , durante o mandato de Trump o mundo foi incomparavelmente melhor do que agora. Só um tonto não vê isso e não vê a discrepância entre o alarmismo das esquerdalhas e progressistas e a realidade.           Maria Alva: Artigo preconceituoso, pobre na factualidade e parcialmente primário na análise política. A arquivar no lixo wokista pseudo intelectual.                Fernando Prata: Um artigo inadmissível num jornal como o Observador. O autor deturpa totalmente a realidade americana, em que o aparecimento do fenómeno Trump é simplesmente uma reacção a tudo aquilo a que a esquerda americana tem tentado e, em muitos casos, conseguido fazer ao país.               Francisco Almeida: Não me atrevo a comentar este artigo por não conseguir fazê-lo sem infringir as normas.              Paulo Almeida > José B Dias: Exacto, o nível de democracia do autor teórico que só fez futurismo e inventou cenários ficou claro. Fala em decisões de juízes que estão a "desmantelar a democracia", mas não enuncia quais, nem fundamenta. Provavelmente refere-se à medida de que fala o José, do aborto. Os EUA são uma federação de 50 estados muito diferentes entre si. A maioria dos juízes consideraram que o estado federal não devia impor uma lei com quase 60 anos e deviam antes devolver o poder a cada estado de poder legislar, para ir de encontro ao voto popular de cada estado. Chamar a isso desmantelar democracia é típico de uma pessoa anti-democrática e/ou que se considera moralmente superior para saber o que é melhor para o povo de um país do outro lado do oceano. Essa é que é a verdade. Também enuncia tiradas racistas mas não diz quais. Qualquer pessoa que chama racista a outro, sem especificar os exemplos, frase e contexto devia ser automaticamente descredibilizada e essa sim ser catalogada como incendiária de tensão racial. Se o autor fosse ver os números, que são factos, via que após o 1º mandato do Trump a percentagem de hispânicos e africanos que votaram Trump aumentou. Isso tem mais poder que qualquer opinião. Há imensos senadores africanos republicanos a apoiar Trump. O próprio vice-presidente dele tem origens ascendentes estrangeiras. O racismo está onde se quer ver. O resto da peça é futurismo sobre o que ele acha que vai acontecer com X ou Y. Futurologia política, é tinto. É só poesia. Por fim, realçar que depois de um atentado à vida de uma pessoa, de uma política, não houve uma palavra sobre isso. Seja qual for a ideologia política que se tenha, defender a democracia é defender o direito à vida e à liberdade de todos os cidadãos, inclusive a liberdade de expressão. Esses 2 direitos representam 2 dos 3 direitos inalienáveis com que os EUA foram fundados. Life, liberty and the pursuit of hapiness. Se o autor realmente se interessasse por democracia americana, teria assinalado o óbvio. Tentaram matar uma pessoa que estava a exprimir a sua opinião. Mas não o fez. Preferiu dizer a frase: "O atentado falhado à vida de Donald Trump parece complicar ainda mais a vida a Joe Biden."O Observador devia ter mais cuidado com autores que não respeitam a pessoa humana e incentivam ao ódio. Que miserável figura fez este autor, com o patrocínio do Observador.              Isabel Gomes: Falta de cultura política e histórica é o problema do autor deste miserável artigo.              Francisco Almeida: O foco em Trump apenas faz esconder a realidade. E a realidade não é agradável de encarar. Os EUA estão a mudar e estão a mudar independentemente dos presidentes ou dos partidos. Trump, um outsider, com passado de negócios e não de política, foi o primeiro a percebê-lo e daí a MAGA. Mas os dois "Buy American Act" de Biden-Kamala tiveram um maior efeito económico. E foi Biden que impôs tarifas ao aço, prejudicando igualmente inimigos e aliados. E ainda não vi nas notícias o acontecimento mais relevante da política externa dos EUA. Vão ser instalados mísseis de médio alcance na Alemanha e estão a ser estudadas as localizações para instalação próximo da China. E não, não foi Trump quem aprovou.                Lily Lx: Não sei de que forma o supremo tribunal está a destruir a democracia na América.                   Coxinho: Sobre o artigo nada tenho a dizer porque o li "em diagonal".

O que me parece mais importante na próxima eleição americana é que o próximo presidente não seja, à imagem de Biden, fiel servidor dos propósitos dictatoriais dos globalistas multimilionários, que na vida real assumem uma camuflagem "woke" que lhes garante a impunidade. A ideologia "woke" -- que aliás não é ideologia nenhuma mas antes uma ausência dela -- esforça-se por garantir a ignorância, a imbecilidade e a inoperância das populações. Uma população ignorante e fragilizada torna-se dócil e facilmente manobrável.            Pobre Portugal >José B Dias: Olá, José B. Tem razão. Mas aquela expressão tipo a dizer que o atirador não deveria ter falhado é muito forte. Incita a coisas muito más. Mas tem razão, mesmo isso deve ser publicado.                     Carlos Real: Apenas uma constelação de milagres impediriam o Trump de ganhar. 1º que o próprio Trump passasse a ser senil. 2º que os palestinianos tivessem uma pátria, para que a juventude democrata fosse votar Biden. 3º que todo o eleitorado democrata se mobilizasse para o voto. Considero a vitória de Trump vantajosa para o Mundo. 1º O conflito da Ucrânia fica resolvido (paz com a Rússia e a não entrada da Ucrânia na NATO). 2º Muito menor intervenção americana no Mundo (normalmente os resultados finais são desastrosos, veja-se o Vietname, o Iraque, o Afeganistão, a Líbia). 3º Uma atitude anti-woke que ameaça tornar qualquer acto criativo um crime. Se continuarmos neste rumo, qualquer livro e filme terão de ser formatados no politicamente correcto, tipo centro comercial sempre com as mesmas marcas. Os defeitos do trumpismo ( e não são poucos ) sao superados pelas vantagens acima descritas.              José B Dias: Pobre Portugal            Rita: bons dias! Permita-me que discorde quando afirma que "há limites para o que se publica". Se assim fosse nunca teríamos a possibilidade de conhecer o pensamento de muita gente ...

 

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