domingo, 14 de julho de 2024

Fomos detractores pioneiros


Nessa coisa dos folhetins, textos estes dramáticos, mas de fraca envergadura criativa, pelo menos assim foram considerados os de Júlio Dantas, (que, por seu lado, fora grande detractor dos poetas do ORPHEU, de expressão futurista desregrada, pelo que aqueles se vingaram, Almada Negreiros com o seu “Manifesto Anti-Dantas”, de extrema contundência verbal).

É, pois, em homenagem a estas páginas de MÁRIO NOGUEIRA PINTO, clarificadoras dos factos históricos contemporâneos, como “folhetins” também por vezes caricatos, como são tantas das figuras que se movem em torno do poder, que transponho o poema “Serradura” de M. de Sá C., e assim citar mais um “folhetim” em cuja realização parecemos igualmente aptos.

Serradura

A minha vida sentou-se

E não há quem a levante,

Que desde o Poente ao Levante

A minha vida fartou-se.

 

E ei-la, a mona, lá está,

Estendida, a perna traçada,

No infindável sofá

Da minha Alma estofada.

 

Pois é assim: a minha Alma

Outrora a sonhar de Rússias,

Espapaçou-se de calma,

E hoje sonha só pelúcias.

 

Vai aos Cafés, pede um bock,

Lê o <<Matin>> de castigo,

E não há nenhum remoque

Que a regresse ao Oiro antigo:

 

Dentro de mim é um fardo

Que não pesa, mas que maça:

O zumbido dum moscardo,

Ou comichão que não passa.

 

Folhetim da <<Capital>>

Pelo nosso Júlio Dantas ---

Ou qualquer coisa entre tantas

Duma antipatia igual...

 

O raio já bebe vinho,

Coisa que nunca fazia,

E fuma o seu cigarrinho

Em plena burocracia!...

 

Qualquer dia, pela certa,

Quando eu mal me precate,

É capaz dum disparate,

Se encontra a porta aberta...

 

Isto assim não pode ser...

Mas como achar um remédio?

--- Pra acabar este intermédio

Lembrei-me de endoidecer:

 

O que era fácil --- partindo

Os móveis do meu hotel,

Ou para a rua saindo

De barrete de papel

 

A gritar <<Viva a Alemanha>>...

Mas a minha Alma, em verdade,

Não merece tal façanha,

Tal prova de lealdade...

 

Vou deixá-la --- decidido ---

No lavabo dum Café,

Como um anel esquecido.

É um fim mais raffiné.

                          Mário de Sá-Carneiro

França: o dia seguinte

Marine Le Pen fala de circo – e de um “circo indigno” – agora que Macron se prepara para excluir os mesmos deputados da Nova Frente Popular que acabou de ajudar a eleger.

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

0BSERVADOR, 13 jul. 2024, 00:1829

Há muito tempo que não via tanta alegria na “frente republicana e antifascista” ressuscitada pela barragem ao Rassemblement National de Marine le Pen e Jordan Bardella. Ver, à hora da abertura das urnas, o núcleo duro do La France Insoumise, presidido pelo Robespierre tonitruante Jean-Luc Mélenchon, foi quase um comovente “ó tempo volta para trás”.

Ah o saudoso Maio de 68!… Eram quase as mesmas caras, o mesmo estilo, as mesmas palavras de ordem, a mesma rectidão de propósitos, a mesma superioridade moral, a mesma arrogância, a mesma intransigência em relação aos “infiéis” (que não os muçulmanos). Mélenchon não desiludiu. Nunca desilude. Depois de ter registado um profundo alívio por ter esmagado, mais uma vez, a incansável “besta fascista” que não pára de se agigantar, passou, de chofre, a atacar o aliado objectivo, o presidente Macron e o seu Centrão, com quem se envolvera num fogacho frentista cujo prazo acabava de expirar. Os verdadeiros extremistas são assim: o inimigo principal é o aliado objectivo da véspera ou o correligionário mais próximo que não está com eles.

A geringonça montada para a segunda volta para evitar o triunfo da “Extrema-Direita” e o apocalipse que se lhe seguiria cumprira a sua função: para quê prolongar a agonia daquela efémera união de facto? E tudo resultara no que era uma aparente contradição democrática particularmente favorável aos frentistas: a coligação eleitoral mais votada (o Rassemblement e os Republicanos de Eric Ciotti), com mais de dez milhões de votos populares, ficara, com 143 deputados, atrás do Ensemble macroniano (com seis milhões de votos mas com 166 lugares no Parlamento) e da grande vencedora, a Nova Frente Popular e populista (Verdes, Comunistas, Socialistas e Insubmissos), que, com sete milhões de votos, somava agora 184 lugares. O que é que se podia querer mais?

Fogo fátuo

Porém, a euforia não duraria muito e não só se desfaria no rescaldo das eleições como entraria em combustão interna. Era natural. Para salvar a França e a Europa do “fascismo”, em múltiplos círculos eleitorais, liberais convictos tinham-se retirado e aconselhado os seus eleitores a votar em marxistas insubmissos, cujo programa económico prometia e garantia arruinar a França; ao contrário, houvera tardo-marxistas que também se tinham retirado e intimado os seus eleitores a votar em burgueses neoliberais macronianos, inimigos de classe e condenados a desaparecer nas lixeiras da História.

Tudo isto se deu no Domingo à noite, com a alegria a propagar-se por toda a Europa, contagiando também os nossos contagiáveis analistas e comentadores. Ainda a saírem das comemorações de Abril – relativamente mornas apesar do esforço pedagógico e dos subsídios públicos para a festa – a maioria dos nossos noticiaristas aproveitou o momento para se integrar, com grande inclusividade, na festa republicana, havendo até quem não escondesse alguma ternura e contrariada compreensão pelos incendiários “festejos” de rua dos mais insubmissos.

No meio dos festejos, Marine Le Pen respondia na TF1: “A maré sobe. Desta vez, não foi suficientemente alta, mas vai continuar a subir. Em consequência, a nossa vitória só foi adiada.” E acrescentava que a sua longa experiência de derrotas a aconselhava a não desanimar perante semelhante resultado: afinal, o seu partido passava de 88 deputados para 143, ganhando 55 lugares, e contava com 37% do voto popular.

O que é certo é que o partido de Le Pen ficava, em deputados, em terceiro lugar, depois do Nouveau Front Populaire e do Ensemble, o novo nome da coligação centrista macroniana, que já fora La République en Marche, e que, com pouco mais de seis milhões de eleitores, conseguia 166 lugares.

Como Marine le Pen e Jordan Bardella sublinharam, o resultado só era explicável pelas votações cruzadas entre a Esquerda e a Extrema-Esquerda (PS, Verdes, Comunistas, Insubmissos, todos na Nova Frente Popular) e o Centrão macroniano. Numa versão ad hoc da reductio ad Hitlerum do adversário, os trotskistas radicais da França Insubmissa e os liberais-chiques da Macronia tinham reunido esforços para aplacar a maré deextrema-direita” que prometia assolar a França.

Na semana em que se repetiam as projecções optimistas para o Rassemblement, dado até como possível candidato a uma maioria absoluta ou, pelo menos, a ser o primeiro partido, Marine Le Pen não tinha deixado de dizer que a alternativa a uma vitória da União Nacional seria ou “o pântano”, ou o caos.

O fantasma

Por pântano ou caos, Le Pen entendia precisamente a situação de ingovernabilidade que resultaria do desconjuntar da geringonça ideológica e política engendrada para enfrentar o “fantasma fascista”.

Fantasma porque nenhum dos partidos europeus a que a Esquerda chama fascistas tem, além do nacionalismo e do anti-esquerdismo, as características ideológicas dos fascismos europeus de há cem anos. Nem nenhum destes partidos, estando no poder, suprimiu as liberdades públicas ou a alternância democrática. Giorgia Meloni e os seus “pós-fascistas” Fratelli d’Italia estão no poder há dois anos em Itália e a oposição continua, ninguém restaurou o esquadrismo ou invadiu a Etiópia. Orbán ganhou a maioria nas eleições na Hungria e a oposição existe e a imprensa é livre. Na Polónia, o Justiça e Paz perdeu as eleições e cedeu o governo à geringonça Tusk do centrismo com o wokismo (que, essa sim, parece estar agora a suprimir liberdades e direitos).

A direita e as direitas nacionalistas, quer os velhos partidos reconvertidos – como os chefiados por Marine e Giorgia, quer os novos que surgiram na Europa (nos Países Baixos, na Suécia, na Áustria) – ganham adeptos e progridem porque as forças dominantes, nomeadamente as da direita dita conservadora, abandonaram os valores nacionais e identitários, reduzindo a política às questões da economia, da fiscalidade e da manutenção do poder, e tolerando ou até apoiando o globalismo e as propostas do wokismo e do fundamentalismo climático.

Claro está que numas eleições deste tipo, que são, no fundo, 577 micro-eleições em que, além do partido ou movimento político, contam muito a personalidade do candidato e o seu enraizamento no círculo eleitoral, o Rassemblement deveria ter tido mais cuidado com a escolha dos seus representantes. De resto, perante as gaffes e as afirmações inaceitáveis de alguns candidatos (como o que, para provar a sua ausência de preconceitos anti-semitas, invocou o dentista judeu a que recorria; e outra que, para mostrar o seu à vontade racial, mencionou a cabeleireira muçulmana), os dirigentes do Rassemblement parecem estar agora conscientes do desacerto de certas escolhas e prontos a aprender com os erros.

De qualquer forma, como salientam alguns analistas, nesta altura, uma vitória dos nacionalistas teria sido uma vitória pírrica: governar com Macron no Eliseu e a Esquerda Insubmissa na rua, aplicar um programa económico difícil sob o controlo do Presidente e contra a força da opinião publicada tinha tudo para ser um golpe decisivo na ascensão e progresso da chamada Extrema Direita.

E a avaliar pelo que a chamada Esquerda (a Esquerda Radical) fez na noite da vitória, podemos imaginar o que faria se tivesse perdido…

A carta

Como que para responder ao desafio de Mélenchon, que o convidara a abandonar o poder, Macron, de partida para a cimeira da NATO em Washington, deixou uma carta aberta “às francesas e aos franceses”, apelando à união dos republicanos. Mas só dos republicanos de bem, não os extremistas da União Nacional nem os da França Insubmissa: afinal, “os blocos e coligações” tinham saído das eleições “todos minoritários”, “Personne ne l’a emporté”, sublinhava o Presidente na carta.

Ora a missiva está a ser muito mal recebida – e não só pelos excluídos. Assim, o socialista Olivier Faure, secretário-geral do PS, reitera a urgência de o Presidente nomear um primeiro-ministro saído da Nova Frente Popular; o “excluído” Mélenchon vê na atitude de Macron “o regresso do veto real ao sufrágio universal” e a “verde” Marine Tondelier considera a recusa do Presidente em aceitar o resultado das urnas “um perigo para o país e para a democracia.” A estes juntam-se as vozes iradas de toda a Esquerda – insubmissa, verde, comunista ou socialista.

No outro extremo da exclusão macroniana, Bardella diz que Macron “organiza a paralisia do país” e Marine Le Pen fala de circo – e de um “circo indigno” – uma vez que o Presidente se prepara agora para excluir os mesmos deputados da Nova Frente Popular que acabou de ajudar a eleger.

E este é só o primeiro episódio do dramático feuilleton com que a França de Macron promete entreter o mundo. À suivre: segundo a última sondagem Odoxa-Backbone para Le Figaro, 73% dos franceses opõem-se a um governo composto exclusivamente por ministros do bloco das esquerdas.

Nota: Dada a volatilidade do número de deputados atribuídos pelas diversas fontes aos grandes grupos de Esquerda, Centro e Direita, resultante da consideração de sub-grupos, sigo aqui os resultados oficiais publicados pelo Ministério do Interior francês.

FRANÇA     EUROPA     MUNDO

COMENTÁRIOS ( DE 29)

Tim do A > Rui Lima: Acrescente à esquerda os liberais globalistas Woke do centro.              bento guerra: Ça chauffe et rechauffe"              João Bilé Serra > Madalena Magalhães Colaço: Pode dar referências (links) destas notícias, para que eu possa acompanhar? Obrigado       Rui Lima: Depois de Georges Pompidou, para infelicidade dos franceses, morrer com 63 anos, os presidentes seguintes são uma desgraça. O caso mais aterrador é do socialista François Mitterrand o coveiro da França apesar dos testemunhos de seu apoio ao governo de Vichy e sua Ordem de São Francisco na primavera de 1943, nada o impede de ir para a esquerda e como é de esquerda, o seu passado foi esquecido. (Por curiosidade, Jean-Marie Le Pen era “pupille de la nation “ protecção atribuída pelo Estado francês a crianças com menos de vinte e um anos de idade quando um dos dos pais foi ferido ou morto numa guerra aos 16 anos oferece-se como voluntário para a resistência) Hoje a esquerda está muito mais perigosa ao classificar as opi­ni­ões que ela desa­prova na cate­go­ria de dis­curso de ódio com direito a ser-se pro­ces­sado em tri­bu­nal e podendo fechar os meios de comu­ni­ca­ção que acusa de man­ter uma linha ile­gí­tima, o programa da FP é um perigo para a liberdade. Madalena Magalhães Colaço: No avião que o levaria à reunião da NATO, Macron escreveu às francesas e franceses dizendo que ninguém ganhou, e por isso, a Frente Insubmissa de Mélenchon não pode ir para o governo. Contudo uns dias antes pedira às francesas e franceses para votarem na lista de Mélenchon em circunscrições onde o RN pudesse ganhar. Vivemos num mundo onde o raciocínio lógico desapareceu. Quando regressou da Nato, deu uma descompostura aos macronistas dizendo-lhes que na sua ausência estes se tinham portado muito mal. Isto é a França. Mais vale Mélenchon formar governo, a França bater no fundo e esta agonia lenta acabar por uma vez. Bastante mais sério é o que se passa na Polónia com o governo da geringonça de Tusk onde a supressão de liberdades e direitos é aterrador. Um padre foi preso e passados 3 dias  o advogado não sabe ainda do que o acusam. Ficou privado de alimentos durante 2 dias e deram apenas uma garrafa pequena de água, quando solicitou mais disseram-lhe que fizesse chichi para essa garrafa e depois o bebesse. Foi privado de sono, durante as noites foi sucessivamente acordado com as luzes a incidirem na sua cela. Quem faz oposição ao europeísta Tusk está sujeito a uma censura semelhante à ex-URSS.         Maria Emília Santos Santos: A França que era a mãe do cristianismo, abandonou-o quase na totalidade e tornou-se pagã, porque tinha crescido tanto, que Deus já não era necessário! Este foi o trabalho dos falsos cientistas, para levarem o país ao estado em que se encontra! Como no AT quando um povo se afasta do seu Deus, é invadido e chacinado pelos outros povos vizinhos, que se apercebem da sua degradação moral! França e toda a Europa tem vindo a ser degradada moralmente, com força e poder, com intromissão abusiva em escolas e locais públicos, por quem deseja invadi-la! Primeiro abate-se a moral e éticas, depois, quando a ordem se acabou, avança-se com a invasão total, fazendo escravos os reféns e dominando pela força! Afinal, o que estava a mais era mesmo Deus! Logo que conseguiram retirar todos os símbolos cristãos, a França tornou-se um país vulnerável propício à invasão de todos e mais alguns! Não me parece que consiga resistir sem voltar atrás, voltar às suas raízes cristãs! Mas a esquerda globalista não quer, e, como ela é que tem o dinheiro e o poder, realmente, só a ação de Deus poderá poupar a França à tal ditadura!          Tim do A: Mais um monumental artigo de Jaime Nogueira Pinto. Para imprimir e guardar.                    Maria Nunes: Mais um excelente artigo de JNP. Obrigada.          João Bilé Serra: JNP a ser JNP. Excelente análise. Obrigado ao autor pelo serviço continuado que presta à Verdade. Faltou o link dos resultados.       João Ramos: Os Franceses são por natureza e até tradição um povo muito complicado, talvez porque se crêem melhores que os outros, o que na realidade ainda está por provar, foi a Revolução Francesa que acabou num mar de sangue e na realidade não resolveu nada, foi a “drôle de guerre » durante a primeira guerra mundial, não foram os ingleses e os americanos, teria acabado muito mal para a França, foi na ll guerra mundial em que as forças Nazis entraram pela França dentro como em vinha vindimada e não fossem mais uma vez os ingleses e os americanos hoje se calhar falava-se alemão em Paris, já para não falar do general De Gaule que se sempre se julgou mais do que era e foi sempre um incómodo para os países aliados, em resumo, os franceses são sempre um problema na Europa…             Maria Correia: Excelente! parabéns e muito obrigada por esta voz lúcida e rara nos jornais.                   Francisco Almeida: O próximo governo de França, tem um cenário de dívida pública de cerca de 110% do PIB e de contas públicas com um défice insustentável. Pelo menos uma das agências já degradou a dívida francesa para "B" e é inevitável que comecem brevemente os ataques especulativos e a subida dos juros. França terá de ser governada em austeridade e por um governo com apoio maioritário (um governo de gestão não pode equilibrar o orçamento e um minoritário não pode reformar). Sabendo-se já o que pode e vai fazer a Esquerda Insubmissa nas ruas, acredito que um tal governo terá de recorrer aos militares, como fez de Gaulle em 1968. Macron quer formar esse governo com exclusão da Esquerda Insubmissa e das direitas, todos os que têm capacidade de mobilização nas ruas. Como já por aqui comentei, só vejo isso possível com uma coligação de Nª Sª de Lourdes, Nª Sª de Fátima e algumas das várias Virgens Negras. Em qualquer caso, a UE terá de decidir entre apoiar França contra todas as regras e esquecendo a inflação como prioridade, ou arriscar um "défault" na zona Euro, o que pode ditar o fim deste.         Pedra Nussapato: Ainda não foi desta Dr JNP; imperou a escolha pelo mal menor. E já agora Dr JNP, como é evidente, o bicho papão da extrema-direita ainda não se revelou em nenhum dos poucos países onde está a governar porque, lá está, ainda são poucos, e numa Europa (ainda) unida as vantagens que se tiram dela são mais importantes. Ainda assim, isso não tem impedido Orban de se revelar um "bocadinho", vá, vamos pôr as coisas assim. Sendo o Dr JNP uma pessoa culta e conhecedora da história dos partidos, certamente estará a par das origens do RN, das pessoas que o integram, e de como foi produzido o seu novo rosto do RN. Se não está a par, é consultar os arquivos deste jornal onde escreve; basta recuar até ao fim de semana-passado.

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