sexta-feira, 26 de julho de 2024

Para o Ricardo


Que me enviou o texto de LUÍS OSÓRIO.

Et pour cause, neste dia.

Não há nada a reparar no passado de Portugal

Por Luís Osório em POSTAL DO DIA

18 jul, 2024, 18:50

«Não há semana em que não se discuta sobre reparações histórias e pedidos de desculpa pelos pecados dos nossos antepassados. O "Postal" de hoje assume o que para muitos será uma surpresa.

1.

Tenho orgulho na história do meu país.

Não a quero mudar, embelezar, maquilhar, tornar fofinha.

Fomos e somos tudo e o seu contrário.

Enormes e medíocres.

Corajosos e cobardes.

Generosos e egoístas.

Descontraídos e melancólicos.

Temos gente que nos orgulha e nos envergonha.

Gente que nos fez gigantes e gente que nos empobreceu.

2.

Somos os que partiram à conquista do mundo e os que ficaram a dizer mal dos que partiram.

Inventámos mares nunca dantes navegados, mas fomos os últimos a fechar as portas aos escravos.

Somos os que mataram a pena de morte antes de quase todos, mas também os últimos a abrir mão das colónias.

Fizemos uma revolução quase sem mortos, mas dividimos o mundo em dois, dispostos a dizimar os pobres diabos que íamos conquistando

Tornámo-nos mestres no jogo duplo, enganámos os castelhanos e mantivemos com engenho a nossa independência, mas somos mestres na arte de nos tratarmos mal uns aos outros.

3.

Somos o país de Cristiano Ronaldo, mas a maioria de nós já só o deseja ver pelas costas.

Tornámos o futebol a única indústria em que ganhamos à maioria dos países poderosos, mas o futebol une-nos na vontade de dizer mal, de criticar, de acharmos que faríamos melhor do que aqueles que lá estão.

Temos dois prémios Nobel, mas a um criticámos pela lobotomia e a outro por não saber pôr vírgulas.

Temos um Salgueiro Maia e um Zeca Afonso, mas morreram os dois na miséria.

Temos um Camões, mas esquecemo-nos que este era o ano 500.

E temos um Pessoa, mas em vida os que foram ao seu funeral deram-se ao trabalho pela caridade de se despedirem de um bêbado adorável.

Fomos o país onde nasceu Aristides Sousa Mendes e Salazar.

Onde D. Afonso Henriques enfrentou a mãe para ganhar a terra. Onde elevámos à santidade um sanguinário como D. Nuno Álvares Pereira e tornámos herói um desequilibrado como D. Pedro e só por causa de Inês.

Somos românticos, pelamo-nos por uma boa história.

Sempre tivemos tendência para o drama, para a choradeira e para os homens baterem nas mulheres.

Orgulhamo-nos de sermos pobrezinhos e honrados. Vivemos com Deus na boca, mas afundados em pecados morais. Adoramos o fado e somos atrevidos, veneramos Fátima e os Pastorinhos, mas nunca deixámos de frequentar a Santa da Ladeira, o Zandinga e as casas de meninas.

4.

Somos o país de Mestre de Avis e do Infante D. Henrique.

Matámos só pelo prazer de matar. Somos racistas dóceis, mas somos racistas.

Roubámos, pilhámos, destruímos, violámos, corrompemos.

Mas também construímos, sonhámos, fizemos bem e imaginámos uma língua só nossa.

Ter orgulho no país é tudo isso.

É ser parte deste circo humano feito de coração e intestinos, de sangue e da putrefacção.

Não quero pedir desculpa pelos meus antepassados.

Não quero apagar os “maus”, as iniquidades e o fedor a culpa e a morte.

Sou português por inteiro.

Assumindo o mal que fizemos, tentando estar na barricada justa, combatendo pelo progresso ético e moral, celebrando os que se distinguem, os que nos orgulham, fazendo a minha pequenina parte.

Não há nada a reparar no passado.

Há um presente e um futuro para construir melhor.

Para fazer melhor.

Para ser melhor.

 

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