sexta-feira, 12 de julho de 2024

Relembrando

 

Histórias de guerras, que denunciam eternas vaidades e prepotências humanas, ao longo dos tempos – esta crónica de BRUNO CARDOSO REIS. Não, não parece que Trump seja um pacificador, trata-se de exibicionismo, essas suas “boutades” de pacificador, para ganhar as eleições do seu prestígio de tagarela inveterado, para não dizer invertebrado…

Trump será um pacificador?

A verdadeira paz tem de assentar num acordo tido por justo e legítimo, sobretudo pelas partes directamente envolvidas na guerra, mas também pelos países vizinhos e pelo máximo da comunidade de Estados.

BRUNO CARDOSO REIS Historiador e especialista em segurança internacional

OBSERVADOR, 12 jul. 2024, 00:1730

Temos ouvido falar muito de paz na Ucrânia ou no Médio Oriente. Nos dois casos o sucesso na guerra é muito difícil, mas o sucesso numa verdadeira paz, justa e durável, é muito mais difícil ainda. Ignorar isso, e gritar por paz, sem explicar como, em que condições, não é sério. Parece evidente que Trump não trará a paz no Médio Oriente que andou a prometer durante todo o seu primeiro mandato. Mas será que o fará no caso da Ucrânia se for reeleito, em novembro próximo, como diz com grande confiança? Como se constrói uma verdadeira paz?

Todas as guerras acabam rapidamente em negociações?

Não é assim, por muito que essa ideia falsa seja repetida. Muitas guerras prolongam-se durante anos e até décadas. A Birmânia está envolvida numa guerra civil desde a sua independência em 1948. Uma das tendências nos conflitos actuais é mesmo para se prolongarem sem solução à vista. E há conflitos que nunca terminaram num verdadeiro acordo de paz. A Guerra da Coreia (1950-53), a primeira da era nuclear, não terminou num acordo de paz que resolvesse o conflito, mas num cessar-fogo. Esse até pode ser o melhor cenário para o fim dos combates na Ucrânia. Ambas as Coreias e os seus aliados esgotaram as soluções militares. Mas ainda hoje a Coreia do Sul continua a ser um dos países mais militarizados do Mundo, a ter uma forte presença militar dos EUA, bem como uma garantia formal de defesa.

Por fim, uma das formas de ter paz é vencer militarmente. Foi o caso da Segunda Guerra Mundial. A vitória dos Aliados Ocidentais criou as condições para a paz democrática a que nos habituámos a viver na Europa Ocidental. A vitória da União Soviética criou as condições para a escravização da Europa de Leste durante décadas. Essa é outra lição fundamental da história. Os termos da paz vão condicionar a ordem política regional e global que se seguirá.

A Europa quer paz

É normal. Estamos desabituados de guerras de conquista no nosso continente. A guerra custa vidas, consome recursos, é por natureza uma fonte de incerteza e insegurança. A paz é a base indispensável da prosperidade e da liberdade. Mas convém recordar que todos os grandes conquistadores foram grandes pacifistas. De Gengiscão até Napoleão todos eles preferiam conquistar sem combater, vencer pelo terror, impor a rendição sem combater. É dessa paz que estamos a falar? A paz do terror do mais forte?

Foi essa a base do acordo com Hitler, em Munique, em 1938. A Checoslováquia democrática estava decidida a defender-se com o apoio das democracias ocidentais. Foi isolada e pressionada pelos seus aliados democráticos. Foi forçada a ceder território à Alemanha nazi em troca da paz. O resultado foi o fim da independência checoslovaca em poucos meses e, um ano depois, a guerra mais mortífera de sempre. Hitler convenceu-se de que a ameaça e a agressão compensavam. Convenceu-se de que as democracias queriam a paz a qualquer preço, portanto nunca lhe fariam frente. A história não se repete, mas mostra que é pouco provável que seja boa ideia sacrificar a independência da Ucrânia democrática à agenda imperialista da Rússia de Putin.

Se for assim qualquer um – Trump, Órban, Lula, Erdogan ou Xi – pode rapidamente pôr fim à guerra na Ucrânia. Essa paz não exigirá grandes dotes de estadista, nem grande capacidade dos analistas que a prevêem. Mas é pouco provável que as ambições imperiais de Putin ou de outras grandes potências revisionistas fiquem por aí.

Como é que se constrói uma paz justa e duradoira? 

Uma verdadeira paz tem de assentar num acordo considerado justo e legítimo, sobretudo pelas partes directamente envolvidas na guerra, mas também pelos países vizinhos e pelo máximo da comunidade de Estados. Caso contrário não será durável. Será uma trégua, potencialmente perigosa se permitir ao lado mais agressivo rearmar-se e escolher o momento para regressar ao combate. Gritar pela paz já é uma ingenuidade ou um apelo a apaziguar a qualquer preço o ditador de Moscovo.

É verdade que é muito difícil dada a enorme assimetria de poder militar favorável à Rússia que a Ucrânia consiga recuperar pela força todo o seu território, sem um colapso do actual regime russo. Mas não demos a Kiev os meios, sem linhas vermelhas, para ofensivas contra linhas defensivas com sérias hipóteses de sucesso. E também é verdade que não vejo como a Rússia poderá vencer uma Ucrânia apoiada pelos EUA e pela Europa. A certo momento o regime autocrático russo poderá preferir um cessar-fogo que realmente congele os combates e lhe permita aliviar os enormes custos da guerra.

Nenhuma paz verdadeira, nenhum cessar-fogo durável será possível face à Rússia de Putin que não parta de uma posição de força e da dissuasão credível de futuras agressões. A vitória da Rússia neste conflito não é de todo inevitável. Menos ainda o é uma Terceira Guerra Mundial. Esta última foi muitas vezes anunciada desde 1945 e nunca teve lugar. Foi assim muito graças, nomeadamente, à existência da NATO, que esta semana celebrou 75 anos de sucesso na defesa colectiva, sem que nenhum dos seus membros tenha sido atacado por outro Estado. Se Trump for eleito, uma possibilidade bem real, tudo isto poderá ficar em causa se continuar a ser um candidato a autocrata no seu país e um admirador declarado de autocratas fora do seu país. Trump até poderá conseguir uma paz rápida e fácil com a Rússia. Mas convém ser claro que paz rápida e fácil seria essa. Seria uma paz que tornaria o Mundo mais propenso a guerras de conquista. Seria uma paz que tornaria o Mundo mais perigoso para democracias e pequenas potências, e mais seguro para ditaduras agressivas. É isso que queremos?

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COMENTÁRIOS (de 30)

José B Dias: Curioso como de repente passámos a ter a Paz e a ... "verdadeira Paz"! A primeira ocorre quando cessam as hostilidades, deixa de existir morte e destruição e os processos de reconstrução de estruturas físicas e psicológicas pode ter o seu início. A segunda aparenta ser quando as coisas são feitas em conformidade com os interesses e objectivos defendidos pelos que consideram ser só essa a Paz verdadeira ... Em 1975, após negociação e acordo em Paris, o Vietname do Norte e os USA acordaram fazer a Paz. Garantidamente que no Vietname do Sul, que rapidamente foi derrotado e desapareceu como Estado, terão existido muitíssimos  que não o apoiaram o que me faz indagar se se terá tratado de "paz" ou de "uma verdadeira paz"? A criatividade é coisa sem limite.           bento guerra: Trump é homem de negócios, gosta de se sentar à mesa. Pode acabar com espectáculos mentirosos, como os da cimeira da NATO                Coxinho: Se lhe "parece evidente que Trump não trará a paz no Médio Oriente", não valia a pena perder tempo a escrever tudo o que se segue. Inicia o artigo pela respectiva conclusão sem se aperceber que se trata de uma premissa -- mera hipótese. Pois. Há que dizer mal do Trump. Mas eu compreendo o condicionalismo que afecta a actividade da maioria dos jornalistas. O complexo da superioridade moral da esquerda ignora facilmente toda a moralidade que apregoa, e... quando bate, bate com força!! Trump não é uma figura simpática, concordo. Mas isso não justifica tudo o que se escreve acerca dele. Que tal auscultar a opinião da maioria dos americanos?                Maria Emília Santos Santos: Esta crónica faz-me lembrar uma entrevista que ouvi e vi de Ana Gomes, logo após a estrondosa vitória de Le Pen! Esta pessoa achava que tinha chegado a desgraça à França, com esta vitória! Os franceses não passaram na casa de Ana Gomes a pedir opinião e, por isso fizeram aquela imensa, inacreditável asneira!!!! É como os brasileiros que amam Bolsonaro, o aplaudem e apoiam, mas os portuguesinhos de esquerda, super espertos, acham que eles são todos parvos e despolitizados, porque se não apoiavam o corrupto bandido Lula, que foram buscar à prisão para o colocarem no poder! A esquerda portuguesa que não quer ser conhecida como radical, tem imposto as suas ideias e manipulado o povo porque em Portugal, infelizmente quem manda são os oligarcas da NOM. Foi a este caos que o PS nos levou quando se juntou ao esquerdérrimo BE para desgovernar o nosso pobre país! Agora, temos esperança de começar a ressurgir, com tantos e tantos políticos de verdade que estão a aparecer! Não digo mais nada para que não mandem o comentário abaixo!            Luis Silva > José Nicolau: A guerra está ganha com Trump ou sem Trump. Trump apenas pode evitar uma guerra mundial.            Ronin: Mais um artigo vindo de um cérebro que cheira a mofo e teias de aranha, como uma toca de ratazana! Este sujeito não pode concluir coisa alguma e no momento, nem ele nem ninguém! Tinha de atacar Trump, "esqueceu-se" como esquerdista mentiroso do encobrimento do deep state, medias corruptos e família, a situação mental de Biden. Aconselho a quem estiver interessado saber quem foram os que inventaram a Russian Collusion, conforme o relatório de John Durham. Podem ver no youtube "How the deep state took down Trump" - Victor Davis Hanson. O "dream team" do tempo de Obama/Clinton torpedeou toda a Presidência de Trump, desde os ex directores do FBI, CIA, ou a advogada ao serviço do FBI. todos mentiram ao Congresso sobre este assunto que foi uma invenção do grupo de Obama/Clinton.          José B Dias > Coxinho: Há muito que a opinião pública deixou de interessar à opinião publicada 🤔               Carlos Chaves: Caríssimo Bruno Cardoso Reis, concordo com a sua avalizada opinião, contudo a eleição ou não, do Trump, depende dos Americanos. Ou seja, não é uma questão de queremos ou não queremos, será um facto ou não, com que teremos que lidar!        

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